13 junho 2008
Inconstitucionalidade, falta de transparência e abertura à corrupção são algumas das críticas da organização La’o Hamutuk ao esboço da futura Autoridade Nacional de Petróleo (ANP) de Timor-Leste.
A organização não-governamental (ONG) La’o Hamutuk, que monitoriza há vários anos o sector petrolífero timorense, apresentou hoje em Díli as suas críticas ao processo público de consulta sobre o esboço de decreto-lei que cria a ANP.
O actual Governo estabeleceu 30 de Junho de 2008 como a data de extinção da Autoridade Designada do Mar de Timor (TSDA, na sigla inglesa) para a Área de Desenvolvimento Petrolífero Conjunto (JPDA), que será substituída pela nova ANP.
A La’o Hamutuk considera que o modelo da ANP esboçado no respectivo decreto-lei tem inúmeras falhas e omissões, revela falta de transparência e não acautela os interesses dos timorenses.
“A principal responsabilidade da ANP é salvaguardar o interesse público e não as preocupações económicas da indústria petrolífera”, explicou um dos responsáveis da organização, Charlie Scheiner, em conferência de imprensa.
“O mandato da ANP tem que dar atenção adequada ao ambiente, sustentabilidade, boa governação, segurança dos trabalhadores e direitos humanos e comunitários”, acrescentou Charlie Scheiner.
“Quando as multinacionais petrolíferas são livres de fazer o que querem, os resultados são quase sempre desastrosos”, declara o documento submetido pela La’o Hamutuk à secretaria de Estado dos Recursos Naturais.
“Sem uma regulação clara, aplicada de forma consistente, funcionários corruptos em governos e companhias abusam da confiança pública e do direito original do povo à riqueza mineral para seu próprio ganho”, lê-se no texto.
Charlie Scheiner, questionado pela agência Lusa sobre “os sinais de emergente corrupção e abuso” referidos no documento, explicou que o Governo não divulgou o conteúdo de três memorandos de entendimento assinados para o sector petrolífero e de gás natural.
“Só um dos memorandos, assinado com a companhia Petronas da Malásia, foi assinado publicamente. Outros dois memorandos, um com a coreana KoGas, outro com a East Petroleum, não foram sequer tornados públicos”, explicou.
“Este é o exemplo clássico de corrupção: ninguém explicou o que as companhias recebem em troca pelo que vêm fazer. Devemos lembrar que as empresas petrolíferas são viradas para o lucro, não são instituições de caridade”, acrescentou o mesmo responsável da La’o Hamutuk.
A organização timorense questiona a boa-fé do próprio processo de consulta pública, dada a data tardia do anúncio, feito a uma sexta-feira à noite, através da página da TSDA na Internet, duas semanas antes do prazo limite para a apresentação de críticas e sugestões.
“De facto, houve apenas cinco dias úteis para analisar o esboço do decreto-lei”, explicou um outro elemento da La’o Hamutuk, Viriato Seac.
“Esta consulta pública é demasiado curta, não foi divulgada como devia, tem limitações linguísticas e não foi conduzida adequadamente”, acusou.
Sobre a própria criação da ANP, a La’o Hamutuk sublinha que esta autoridade “é incapaz de regular efectivamente o sector a partir de 01 de Julho, uma vez que não tem ainda pessoal, quadros de administradores e directores, orçamento ou regulamentos”.
A La’o Hamutuk sugere, por isso, que os governos de Timor-Leste e da Austrália estendam a vida da TSDA, “como já aconteceu várias vezes, em geral muito perto da data em que terminaria o seu mandato”.
A TDSA foi prolongada mais de dois anos para além do seu mandato inicial de três anos e, para a La’o Hamutuk, “não há motivo para não estender a sua vida por mais seis meses”.
No entanto, o secretário de Estado dos Recursos Naturais, Alfredo Pires, declarou hoje à Lusa que “não haverá mais extensões” da TSDA.
“A TSDA vai transformar-se na ANP, com a passagem de todos os funcionários e de toda a ‘máquina’”, explicou Alfredo Pires, salientando que “os últimos afinamentos estão a ser discutidos com a contraparte australiana”.
A La’o Hamutuk defende que a criação da ANP seja feita através de uma lei aprovada no Parlamento e não de um decreto-lei do Conselho de Ministros, mas Alfredo Pires referiu à Lusa que se trata de “competência exclusiva do Governo”.
A organização aponta também ao esboço da ANP uma “excessiva concentração de poder no presidente”, sugerindo que seria vantajoso para o controlo e transparência diversificar competências por um conselho de administração e por instâncias de supervisão.
“Tal como está desenhada, a ANP cria um império próprio. É um convite à corrupção. Não se entrega de uma vez, por exemplo, 200 milhões de dólares a uma autoridade dizendo que agora pode fazer o que quiser com o dinheiro”, sublinhou Charlie Scheiner.
Os responsáveis da La’o Hamutuk insistem que, na prática, as companhias petrolíferas estarão a operar sem um efectivo controlo nos moldes em que é criada a ANP.
“Ninguém vai parar a exploração no Mar de Timor por não haver toda a regulação a funcionar. Podem dizer-nos que as companhias petrolíferas sabem cuidar sozinhas do assunto. Talvez sim, mas o registo histórico diz o contrário”, concluiu Charlie Scheiner. (Notícias Lusófonas)
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