3 agosto 2014, ODiario.info http://www.odiario.info (Portugal)
Daniel Aarão Reis*
Dizem os jornais do sistema que 90% dos israelitas apoiam a acção
genocida do seu governo. Até pode ser que assim seja, num Estado em cuja
população é sistematicamente incutida a ideologia racista do “povo eleito” e do
seu direito divino ao “Grande Israel”. E se assim é, mais um motivo para saudar
fraternalmente os 10% que não apoiam tal acção criminosa. Neles reside uma
pequena parte da esperança de que um dia seja encontrada uma solução justa para
a causa do martirizado povo palestino. Essa causa é hoje uma prioridade para
toda a humanidade progressista e amante da paz.
“Há um fosso ético entre o nome do nosso exército, Forças de Defesa
de Israel, e o que fazem os soldados. Eu e meus amigos fomos mobilizados para
empreender ações “preventivas” na Cisjordânia, mas o que fazíamos nada tinha de
preventivo.”
Segundo Yehuda Shaul, ex-oficial do exército israelense e autor
destas palavras, o chefe do estado-maior, Moshe Yaalon, exortava os soldados a
“queimar a consciência palestina”.
De acordo com testemunhas, os soldados patrulham as ruas e penetram
ao acaso nas casas, a qualquer hora do dia ou da noite. Revistam tudo e todos,
encostam as pessoas na parede e tiram fotos. Ninguém fica de fora: homens e
mulheres, velhos e crianças.
Detalhe: as operações não são motivadas por nenhuma
solicitação dos serviços de informação. De acordo com o sargento Nadav
Bigelman, é frequente que as fotos nem sequer sejam enviadas à análise. O que
se deseja é inibir o protesto, amedrontar e humilhar.
Shaul e Bigelman fazem parte de uma ONG, a Breaking the
silence/Quebrando o silêncio, que já reuniu cerca de 950 depoimentos de
militares e de ex-militares israelenses. Para recordar os dez anos de sua
existência, houve manifestação recente na praça Habima, em Tel Aviv. Durante
dez horas, políticos, jornalistas e ex-militares leram relatos atestando
violências cometidas nos territórios palestinos ocupados. A ocupação, raiz da
revolta palestina, e inteiramente ilegal, como sublinha Shaul, “não é mais uma
segunda natureza para nós, ela incorporou-se à nossa própria natureza”.
Em nenhum dos depoimentos há qualquer aprovação aos atos de
terrorismo ou aos foguetes lançados contra Israel por organizações islâmicas.
Considerados “horríveis” porque suscitam medo, ferem e matam, tais atos,
entretanto, não justificam fazer “de todos os habitantes de Gaza alvos de uma
destruição em massa”.
É disso mesmo que se trata, pois o ataque desferido pelo exército
de Israel a partir do 16 de julho último está destruindo em massa a população
de Gaza – um terrorismo de Estado. Fontes publicadas pelo New York Times, nove
dias depois do início da ofensiva, em 23 de julho, registravam 3.209 alvos
atingidos, provocando um pouco mais de 800 mortos, milhares de feridos e
dezenas de milhares de refugiados entre os palestinos.
A situação torna-se desesperadora.
Em Gaza, segundo dados do Le Monde, vivem 1,8 milhão de pessoas,
com média de 18,2 anos, um alto índice de desemprego, maior entre os mais
jovens (50%). Comprime-se num território de 45 km de comprimento por 10 km de
largura, uma das mais altas densidades populacionais do mundo: 4.505 pessoas
por quilômetro quadrado.
Em 1948, quando da fundação do Estado de Israel e da partilha da
Palestina, o território ficou sob jurisdição egípcia, verificando-se um grande
afluxo de refugiados. Depois da guerra de 1967, passou à ocupação israelense. A
partir de 1994, os acordos de Oslo atribuíram seu controle à Autoridade
Nacional Palestina. Entretanto, a região continuou triplamente aferrolhada: por
terra, os postos fronteiriços com Israel e Egito filtram a conta-gotas os que
desejam entrar ou sair. Por ar, o espaço é vigiado pelo Estado israelense. E por
mar, Israel estabeleceu um limite de apenas 6 milhas náuticas (5,5 kilômetros)
para o tráfego de embarcações.
Gaza virou um imenso gueto. E os palestinos converteram-se em novos
judeus, cuja consciência precisa ser “queimada”.
“Novos judeus”: foi assim que, há pouco mais de trinta anos, Helena
Salem intitulou um livro sobre a tragédia dos palestinos depois da II Guerra
Mundial. Judia, teve que se haver com a crítica – às vezes, insultuosa - de
judeus no Brasil e no mundo. Corajosa, recusou-se à autocensura. É trágico que
sejam os próprios judeus, trucidados em guetos durante a II Guerra Mundial, os
responsáveis por fazer reviver, agora, a maldita experiência.
Os palestinos não querem piedade.
Por destemidos, dela não carecem. Às vezes, como disse o Doutor Gilbert,
médico norueguês, no hospital de Al-Shifa, em Gaza, “a gente só tem vontade de
chorar e apertar num abraço as crianças cobertas de sangue”. Mas as lágrimas de
dor, de raiva ou de medo não são bem vindas. Nem honrariam a capacidade de
resistência e a resolução que, nas piores condições, demonstram os palestinos.
Eles precisam é de solidariedade ativa. Das gentes, nas ruas do
mundo, manifestando apoio, obrigando os respectivos governos a agirem, através
de pressões políticas e diplomáticas.
O mundo não pode assistir de braços cruzados e em silêncio ao
massacre de um povo, agredido por
uma força maior e mais poderosa. É preciso impedir que os judeus fabriquem
novos judeus. Como disse Eric Goldstein, do Observatório dos Direitos Humanos,
“Israel precisa fazer mais do que tentar explicar ataques ilegais. Precisa
parar com eles”. Para o bem dos palestinos, da humanidade e dos próprios
judeus.
*Professor de História Contemporânea da UFF
Email: daniel.aaraoreis@gmail.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário