Os cálculos mais conservadores
indicam que pelo menos 12 milhões de africanos foram sequestrados na costa
ocidental do seu continente e transportados em barcos negreiros europeus até às
colónias da América, entre os séculos XVI e XVIII. Nem todos sobreviveram a
travessia e aqueles que chegaram com vida, trabalharam em condições de
escravatura nas plantações dos impérios da Espanha, Inglaterra, Holanda, França
e Portugal no Novo Mundo. As nações que integram a Comunidade do Caribe
(Caricom) atribuem a origem da sua actual pobreza material à escravatura e ao
genocídio perpetrado naqueles tempos. Por isso, decidiram levantar um processo
jurídico contra a Inglaterra, Espanha, França, Holanda e Portugal, reclamando
uma compensação económica e de investimento em planos de desenvolvimento.
“Estamos a enquadrar a exigência
das reparações numa discussão sobre o desenvolvimento. Não estamos a falar de
uma confrontação, mas se necessário levaremos o nosso caso para a Corte
Internacional de Justicia para negociar”, explicou a historiadora Verene
Sheperd, que
dirige a Comissão de Reparações da Jamaica. Na sua mais recente
cimeira, celebrada em Porto Espanha a 4 de julho passado, os líderes da
Comunidade do Caribe acordaram estabelecer uma comissão de reparação a cada um
dos 15 países membros do bloco. O passo seguinte será a realização de uma
reunião conjunta, agendada para a primeira semana de setembro em San Vicente e
as Granadinas, onde alguns dos primeiros ministros do grupo debaterão,
juntamente com advogados e especialistas em história económica, a estratégia a
seguir.
Não é um problema de dinheiro e sim
de acordar mecanismos de compensação que contribuam para o desenvolvimento dos
Estados reclamantes. “Acima de tudo, queremos que a Europa se desculpe, pois
até agora apenas declarou arrependimento, mas nenhum país se desculpou. Logo,
queremos infraestruturas para o desenvolvimento: escolas, centros de saúde,
estradas, hospitais. E queremos que acabe o racismo”, afirmou a historiadora,
citada pelo jornal espanhol El Pais.
A empresa inglesa Leigh Day &
Co. irá representar a Comunidade do Caribe, segundo revelou o primeiro ministro
de San Vicente e Las Granadinas, Ralph Gonsalves, na passada terça-feira, em
entrevista ao diário Trinidad and Tobago Guardian. “Durante mais de 30 anos tem
estado em acção um movimento que teve origem nas bases da sociedade civil,
entre intelectuais e profissionais, que tem reclamado reparações pelo genocídio
dos seus nativos e pela escravatura”, afirmou Gonsalves, que presidirá a
reunião agendada para este mês, na qual também participarão a primeira ministra
de Trinidad e Tobago, Kamla Persad Bissessar, e os presidentes Michel Martelly
do Haiti, Donald Ramotar de Guiana e Desi Bouterse de Suriname.
Em junho de 2013, a firma Leigh Day
& Co. obteve uma vitória num caso similar, ao lograr que o Reino Unido
admitisse ter torturado mais de 5.000 rebeldes da guerrilha queniana Mau Mau
entre os anos 1952 e 1960. Como resultado, as vítimas e seus sobrevivientes
obtiveram uma compensação que atingiu 30,5 milhões de dólares.
Entre 2004 e 2011, Jamaica, Guiana
e Antigua e Barbados também haviam intentado, sem éxito, obter algum tipo de
compensação da parte dos países europeus envolvidos no tráfico de escravos no
período colonial. “Hoje, a exigência de reparações está a começar a fazer parte
da consciência nacional em San Vicente e as Granadinas, através do debate
público, em programas de rádio, nos jornais”, sublinhou o primeiro ministro
Ralph Gonsalves.
Os países do Caribe envolvidos
nesta nova reclamação contra a Inglaterra, Espanha, França, Holanda e Portugal
pela escravatura e genocídio ainda não fixaram o montante da compensação a que
aspiram. Existem, sem embargo, alguns antecedentes. Em 1999, a African World
Reparations and Repatriation Truth Commission exigiu ao Ocidente o pagamento de
777 mil milhões de dólares aos países africanos que foram escravizados durante
o período colonial. “Sabemos que nunca obteremos essa quantidade de dinheiro,
mas pelo menos devemos encontrar uma maneira de aliviar a pobreza do Caribe e
fazer algo a favor do desenvolvimento de uma infraestrutura social. Se queremos
alcançar a paz mundial, este é um dos caminhos”, opina Verene Sheperd.
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