6 agosto 2014, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br (Brasil)
Carta do Santander a clientes com
renda de mais de R$ 10 mil por mês reacende a polêmica: é possível manter um
governo em que “todos ganhem”?
Bruno Pavan, de São Paulo (SP)
O banco espanhol Santander, em um
comunicado aos seus “clientes ricos”, fez campanha escancarada – e ilegal –
contra a reeleição da presidenta Dilma. A instituição financeira até pediu
desculpas e demitiu alguns “bagrinhos”, mas o estrago já estava feito.
No comunicado enviado em julho, o
banco afirma que a reeleição de Dilma detonará a economia brasileira. A mensagem
foi impressa no extrato dos clientes da categoria “Select”, com renda mensal
acima de R$ 10 mil. O texto afirma que o avanço da presidenta nas pesquisas de
intenções de voto poderá prejudicar os acionistas da Bolsa de Valores.
“A quebra de confiança e o pessimismo
crescente em relação ao Brasil (…) têm contribuído para a subida do Ibovespa.
Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento
final de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente
se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode
surgir”.
Não é a primeira vez que o mercado
faz terrorismo para influenciar no pleito do país. Em 1989, o então presidente
da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) Mario Amato, declarou
que 800 mil empresários fechariam suas fábricas no Brasil se Lula vencesse as
eleições. Outra tentativa do mercado em influenciar nas eleições foi o chamado
“Lulômetro” em 2002, quando o Goldman Sachs tinha uma equação para dizer o
quanto custaria o dólar caso Lula fosse eleito.
Reações imediatas e duras
Diante deste explícito crime
eleitoral, a reação foi imediata.
Como resposta, o Sindicato dos Bancários de
São Paulo, Osasco e Região aprovou uma moção contra o banco na última
Conferência Nacional, que teve a participação de 634 delegados, e fará uma
reclamação formal ao presidente mundial do grupo Emilio Botín.
“Um banco, que depende de uma concessão
pública para operar no Brasil, não pode fazer esse tipo de terrorismo econômico
e eleitoral, colocando em xeque a estabilidade do país”, disse a presidenta do
Sindicato Juvandia Moreira Leite.
O senador Wellington Dias (PT-PI)
acha que o Congresso Nacional precisa investigar o Santander depois que o
banco foi flagrado em campanha contra o governo Dilma. Para o senador, que fez
a vida profissional como funcionário da Caixa Econômica Federal, não custa
lembrar: “Um banco é uma concessão pública e não pode valer-se dessa situação
para atuar numa eleição,” lembra Wellington.
A gravidade da questão reside aí
A legislação eleitoral brasileira
não impede que uma instituição financeira – ou qualquer outra empresa privada
– retire uma parte de seus lucros para fazer uma contribuição a determinado
partido político. Eu acho errado e condenável pois ajuda a criar eleitores
que valem 1 voto e outros que valem 1 bilhão de reais. Mas a lei permite – e é
por isso que a regra de financiamento de campanha precisa ser modificada.Mas a
orientação a seus gerentes voltados a clientela de renda mais alta tem outra
natureza. Implica em usar o negócio – que deve obedecer a regras específicas do
Banco Central – para pedir votos. E isso não é aceitável, explica o senador.
Torcida contra o Brasil
Esta escalada desestabilizadora dos
banqueiros, que tem motivações econômicas e políticas – e de classe –, está em
pleno curso contra a reeleição da presidenta Dilma. A iniciativa terrorista do
Santander não é uma ação isolada.
Outros banqueiros, mais discretos,
não escondem o seu desejo de ajudar a oposição neoliberal no retorno ao
Palácio do Planalto. Eles têm feito de tudo para criar um clima de pânico na
economia, apostando na desestabilização do país. A própria mídia rentista registrou,
sem maior alarde, que durante a Copa do Mundo houve especulação com papéis na
Bolsa de Valores com o objetivo de prejudicar o governo brasileiro.
Os banqueiros chegaram a torcer pelo
desastre na organização do evento e, na sequência, vibraram com a goleada da
Alemanha sobre o Brasil. “É muito provável que a derrota respingue na presidente
Dilma. Da mesma forma que ela se beneficiou nas intenções de voto quando a
seleção estava indo bem, agora também deve sentir essa derrota”, argumentou
na época o Raphael Juan, gestor da BBT Asset.
Já Miguel Daoud, analista da Global
Financial Advisor, disse que “qualquer notícia ruim que possa ser ligada à
presidente está impactando positivamente os papéis das companhias”. A torcida
contra se daria como vingança “ao intervencionismo do governo na economia”,
que prejudicaria os especuladores.
Rentistas
Para o doutor em Desenvolvimento
Econômico pela Unicamp e professor da Unifesp Daniel Feldmann, há um desejo de
mudança pela necessidade de maximização dos lucros por parte dos rentistas e
de uma percepção de que as equipes econômicas de Aécio neves e Eduardo Campos
estejam mais alinhadas com seus interesses.
“Há uma crença majoritária da parte
do setor rentista que seria melhor mudar de governo, mesmo que eles tenham
prosperado de 2002 pra cá. Isso tem relação também com viés ortodoxo das
equipes econômicas de Campos e Aécio, o compromisso radical de ambas com a
manutenção de políticas monetárias de juros altos e o aprofundamento do ajuste
fiscal soam atrativos ao setor”, afirma Feldmann.
Segundo ele, “por mais que o governo
Dilma não tenha se contraposto a eles durante seu mandato, parte das forças
sociais que a apoiarão nas eleições levantam bandeiras como impostos sobre
grandes fortunas, uma política tributária mais progressiva e uma discussão
séria sobre a dívida pública brasileira. E isso, por motivos óbvios, mantém
ainda barreiras entre tais setores e a candidatura”.
Bancos ganham sempre
Após 11 meses de altas consecutivas,
o ciclo de alta da Taxa Básica de Juros (Selic), parece ter chegado ao fim na
última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Com a intenção de
conter o índice de inflação pelo governo, o aumento da taxa é muito
interessante para os bancos no Brasil.
Principais credores dos títulos
públicos brasileiros, bancos e fundos ganham automaticamente mais quando o
governo aumenta a taxa, já que terão uma porcentagem de lucros garantida, sem
precisar correr maiores riscos, ao mesmo tempo em que aumenta os juros praticados
na economia em geral.
“Como a rentabilidade dos títulos públicos
há de subir com aumento de juros básicos, uma Selic mais alta aumenta a
transferência de recursos líquidos do governo para os bancos. Assim, em termos
deste tipo de ativo praticamente sem risco e com liquidez imediata, os bancos
agradecem a cada aumento na taxa”, explica Daniel Feldmann.
Para ele, um aumento da Selic aumenta
também o conjunto de taxas de juros praticados na economia. “Assim os rentistas,
que extraem renda a partir de empréstimos e aplicações, irão abocanhar uma
fatia maior da renda nacional, piorando por tabela a sua distribuição”, analisa.
O contrário, porém, não é necessariamente
verdadeiro. Tanto é que a equipe econômica de Dilma, para retomar um crescimento
mais robusto do Produto Interno Bruto (PIB), adotou durante 19 meses
consecutivos uma política de queda na taxa de juros básica. Entre o dia 1º de
setembro de 2011 e 7 de Março de 2013, baixou a taxa básica de juros de 12%
ao ano para 7,25%, a menor da história.
Nesse período, os quatro maiores bancos
do país somaram juntos, lucro de R$ 43,3 bilhões em 2012, ano em que cresceram
menos. Feldman explica que os bancos conseguiram, mesmo em um cenário em que a
taxa Selic caiu, se manter altamente lucrativos pois aumentaram o Spred
bancário, a diferença da taxa que o banco paga aos clientes da que ele
empresta.
“Em tese, não necessariamente uma
taxa de juro básica mais baixa há de rebaixar o lucro dos bancos. Existem muitos
estudos que mostram que na maioria dos casos que a Selic cai, o spread não se
mantém no mesmo patamar, mas cresce”, afirmou. (Com informações de
Altamiro Borges)
Bancos privados não cumprem seu
papel no país
Altos juros, pouco prazo, lucros recordes
e desemprego. Isso pode resumir a atuação dos bancos no território brasileiro.
Ano passado, os seis maiores do país
lucraram R$ 56,7 bilhões, 11,2% a mais que em 2012. Somente em 2014, Banco do
Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC, no entanto, eliminaram 4.680
empregos. Desde 2012, os cinco já eliminaram 18.465 postos de trabalho.
“O papel de um banco, teoricamente,
seria incentivar o crescimento do país principalmente por meio de crédito com
taxas de juros que sejam viáveis e prazos maiores. Eles não cumprem esse papel.
Por exemplo, do crédito aos pequenos agricultores e do financiamento de
imóveis, deixando isso principalmente nas mãos dos brancos públicos”, criticou
a presidenta do Sindicato dos bancários de São Paulo, Osasco e região, Juvania
Moreira Leite.
O professor Daniel Feldmann analisa
que as taxas altas praticadas pelos bancos no Brasil são motivadas pela concentração
de crédito na mão de poucas instituições, que podem trabalhar com taxas muito
parecidas sem que exista uma concorrência de fato.
“Uma combinação de crescimento do
crédito, somado a um spread bancário dos maiores do mundo tem
garantido resultados excelentes para os bancos. Deve-se ter em mente também a
grande concentração do crédito nas mãos de apenas cinco bancos comerciais, o
que ajuda a explicar o alto spread. As estatísticas mostram que,
ao contrário que boa parte setor produtivo que patina com o fraco crescimento,
os bancos tem se dado bem”, analisa.
Mobilizações sociais serão a
resposta contra o rentismo
Para jogar água na fervura do
mercado, carente de respostas em 2002 quando a vitória de Luis Inácio Lula da
Silva já parecia eminente, o Partido dos Trabalhadores (PT) lançou a “Carta
aos brasileiros”, em que prometia manter os pilares da política econômica do
governo Fernando Henrique Cardoso para que a “esperança vencesse o medo”.
Os 12 anos do PT no poder ficou marcado
como um governo de “bem-estar social”, mas que não ataca a diferenças entre as
classes, mas fez com que “todos ganhassem mais”. Para Feldmann, principalmente
após a crise de 2008, esse tipo de política terá que ser reformada em um
possível segundo mandato de Dilma.
Para ele, a crise que se iniciou em
2008 e que não pode deixar de se fazer presente aqui, escancara contradições e
torna difícil – para não dizer impossível – que se repita a sensação de
progresso de todas as classes sociais que existiu em outros anos.
“É urgente pensar num modelo de desenvolvimento
que o país precisa em termos de distribuição de renda e da utilização
racional e justa dos enormes recursos e produtivos do país para o bem-estar
da sociedade”, explica.
O professor entende que é importante
que os países vizinhos prestem solidariedade a medidas como o do governo de
Cristina Kirchner, que recusou acordo com fundos especulativos que compraram
títulos da dívida Argentina após a moratória de 2001, mas que a mudança
necessária virá dos questionamentos dos movimentos sociais.
“As forças sociais devem questionar,
entre outras coisas, o fato do país ter gastado nos últimos anos entre 5 e 6%
do PIB com juros da dívida pública. No caso da disputa entre Kirchner e os
fundos abutres é importante sim a solidariedade dos demais países à Argentina”,
afirma.
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