terça-feira, 12 de agosto de 2014

Brasil/O QUE QUEREM OS RENTISTAS?

6 agosto 2014, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br (Brasil)

Carta do Santander a clientes com renda de mais de R$ 10 mil por mês reacende a polêmica: é possível manter um governo em que “todos ganhem”?

Bruno Pavan, de São Paulo (SP)

O banco espanhol Santander, em um comunicado aos seus “clientes ricos”, fez campanha escancarada – e ilegal – contra a reeleição da presidenta Dilma. A instituição financeira até pediu descul­pas e demitiu alguns “bagrinhos”, mas o estrago já estava feito.

No comunicado enviado em julho, o banco afirma que a reeleição de Dilma detonará a economia brasileira. A men­sagem foi impressa no extrato dos clien­tes da categoria “Select”, com renda men­sal acima de R$ 10 mil. O texto afirma que o avanço da presidenta nas pesqui­sas de intenções de voto poderá prejudi­car os acionistas da Bolsa de Valores.

“A quebra de confiança e o pessimis­mo crescente em relação ao Brasil (…) têm contribuído para a subida do Iboves­pa. Difícil saber até quando vai durar es­se cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesqui­sas, um cenário de reversão pode surgir”.

Não é a primeira vez que o mercado faz terrorismo para influenciar no pleito do país. Em 1989, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) Mario Amato, decla­rou que 800 mil empresários fechariam suas fábricas no Brasil se Lula vences­se as eleições. Outra tentativa do mer­cado em influenciar nas eleições foi o chamado “Lulômetro” em 2002, quan­do o Goldman Sachs tinha uma equação para dizer o quanto custaria o dólar ca­so Lula fosse eleito.

Reações imediatas e duras
Diante deste explícito crime eleitoral, a reação foi imediata.
Como resposta, o Sindicato dos Bancários de São Pau­lo, Osasco e Região aprovou uma mo­ção contra o banco na última Conferên­cia Nacional, que teve a participação de 634 delegados, e fará uma reclamação formal ao presidente mundial do grupo Emilio Botín.

“Um banco, que depende de uma con­cessão pública para operar no Brasil, não pode fazer esse tipo de terrorismo eco­nômico e eleitoral, colocando em xeque a estabilidade do país”, disse a presiden­ta do Sindicato Juvandia Moreira Leite.

O senador Wellington Dias (PT-PI) acha que o Congresso Nacional preci­sa investigar o Santander depois que o banco foi flagrado em campanha con­tra o governo Dilma. Para o senador, que fez a vida profissional como funcio­nário da Caixa Econômica Federal, não custa lembrar: “Um banco é uma con­cessão pública e não pode valer-se dessa situação para atuar numa eleição,” lem­bra Wellington.

A gravidade da questão reside aí
A legislação eleitoral brasileira não impede que uma instituição financei­ra – ou qualquer outra empresa priva­da – retire uma parte de seus lucros pa­ra fazer uma contribuição a determi­nado partido político. Eu acho erra­do e condenável pois ajuda a criar elei­tores que valem 1 voto e outros que va­lem 1 bilhão de reais. Mas a lei permite – e é por isso que a regra de financiamen­to de campanha precisa ser modificada.Mas a orientação a seus gerentes volta­dos a clientela de renda mais alta tem ou­tra natureza. Implica em usar o negócio – que deve obedecer a regras específicas do Banco Central – para pedir votos. E isso não é aceitável, explica o senador.

Torcida contra o Brasil
Esta escalada desestabilizadora dos banqueiros, que tem motivações econô­micas e políticas – e de classe –, está em pleno curso contra a reeleição da presi­denta Dilma. A iniciativa terrorista do Santander não é uma ação isolada.

Outros banqueiros, mais discretos, não escondem o seu desejo de ajudar a opo­sição neoliberal no retorno ao Palácio do Planalto. Eles têm feito de tudo para criar um clima de pânico na economia, apostando na desestabilização do país. A própria mídia rentista registrou, sem maior alarde, que durante a Copa do Mundo houve especulação com papéis na Bolsa de Valores com o objetivo de prejudicar o governo brasileiro.
Os banqueiros chegaram a torcer pe­lo desastre na organização do evento e, na sequência, vibraram com a goleada da Alemanha sobre o Brasil. “É muito pro­vável que a derrota respingue na presi­dente Dilma. Da mesma forma que ela se beneficiou nas intenções de voto quan­do a seleção estava indo bem, agora tam­bém deve sentir essa derrota”, argumen­tou na época o Raphael Juan, gestor da BBT Asset.

Já Miguel Daoud, analista da Global Financial Advisor, disse que “qualquer notícia ruim que possa ser ligada à presi­dente está impactando positivamente os papéis das companhias”. A torcida con­tra se daria como vingança “ao interven­cionismo do governo na economia”, que prejudicaria os especuladores.
Rentistas
Para o doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp e professor da Unifesp Daniel Feldmann, há um dese­jo de mudança pela necessidade de ma­ximização dos lucros por parte dos ren­tistas e de uma percepção de que as equi­pes econômicas de Aécio neves e Eduar­do Campos estejam mais alinhadas com seus interesses.

“Há uma crença majoritária da parte do setor rentista que seria melhor mu­dar de governo, mesmo que eles tenham prosperado de 2002 pra cá. Isso tem re­lação também com viés ortodoxo das equipes econômicas de Campos e Aécio, o compromisso radical de ambas com a manutenção de políticas monetárias de juros altos e o aprofundamento do ajus­te fiscal soam atrativos ao setor”, afirma Feldmann.

Segundo ele, “por mais que o gover­no Dilma não tenha se contraposto a eles durante seu mandato, parte das for­ças sociais que a apoiarão nas eleições levantam bandeiras como impostos so­bre grandes fortunas, uma política tri­butária mais progressiva e uma discus­são séria sobre a dívida pública brasi­leira. E isso, por motivos óbvios, man­tém ainda barreiras entre tais setores e a candidatura”.

Bancos ganham sempre
Após 11 meses de altas consecutivas, o ciclo de alta da Taxa Básica de Juros (Se­lic), parece ter chegado ao fim na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). Com a intenção de conter o ín­dice de inflação pelo governo, o aumento da taxa é muito interessante para os ban­cos no Brasil.

Principais credores dos títulos públi­cos brasileiros, bancos e fundos ganham automaticamente mais quando o gover­no aumenta a taxa, já que terão uma por­centagem de lucros garantida, sem preci­sar correr maiores riscos, ao mesmo tem­po em que aumenta os juros praticados na economia em geral.

“Como a rentabilidade dos títulos pú­blicos há de subir com aumento de juros básicos, uma Selic mais alta aumenta a transferência de recursos líquidos do go­verno para os bancos. Assim, em termos deste tipo de ativo praticamente sem ris­co e com liquidez imediata, os bancos agradecem a cada aumento na taxa”, ex­plica Daniel Feldmann.

Para ele, um aumento da Selic aumen­ta também o conjunto de taxas de juros praticados na economia. “Assim os ren­tistas, que extraem renda a partir de em­préstimos e aplicações, irão abocanhar uma fatia maior da renda nacional, pio­rando por tabela a sua distribuição”, ana­lisa.

O contrário, porém, não é necessaria­mente verdadeiro. Tanto é que a equi­pe econômica de Dilma, para retomar um crescimento mais robusto do Produ­to Interno Bruto (PIB), adotou durante 19 meses consecutivos uma política de queda na taxa de juros básica. Entre o dia 1º de setembro de 2011 e 7 de Mar­ço de 2013, baixou a taxa básica de ju­ros de 12% ao ano para 7,25%, a menor da história.
Nesse período, os quatro maiores ban­cos do país somaram juntos, lucro de R$ 43,3 bilhões em 2012, ano em que cres­ceram menos. Feldman explica que os bancos conseguiram, mesmo em um ce­nário em que a taxa Selic caiu, se man­ter altamente lucrativos pois aumenta­ram o Spred bancário, a diferença da ta­xa que o banco paga aos clientes da que ele empresta.

“Em tese, não necessariamente uma taxa de juro básica mais baixa há de re­baixar o lucro dos bancos. Existem mui­tos estudos que mostram que na maio­ria dos casos que a Selic cai, o spread não se mantém no mesmo patamar, mas cresce”, afirmou. (Com informações de Altamiro Borges)

Bancos privados não cumprem seu papel no país
Altos juros, pouco prazo, lucros re­cordes e desemprego. Isso pode resu­mir a atuação dos bancos no território brasileiro.

Ano passado, os seis maiores do país lucraram R$ 56,7 bilhões, 11,2% a mais que em 2012. Somente em 2014, Ban­co do Brasil, Bradesco, Itaú, Santander e HSBC, no entanto, eliminaram 4.680 empregos. Desde 2012, os cinco já elimi­naram 18.465 postos de trabalho.

“O papel de um banco, teoricamente, seria incentivar o crescimento do país principalmente por meio de crédito com taxas de juros que sejam viáveis e pra­zos maiores. Eles não cumprem esse pa­pel. Por exemplo, do crédito aos peque­nos agricultores e do financiamento de imóveis, deixando isso principalmente nas mãos dos brancos públicos”, criti­cou a presidenta do Sindicato dos ban­cários de São Paulo, Osasco e região, Ju­vania Moreira Leite.

O professor Daniel Feldmann analisa que as taxas altas praticadas pelos ban­cos no Brasil são motivadas pela concen­tração de crédito na mão de poucas insti­tuições, que podem trabalhar com taxas muito parecidas sem que exista uma con­corrência de fato.

“Uma combinação de crescimento do crédito, somado a um spread bancá­rio dos maiores do mundo tem garanti­do resultados excelentes para os bancos. Deve-se ter em mente também a gran­de concentração do crédito nas mãos de apenas cinco bancos comerciais, o que ajuda a explicar o alto spread. As estatís­ticas mostram que, ao contrário que boa parte setor produtivo que patina com o fraco crescimento, os bancos tem se da­do bem”, analisa.

Mobilizações sociais serão a resposta contra o rentismo
Para jogar água na fervura do mercado, carente de respostas em 2002 quando a vitória de Luis Inácio Lula da Silva já pa­recia eminente, o Partido dos Trabalha­dores (PT) lançou a “Carta aos brasilei­ros”, em que prometia manter os pilares da política econômica do governo Fer­nando Henrique Cardoso para que a “es­perança vencesse o medo”.

Os 12 anos do PT no poder ficou mar­cado como um governo de “bem-estar social”, mas que não ataca a diferenças entre as classes, mas fez com que “to­dos ganhassem mais”. Para Feldmann, principalmente após a crise de 2008, esse tipo de política terá que ser refor­mada em um possível segundo manda­to de Dilma.

Para ele, a crise que se iniciou em 2008 e que não pode deixar de se fazer presente aqui, es­cancara contradições e torna difícil – pa­ra não dizer impossível – que se repita a sensação de progresso de todas as classes sociais que existiu em outros anos.

“É urgente pensar num modelo de de­senvolvimento que o país precisa em ter­mos de distribuição de renda e da utiliza­ção racional e justa dos enormes recur­sos e produtivos do país para o bem-es­tar da sociedade”, explica.

O professor entende que é importan­te que os países vizinhos prestem soli­dariedade a medidas como o do governo de Cristina Kirchner, que recusou acor­do com fundos especulativos que com­praram títulos da dívida Argentina após a moratória de 2001, mas que a mudan­ça necessária virá dos questionamentos dos movimentos sociais.

“As forças sociais devem questio­nar, entre outras coisas, o fato do país ter gastado nos últimos anos entre 5 e 6% do PIB com juros da dívida pública. No caso da disputa entre Kirchner e os fundos abutres é importante sim a soli­dariedade dos demais países à Argenti­na”, afirma.

Entretanto, segundo ele, é bom que não se veja nem em Cristina e nem em Dilma a sinalização de tal mudança mencionada. A palavra deve estar com os movimentos sociais.

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