9 junho 2008/Conselho Indigenista Missionário (CIMI) http://www.cimi.org.br/
Noite estrelada. Corações apreensivos. Os Kaiowá Guarani que foram chegando para o isolado e calmo espaço da Terra Indígena Jaguapiré, na região de fronteira do Brasil com o Paraguai, vinham com uma certeza: fazer avançar a luta pela terra. O tempo já se estendeu demais. Minutos, horas, dias, meses, anos, décadas, séculos... Não dá mais para esperar. Só a grande união das nações do Grande Povo Guarani poderá decidir esse direito a suas terras tradicionais, os tekoha, dentro do território histórico desse povo, que se encontra em cinco paises da América do Sul.
As dificuldades são enormes. Os inimigos muitos e fortes. As estratégias contrárias aos direitos Guarani à terra, paz e vida digna, são seculares. Dividir, promover conflitos e disputas internas, criminalizar as lutas e lideranças, discriminar e desfazer os valores e a cultura do diferente. Essa tem sido a fórmula colonial da invasão que perdura até hoje.
Por outro lado, a secular sabedoria Guarani e suas estratégias de enfrentamento de toda sorte de adversidades provocadas pela invasão e saque de seus territórios tradicionais é admirável, profunda e tem se revelado eficaz, na medida em que resultou na sobrevivência física e cultural desse povo que hoje é sem dúvida o maior símbolo de que é possível e necessário mudanças sociais, políticas, econômicas e culturais profundas nessa América Abya Yala.
Porém as nuvens não se dissipam como por encanto, com a força dos Nhanderu (líderes religiosos) e o espírito dos guerreiros. É preciso dar forma e força a essa luta. Por isso fizeram também documento para o presidente da Funai solicitando especial empenho na viabilização com urgência da regularização das terras, garantindo efetivas condições para que isso possa ocorrer.
No decorrer da Aty Guasu, além de denúncias das violências que continuam acontecendo contra várias comunidades, como no caso de Kurussu Ambá e no caso da absurda cerca elétrica colocada pela usina de álcool em construção próxima a Jatawari (Lima Campo), também foi informado da chegada de um novo Procurador da República em Dourados e providencias com relação à Administração Regional da Funai do Cone Sul.
No final foram eleitos os representes Kaiowá Guarani para a Comissão Nacional de Política Indigenista, ficando como titular Anastácio Peralta e suplente Roberto Carlos. No ritual de conclusão e despedida foram entregues os “koatiá” (documentos) à Margarida Nicoletti, administradora regional da Funai em Dourados.
A Assembléia foi considerada mais um marco importante na luta pela Terra. Ficou articulada a Aty Guasu do batismo dos Grupos de Trabalho de identificação das terras ainda para o final deste mês.
Da tranqüilidade de Jaguapiré ecoou mais uma vez o grito Guarani Kaiowá por vida, terra, paz e justiça.
Isso ficou expresso no documento final da Aty Guasu:
ATY GUASU DE JAGUAPIRÉ
Com nossa união e sabedoria vamos vencer!
Nós Kaiowá Guarani do Sul do Mato Grosso do Sul, mais uma vez estamos reunidos em Assembléia debatendo os problemas enfrentados pelo nosso povo, fizemos nossos rituais e rezas e definimos nosso compromisso e disposição de lutar com todas as forças pelos nossos direitos, especialmente a recuperação de nossas terras.
Quando já vai fazer 20 anos da aprovação da Constituição, tendo sido nela definido claramente nossos direitos e estabelecido um prazo de cinco anos para demarcar todas as terras indígenas, e vendo que a quase totalidade de nossos territórios Kaiowá Guarani ainda precisam ser regularizados e garantidos, manifestamos nossa grande preocupação pelo não cumprimento da lei que “continua sendo assassinada”, por aqueles mesmos que a fizeram. É preciso cumprir as leis do país e também as leis internacionais que o Brasil assinou, como a Convenção 169 da OIT e a Declaração dos Direitos Indígenas da ONU.
Como todos os povos indígenas do país estamos assustados e indignados com o terrorismo que estão fazendo contra nossos povos e nossos direitos. Esperamos que o Supremo Tribunal Federal não julgue favorável aos fazendeiros e invasores da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a Ação Popular movida pelo Estado de Roraima, que quer desfazer a homologação da terra em área contínua, bem como o Mandado de Segurança impetrado pelos fazendeiros contra a homologação da Terra Indígena Nhande Ru Marangatu.
Em novembro do ano passado foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta, no qual o governo, através da Funai, se comprometeu a identificar 36 terras tradicionais do nosso povo. Os Grupos de Trabalho eram para iniciar as atividades até o final de março. Por causa de problemas internos e pressões, até hoje isso ainda não aconteceu. Na Aty Guasu de Lagoa Rica, em fevereiro, nós lembramos que não poderia atrasar esse trabalho. Caso não sejam cumpridos esses compromissos assinados, fazendo aumentar a violência contra o nosso povo, vamos levar nossas denúncias aos tribunais nacionais e internacionais.
Queremos logo nossas terras, pois nós somos parte dela e nela estão nossos pais, avós e antepassados. Não devolver nossas terras é decretar nossa morte, é praticar o genocídio contra nosso povo.
Estamos juntando todas as nossas forças, construindo uma grande união, organizando com sabedoria nosso povo na certeza de que vamos vencer. Não estamos sozinhos. Contamos com amigos e aliados no Brasil e em diversas partes do mundo. Esperamos contar com a solidariedade da sociedade brasileira, com o efetivo apoio do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
A terra/território é para nós espaço de vida, de celebração, de liberdade, de paz. Exigimos ela de volta logo!
Com a lágrima do sentimento pelo sangue derramado neste chão, pelos que lutaram e deram sua vida fortalecendo nossa esperança, luta e futuro, queremos reafirmar nosso compromisso até a vitória da terra.
Terra Indígena Jaguapiré, município de Tacuru, Mato Grosso do Sul, 07 de junho de 2008.
Egon Heck
Cimi – MS
Campo Grande 9 de junho 2008
http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=3254&eid=352
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