1 agosto 2014, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com (Brasil)
30 julho 2014, Indian
Punchline − Rediff Blogs
*MK Bhadrakumar,
Traduzido pelo pessoal
da Vila Vudu
A nova Guerra Fria era
a última coisa que o presidente Barack Obama tinha em mente no momento em que
caía a noite, há bem pouco tempo, dia 22/10/2012, no campus da Lynn University
na Florida. Foi a noite das facas longas, [1] do famoso debate sobre política
exterior na campanha presidencial, quando Obama arrasou seu opositor, o
Republicano Mitt Romney, ao ridicularizar uma de suas frases – Romney disse que
a Rússia seria a maior ameaça geopolítica para os EUA no século XXI!
Eis
o que disse-fez Obama,
esnobando Romney:
Governador, muito me
alegra que o senhor reconheça que a al-Qaeda é uma ameaça, porque há poucos
meses, quando lhe perguntaram qual a maior ameaça geopolítica que os EUA
enfrentam, o senhor respondeu “a Rússia” – não a al-Qaeda – o senhor disse “a
Rússia”. E não interessa a ninguém trazer de volta a política exterior dos anos
1980s, porque, o senhor sabe, a Guerra Fria já acabou há 20 anos. Mas,
governador... No que tenha a ver com política exterior, o senhor parece querer
importar as políticas externas dos anos 1980s.
Depois, no programa
para a reeleição, Obama ostentava
o “reset” entre EUA e Rússia como o mais
fulgurante feito de política externa de seu primeiro mandato no Salão Oval.
Deitou e rolou vaidosamente sobre o acordo START sobre desarmamento com a
Rússia; a ajuda valiosíssima da Rússia, que colaborava para criar a rede de
rotas transitáveis conhecida como Rede Norte de Distribuição, e em outras áreas
relacionadas à guerra no Afeganistão; e a Rússia que suspenderia vendas
militares ao Irã, e a Rússia aliada dos EUA nas sanções contra o Irã, e tal e
tal, como os ganhos mais substantivos de suas relações exteriores.
Não se sabe exatamente
quando Obama mudou de lado e tornou-se soldado e seguidor de Romney. Obama
atribui a metamorfose exclusivamente aos desenvolvimentos na Ucrânia, há mais
ou menos quatro meses, desde a reincorporação da Crimeia pela Rússia. Mas nesse
curto período, Obama passou-se para o extremo oposto, como se viu nas suas “Observações” sobre as mais recentes sanções da 3ª-feira (29/7/2014). Agora,
Obama está gozando um gozo vicário, que consiste em “implantar medidas que
tornem ainda mais fraca a já fraca economia russa”.
Obama exulta que “projeções
para o crescimento da economia russa já se aproximam do zero”. Deixa
transparecer rancor, espírito mesquinho, que sujam a própria imagem dos EUA na
comunidade mundial. Que ninguém se engane: há um mundo no mundo, além de EUA e
Europa Ocidental. E todo esse “resto do mundo” está assistindo, hoje, com um
misto de descrença e de irritação, ao desastre completo da marca “Obama”.
Essa vastíssima fatia
da comunidade internacional, a maioria silenciosa, também tem algumas
perguntinhas a fazer a Obama.
Para começar, por que
ele se arroga o direito de interpretar a lei internacional como melhor se
encaixe no que precisa ou deseja, num ou noutro ponto? Como ele explica as
agressões dos EUA contra Iraque e Líbia, que resultaram na destruição dos dois
países – ou a escandalosa ilegal interferência dos EUA na Síria? Quem é
realmente responsável por disparar os tumultos na Ucrânia no ano passado?
Desgraçadamente, Obama
não percebe que marcou gol contra e que está ferindo muito fundo a
credibilidade das políticas dos EUA; e que tudo isso está tendo efeito muito
estranho.
Considere-se, por
exemplo, a retórica
de sedução do
secretário de Estado John Kerry na 2ª-feira (28/7/2014),tentando dar o tom
perfeito à sua visita a Delhi, dois dias adiante. De nada adiantou. O discurso
soou desafinado aos ouvidos indianos.
Na verdade, o
porta-voz do Ministério de Relações Exteriores em Delhi acertou o alvo, na
4ª-feira (30/7/2014), quando confirmou que o ministro indiano deve discutir com
Kerry as espantosas revelações do ex-empregado da CIA Edward Snowden sobre as
atividades de espionagem do DSA na Índia. Disse que:
Todos sabem que há
considerável preocupação na Índia quanto a autorizações dadas a agências
norte-americanas para invadirem a privacidade de indivíduos, entidades e do
governo da Índia. Portanto, obviamente, se há considerável preocupação, essas
questões provavelmente serão discutidas, sem que eu entre agora em detalhes do
que será discutido.
Os jornais indianos em
geral pintaram a missão de Kerry como movida por instintos vulgares e estreitos
os mais crassos – interessado em vender mais armas à Índia e em tentar remover
impedimentos à exportação de reatores nucleares norte-americanos para o mercado
indiano. Kerry foi pintado como caixeiro viajante suarento em peça de Arthur
Miller.
Por que essas coisas
acontecem? A Índia sempre foi país que caía de joelhos em transe de paixão pelo
predecessor de Obama, George W. Bush. Mas de algum modo, em algum momento,
formou-se uma impressão na consciência dos indianos que agora é difícil de
apagar – que Obama não passaria de oportunista cínico e autocentrado,
singularmente devotado a qualquer causa que apareça e, assim, altamente
suscetível a virar-casaca.
E é onde a mais
recente virada nas políticas de Obama para a Rússia pode ferir os interesses
dos EUA. Para dar um exemplo: a Índia não quer nem ouvir falar de aproximar-se,
e não se aproximará, de qualquer estratégia dos EUA para reequilibrar-se na Ásia.
Obama não está
entendendo que o mundo não tem interesse algum em isolar a Rússia ou em
destruir a economia russa, num momento em que a economia mundial precisa tão
desesperadamente de centros de crescimento, sobretudo fora do mundo ocidental.
Assim sendo, se a
Europa só quer da Rússia o gás, e impôs sanções ao petróleo russo, é ótimo para
economias em rápido crescimento como Índia ou China ou Vietnam. Se a Europa não
quer mais comprar armas russas, ótimo também para Índia, Iraque, Egito,
Venezuela, Brasil, etc., que têm negócios de armas com a Rússia. E não há
dúvidas de que os BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai não
desmoronarão.
O que Obama não vê é
que os instrumentos da era da Guerra Fria estão ultrapassados e já não
funcionam. É pura arrogância de Obama iludir-se de que ele seria alguma espécie
de Flautista de Hamelin, que tocaria sua flautinha mágica e o mundo inteiro o
seguiria sem fazer perguntas.
Por que o mundo
guerrearia a guerra dos EUA, só para salvar a pseudo
virgindade do dólar norte-americano de modo a preservar a hegemonia global dos
EUA – por mais que se veja que os EUA já são país inexoravelmente em
decadência?
O Banco dos BRICS, que
está destinado a competir com o Banco Mundial e com o FMI – e que significa “o
fim da dominação ocidental sobre a ordem financeira e econômica global”, para
citar importante
especialista estrategista
indiano, que preside o Conselho Consultivo do Conselho de Segurança Nacional — já é inarredável fato
da vida. Índia, Brasil e China não se assustarão ante as restrições que o
ocidente está impondo contra bancos russos.
Nota dos tradutores
1)Referência a outra data, 30/6/1934, conhecida como “A
noite das Facas Longas”, quando foram assassinados dezenas de adversários
(antigos e atuais) dos principais nazistas, pessoas informadas que, conhecendo
Hitler, poderiam “falar demais” a seu respeito; trata-se, por isso, de um dos
mais célebres e dramáticos expurgos do Partido Nacional−Socialista.
*MK Bhadrakumar foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do Oriente Médio, Afeganistão e Paquistão e
escreve sobre temas de geopolítica, de energia e de segurança para várias
publicações, dentre as quais The Hindu,Asia Times
Online, Al Jazeera, Counterpunch, Information Clearing House e muitas outras. Anima
o blog Indian Punchline no sítio Rediff BLOGS.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala, Índia.
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