7 agosto 2014, ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
O anúncio de Obama de que conseguiu um acordo com os parceiros
europeus sobre “medidas coordenadas de sanções sobre a Rússia” sugere sem
dúvida que a era pós-guerra fria está a findar. O presidente cuja incompetência
o tem levado de desastre em desastre meteu-se em novo e ainda maior beco.
Assustado com o crescente desafio à supremacia do dólar americano, Obama
envereda por uma guerra de guerrilha. A questão é que, sem a liberdade tão
simples de imprimir notas de dólar, a economia americana está condenada.
Se os futuros historiadores tiverem que marcar a transição do
pós-guerra fria para a nova Guerra Fria, serão levados a considerar de perto a
semana que passou. O governo de Barack Obama encontra-se num estado de espírito
triunfalista depois de ter conseguido, finalmente, juntar os mais importantes
aliados europeus dos EUA (Reino Unido, França, Alemanha e Itália) na sua
estratégia concertada para isolar a Rússia da Europa e impor sanções
provocativas contra ela.
Obama podia ter feito esta semana um discurso de agitação tipo
Cortina de Ferro, não tivesse acontecido a confusão na Líbia, no Iraque, na
Síria, no Afeganistão, etc., e o horrível massacre em Gaza que manchou a sua
própria reputação, não esquecendo além disso que um Nobel não é suposto dar
gritos de guerra.
De qualquer modo, o vídeo da teleconferência de Obama com os
parceiros europeus significando o acordo sobre “medidas coordenadas de sanções
sobre a Rússia” sugere sem dúvida que a era pós-guerra fria está a findar.
Dentro das próximas “12 a 48 horas”, Bruxelas estará a anunciar
novas sanções contra Moscovo com base no plano dos EUA que envolve um largo
pacote de medidas destinadas a pôr a economia russa de joelhos. Washington
anunciará então as suas sanções próprias contra a Rússia.
Estas chamadas sanções da Terceira Fase são supostas atingir as instituições financeiras da Rússia, o negócio das armas e a tecnologia de exploração da energia. Os bancos russos ficarão impedidos de subscrever emissões de obrigações ou fundos próprios nas bolsas europeias e haverá um bloqueio da transferência de tecnologias sensíveis possíveis de serem usadas na prospeção marítima de profundidade, na exploração ártica e na extração de óleo de xisto. Espera-se que o embargo inclua também uma proibição de futuros negócios de armas com a Rússia.
Moscovo pôde antecipar as chamadas sanções da Terceira Fase e começou a “colocar os vagões em círculo”. Na passada terça-feira, o presidente Vladimir Putin teve no Kremlin um encontro do Conselho de Segurança da Rússia, o mais alto organismo de decisão política sobre questões de política externa e segurança. Putin fez um importante discurso na reunião, cuja agenda foi inquestionavelmente a discussão das opções estratégicas da Rússia no clima da nova Guerra Fria em todas as áreas da política nacional – política interna, política externa, poder militar e até a “guerra da informação”.
Afirmou Putin: “As nossas forças armadas mantêm-se a mais
importante garantia da soberania e integridade territorial da Rússia.
Reagiremos apropriada e proporcionalmente à aproximação da infraestrutura
militar da NATO às nossas fronteiras e não deixaremos de notar a expansão dos
sistemas globais de mísseis de defesa e os aumentos das reservas de armas
estratégicas não-nucleares de precisão … podemos ver claramente o que
atualmente acontece: grupos de tropas da NATO estão claramente a ser reforçados
nos países da Europa de leste, incluindo os mares Negro e Báltico. E a escala e
intensidade dos exercícios operacionais e de combate aumentam. É imperativo
aplicar total e programadamente todas as medidas planeadas para o reforço da
nossa capacidade de defesa do país. 1992.” (Kremlin website).
Os acontecimentos desta semana desmentem plenamente qualquer esperança residual de um entendimento entre Washington e Moscovo. Do mesmo modo, o papel mediador da Europa, em particular da França e da Alemanha, está também a esgotar-se. A avaliação dos EUA é a de que se encontra numa situação ganhadora, porque, como o académico de Carnegie Dmitry Trenin observou esta semana, “Mesmo que nenhum dirigente pró-ocidental substitua Putin no Kremlin… a Rússia sucumbirá a um outro período de agitação, obrigando-se a virar sobre si própria, em vez de criar problemas a Washington.”
Trenin apresenta o cenário cruamente: “Já não se trata da luta pela
Ucrânia, mas da batalha pela Rússia. Se Vladimir Putin conseguir manter o povo
russo do seu lado, vence-a. Se não, pode seguir-se outra catástrofe
geopolítica.”
Claro que Trenin exagera. A popularidade de Putin é duas vezes a de
Obama. O povo russo admira Putin como um patriota e um líder forte, enquanto os
americanos veem cada vez mais Obama como um incompetente seja qual for o
assunto em que pegue.
Mas, o perigo real está noutra coisa, designadamente no facto de a
comunidade internacional ter de pagar um preço elevado pela incompetência de
Obama num quadro de uma nova Guerra Fria. Quando o Irão não pôde ser intimidado
com sanções, o que leva Obama e os seus colegas europeus a estarem tão confiantes
que tal possa acontecer a um país muito mais poderoso como a Rússia?
Será o poder combinado dos EUA e seus aliados europeus suficiente
para alterar a ordem mundial e isolar a Rússia, a qual por acaso até é,
contrariamente à antiga União Soviética, ávida de globalização?
Se a Europa não comprar petróleo russo e se virar para outro lado,
o que acontece ao mercado do petróleo que também fornece o resto do mundo? O
que acontece de facto à própria recuperação económica da Europa se o preço do
petróleo disparar?
Evidentemente que, quando a Rússia vê a NATO e a instalação dos ABM
(mísseis antibalísticos – N.T.) como uma ameaça existencial, como pode alguma
vez reconciliar-se com o estabelecimento de bases militares EUA-NATO no
Afeganistão? E ainda, se a Rússia é um adversário, porque teria que cooperar
mais com os EUA (e o Ocidente) sobre o Irão, a Síria e o Iraque?
Em que ponto vai tudo isto deixar os outros países importantes do
lado não-ocidental do mundo, a Índia, o Brasil ou a China? Esperará o Ocidente
que estes países cumpram o regime de sanções da Fase Três? E se não o fizerem?
Não, sr. Trenin, está enganado. Não se trata realmente do regime da
Rússia, trata-se da ordem mundial. Trata-se do sistema Bretton Woods e da
ameaça que lhe é feita da qual Putin é a ponta de lança, como foi evidente na
cimeira dos BRICS em Fortaleza.
Estamos em presença do contra-ataque de Obama numa guerra de
guerrilha, assustado com o crescente desafio à supremacia do dólar americano. A
questão é que, sem a liberdade tão simples de imprimir notas de dólar, a
economia americana está condenada.
O resto do mundo percebe perfeitamente bem sobre o que é a nova
Guerra Fria. Mesmo os europeus não são burros, também eles entendem o que se
passa, conforme a sua grande relutância em isolar a Rússia testemunhou durante
todas estas semanas e meses.
Com a maior das certezas, não há qualquer ideologia metida nisto.
Não é uma guerra sobre o socialismo ou sobre o terrorismo, nem é
intrinsecamente uma guerra sobre a Ucrânia ou a Rússia. Em termos claros, a
nova Guerra Fria é sobre a perpetuação do domínio global dos EUA.
Sem o sistema de Bretton Woods, sem a NATO, sem superioridade
nuclear sobre a Rússia, os EUA enfrentam a perspetiva de se tornarem uma
potência imensamente diminuída com o tempo. Sem a liderança transatlântica,
fica reduzida ao que era antes da I Grande Guerra, há cem anos: uma potência
regional com influência no hemisfério ocidental.
*O embaixador M K Bhadrakhumar serviu durante mais de 29 anos na carreira diplomática no Ministério
dos Estrangeiros indiano, ocupando nomeadamente os postos de embaixador da
Índia no Uzbequistão (1995-1998) e na Turquia (1998-2001).
Tradução: Jorge Vasconcelos
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