23 junho 2008/Portal do MST http://www.mst.org.br
Da Radioagência NP
Centenas de famílias ligadas ao Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terras (MST) foram despejadas de dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul, no Rio Grande do Sul, na última terça-feira (17/06). Barracos, plantações, criações de animais e até o posto de saúde e a escola montada pelos sem terra foram destruídos.
As famílias foram jogadas à beira da estrada em Sarandi, cumprindo ordens do Poder Judiciário. A Brigada Militar expulsou as famílias de duas áreas cedidas por pequenos proprietários. De acordo com um dos promotores responsáveis pela ação civil que determinou o despejo, Luis Felipe Tesheiner, “não se trata de remover acampamentos, e sim de desmontar bases que o MST usa para cometer reiterados atos criminosos”.
Ali não estava em debate a questão fundiária. A decisão judicial se baseia em um relatório do Ministério Público (MP) gaúcho, no qual o MST é considerado uma ameaça à segurança nacional que precisa ser dissolvida. Em tom de denúncia, o documento chega a citar a presença de livros do pedagogo soviético Anton Makarenko. Textos de Florestan Fernandes, Paulo Freire e Chico Mendes são apresentados como exemplos da “estratégia confrontacional” do movimento.
Em entrevista, o procurador do Estado aposentado e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, Jacques Távora Alfonsin, afirmou que a ação da justiça ressuscita práticas da ditadura no Brasil. Para Alfonsin, há uma ação orquestrada no Rio Grande do Sul, baseada na perseguição ideológica.
Juridicamente, como você caracteriza essa ação da Justiça gaúcha?
Nós estamos enfrentando uma situação de violação flagrante dos direitos humanos, de uma infidelidade manifesta do MP às suas próprias finalidades. Quem lê a petição inicial vê que o MP vestiu a camisa dos latifundiários. Na Constituição Federal, a função do MP não é perseguir pobre, nem evitar pressão social de gente que está reivindicando reforma agrária. Essas ações se baseiam num sociólogo rural [Zander Navarro] magoado com o movimento. Não existe preocupação destes promotores em sustentar essas coisas em fatos, é tudo gente que não concorda ideologicamente com o movimento.
A medida seria, então, perseguição ideológica?
Na petição inicial, os promotores se baseiam no fato de que o MST é um movimento anti-capitalista e esquerdista. Quer dizer, tudo aquilo que as universidades estudam em sociologia com a maior liberdade. Qual é o crime ser anti-capitalista e esquerdista? Para acentuar essa denúncia, eles se baseiam no Estatuto da Terra votado durante o regime militar que acabou com as Ligas Camponesas [Movimento Camponês exterminado após o golpe de 1964, e que tinha como pauta “a reforma agrária na lei ou na marra”], para mostrar que o MST, então, se equipararia às ligas. Se voltou à época da ditadura para se sustentar esse ataque.
Essa seria uma ação orquestrada?
Isso é tão orquestrado que nunca se viu tanta agilidade. A petição chegou em Carazinho (RS) no dia 16 de junho. O despacho do juiz, que tem mais de 20 laudas, é de 16 de junho [mesmo dia]. Portanto, ele já sabia que a ação iria entrar e já estava até preparado com o despacho que ele iria dar. E para surpresa de todos os agricultores sem terra, a Brigada Militar com mais de 500 homens entrou de madrugada [nos dois acampamentos no município de Coqueiros do Sul], de surpresa, antes de chegar o oficial de justiça. O oficial de justiça chegou depois, tudo isso com a chancela do ouvidor da segurança pública aqui do estado, que deveria ser justamente aquele que protege os direitos humanos destas pessoas.
Existem outros indícios dessa ação organizada?
Está em curso no estado um abuso de poder e de autoridade. O relatório secreto do Conselho Superior do MP daqui [RS] estava preparando essas ações desde dezembro de 2007. E nesse relatório a expressão é a dissolução, estou repetindo: dissolução do MST. Uma reação popular organizada não é tolerada.
Qual providência deve ser tomada?
Nós estamos preparando os recursos judiciais que vamos entrar e as contestações a estas infelizes ações. E não se descarta a hipótese de fazer uma petição com urgência para a comissão de direitos humanos da OEA [Organização dos Estados Americanos].
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