terça-feira, 6 de agosto de 2013

PAÍSES DO CARIBE EXIGEM DA EUROPA UMA COMPENSAÇÃO PELA ESCRAVATURA



4 agosto 2013, Radio Moçambique http://www.rm.co.mz

Tráfico de escravos pintado num quadro de George Morland/Museu das Artes Africanas e Oceánicas, Paris

Os cálculos mais conservadores indicam que pelo menos 12 milhões de africanos foram sequestrados na costa ocidental do seu continente e transportados em barcos negreiros europeus até às colónias da América, entre os séculos XVI e XVIII. Nem todos sobreviveram a travessia e aqueles que chegaram com vida, trabalharam em condições de escravatura nas plantações dos impérios da Espanha, Inglaterra, Holanda, França e Portugal no Novo Mundo. As nações que integram a Comunidade do Caribe (Caricom) atribuem a origem da sua actual pobreza material à escravatura e ao genocídio perpetrado naqueles tempos. Por isso, decidiram levantar um processo jurídico contra a Inglaterra, Espanha, França, Holanda e Portugal, reclamando uma compensação económica e de investimento em planos de desenvolvimento.

“Estamos a enquadrar a exigência das reparações numa discussão sobre o desenvolvimento. Não estamos a falar de uma confrontação, mas se necessário levaremos o nosso caso para a Corte Internacional de Justicia para negociar”, explicou a historiadora Verene Sheperd, que
dirige a Comissão de Reparações da Jamaica. Na sua mais recente cimeira, celebrada em Porto Espanha a 4 de julho passado, os líderes da Comunidade do Caribe acordaram estabelecer uma comissão de reparação a cada um dos 15 países membros do bloco. O passo seguinte será a realização de uma reunião conjunta, agendada para a primeira semana de setembro em San Vicente e as Granadinas, onde alguns dos primeiros ministros do grupo debaterão, juntamente com advogados e especialistas em história económica, a estratégia a seguir.

Não é um problema de dinheiro e sim de acordar mecanismos de compensação que contribuam para o desenvolvimento dos Estados reclamantes. “Acima de tudo, queremos que a Europa se desculpe, pois até agora apenas declarou arrependimento, mas nenhum país se desculpou. Logo, queremos infraestruturas para o desenvolvimento: escolas, centros de saúde, estradas, hospitais. E queremos que acabe o racismo”, afirmou a historiadora, citada pelo jornal espanhol El Pais.

A empresa inglesa Leigh Day & Co. irá representar a Comunidade do Caribe, segundo revelou o primeiro ministro de San Vicente e Las Granadinas, Ralph Gonsalves, na passada terça-feira, em entrevista ao diário Trinidad and Tobago Guardian. “Durante mais de 30 anos tem estado em acção um movimento que teve origem nas bases da sociedade civil, entre intelectuais e profissionais, que tem reclamado reparações pelo genocídio dos seus nativos e pela escravatura”, afirmou Gonsalves, que presidirá a reunião agendada para este mês, na qual também participarão a primeira ministra de Trinidad e Tobago, Kamla Persad Bissessar, e os presidentes Michel Martelly do Haiti, Donald Ramotar de Guiana e Desi Bouterse de Suriname.

Em junho de 2013, a firma Leigh Day & Co. obteve uma vitória num caso similar, ao lograr que o Reino Unido admitisse ter torturado mais de 5.000 rebeldes da guerrilha queniana Mau Mau entre os anos 1952 e 1960. Como resultado, as vítimas e seus sobrevivientes obtiveram uma compensação que atingiu 30,5 milhões de dólares.

Entre 2004 e 2011, Jamaica, Guiana e Antigua e Barbados também haviam intentado, sem éxito, obter algum tipo de compensação da parte dos países europeus envolvidos no tráfico de escravos no período colonial. “Hoje, a exigência de reparações está a começar a fazer parte da consciência nacional em San Vicente e as Granadinas, através do debate público, em programas de rádio, nos jornais”, sublinhou o primeiro ministro Ralph Gonsalves.

Os países do Caribe envolvidos nesta nova reclamação contra a Inglaterra, Espanha, França, Holanda e Portugal pela escravatura e genocídio ainda não fixaram o montante da compensação a que aspiram. Existem, sem embargo, alguns antecedentes. Em 1999, a African World Reparations and Repatriation Truth Commission exigiu ao Ocidente o pagamento de 777 mil milhões de dólares aos países africanos que foram escravizados durante o período colonial. “Sabemos que nunca obteremos essa quantidade de dinheiro, mas pelo menos devemos encontrar uma maneira de aliviar a pobreza do Caribe e fazer algo a favor do desenvolvimento de uma infraestrutura social. Se queremos alcançar a paz mundial, este é um dos caminhos”, opina Verene Sheperd.

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