22 agosto 2014, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Tatiana Merlino, Adital
Nem quatro prisões foram suficientes para impedir que o filósofo
israelense Sergio Yahni continuasse a criticar, duramente, a política de Israel
em relação à Palestina. Judeu, nascido na Argentina, sua família emigrou para
Israel quando ele tinha 12 anos. Como reservista do Exército, por quatro vezes
se negou a se apresentar quando convocado, o que lhe rendeu quatro detenções, a
última em 2002. Hoje, segue vivendo em Jerusalém, onde dirige o Centro
Alternativo de Informação (AIC), organização palestino-israelense de direitos
humanos.
Em entrevista à Ponte, Yahni afirma que o objetivo de Israel é
destruir a capacidade do povo palestino de se expressar através de instituições
políticas. "Continuam tentando tratar a resistência palestina como se
fossem terroristas, não os reconhecendo e não negociando verdadeiramente.”
Desde o início da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, em 08 de julho
[e até o fechamento desta entrevista] o número de mortos chegava a 1.945
palestinos e 67 israelenses."A destruição é total, está por toda a parte.
Estamos falando da destruição da única usina elétrica que existia. Estamos
falando de toda a estrutura de esgoto. Estamos falando de mais de 100 mil
pessoas sem água potável numa região onde já não há água. É um desastre total”,
aponta Yahni.
Apesar dos mortos e da destruição, grande parte da população
acredita que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netahyahu não é
suficientemente duro com a resistência palestina, explica o filósofo.
"Então, nascem dois tipos de repressão. Uma delas é a estatal, que, por
exemplo, proibiu uma manifestação contra a ofensiva militar ocorrida no sábado,
11 de agosto. Por outro lado, há o que se pode chamar de uma repressão popular,
da gente, dos grupos neofascistas.”
Yahni elogia a iniciativa do Brasil de
chamar o embaixador brasileiro em Tel Aviv para consultas, mas faz uma
ressalva: "Por outro lado, a força aérea israelense, as indústrias
militares israelenses, estão competindo para oferecerem serviços ao governo
brasileiro. É muito possível que o governo brasileiro contrate indústrias
aeroespaciais de Israel para proverem produtos para o Brasil, especialmente
drones.”
O filósofo também rebateu o argumento de que Israel esteja agindo
em legítima defesa. "Ninguém gosta e apoia que caiam mísseis em Tel Aviv,
mas esses mísseis são uma consequência da ocupação militar de Israel em Gaza e
na Cisjordânia. Não existe nenhum tipo de legítima defesa para o Estado de
Israel enquanto seja um poder ocupante.”
Ponte - Qual é o
balanço que se faz da destruição resultante desse período de operação?
Sergio Yahni - A
destruição é total, está em tudo. Tudo foi destruído. Estamos falando de quase
2 mil mortos numa população de 1,8 milhão de pessoas. Estamos falando da
destruição da única usina elétrica que existia. Estamos falando de toda a
estrutura de esgoto. Estamos falando de mais de 100 mil pessoas sem água
potável, numa região onde já não há água. É um desastre total. Mas, por mais
desastroso que seja, a resistência não se rende.
Ponte – Você escreveu
que, política e economicamente, essa ofensiva israelense é semelhante à
primeira guerra do Líbano (Guerra do Líbano, de 1982): tem o objetivo de acabar
com a resistência palestina e impor um acordo político que responda,
unicamente, às demandas israelenses. Poderia explicar isso melhor?
Sergio Yahni -
Israel tem um objetivo bastante permanente, que é o desaparecimento do povo
palestino como entidade política. Isso se chama etnocídio e não genocídio, que
não é destruir a gente e sim destruir a capacidade do povo palestino de se
expressar politicamente através de instituições políticas: a resistência da
Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1982, e a resistência
política palestina de hoje, que tem uma condição diferente. Então, se utiliza a
força militar para destruir essas entidades políticas e, após a destruição das
entidades políticas, os indivíduos que sobrevivem receberão ou não receberão
certos direitos, que não serão mais direitos e sim privilégios, porque
desaparecerão como pessoas com razão política de ser. Esse é o objetivo de
Israel e para isso usam a força. Além disso, Israel continua tentando tratar a
resistência palestina como se fossem terroristas, não os reconhecendo e não
negociando verdadeiramente. E isso pode levar à guerra novamente.
Ponte - Internamente,
como está a repressão àqueles que se opõem à ofensiva militar de Israel?
Sergio Yahni - Há
dois tipos de repressão que são importantes nesse momento. Há uma identificação
muito profunda da sociedade judia israelense com o Estado de Israel. Entre 95%
a 97% dos judeus israelenses apoiam essa ofensiva militar. Grande parte da
população de Israel pensa que (Benjamin) Netanyahu não é suficientemente duro
com a resistência palestina. Então, nascem dois tipos de repressão. Uma delas é
a estatal que, por exemplo, proibiu uma manifestação contra a ofensiva militar
ocorrida no sábado, 11 de agosto. Por outro lado, há o que se pode chamar de
uma repressão popular, da gente, dos grupos neofascistas. Há, por exemplo, um
novo grupo recém-nascido que se chama ‘Os Leões da Sombra’, um grupo de
neofascistas que tenta atacar manifestações, bate nas pessoas. É um grupo que
surgiu agora, a partir dessa última ofensiva. Há uma combinação de grupos
neofascistas e do Estado em um ataque a qualquer voz dissidente. Há outros
grupos mais antigos, que são fascistas, neonazis. A repressão do Estado está
direcionada à população palestina de Israel, ou seja, aos cidadãos palestinos
de Israel. Já em relação aos judeus, há menos repressão, mas há. Há gente que
perdeu trabalho, que apanhou, que foi perseguida por esses leões.
Ponte - Pode explicar
como funciona a campanha BDS (Desinvestimento e Sanções) [iniciativa que
defende o boicote econômico e político de Israel para o fim da ocupação dos
territórios palestinos] e como ela pode ajudar a impedir política e
economicamente as intervenções israelenses?
Sergio Yahni -
Nesse momento, o que é importante é que por mais que tenham ocorrido crimes
indescritíveis, a comunidade internacional segue apoiando de uma ou outra
maneira as políticas de Israel. Os únicos países que tomaram alguma medida são
os latino-americanos, como o Brasil [o governo brasileiro convocou o embaixador
brasileiro em Tel Aviv, Henrique Pinto, para dar explicações em Brasília], mas
também são medidas meio patéticas diante do que está ocorrendo. E diante dessa
incapacidade da comunidade internacional, está o BDS. Os movimentos populares
estão fazendo algo que os países têm de fazer, que é isolar o opressor. Através
do BDS vamos levar adiante o isolamento do opressor, e é nossa forma de
compartilhar, ajudar o povo palestino. É muito importante quando falamos do
tema do Brasil, porque, por um lado, o Brasil chamou o embaixador de Tel Aviv,
o que é bom. Mas, por outro lado, a força aérea israelense, as indústrias
militares israelenses, estão competindo para oferecerem serviços ao governo
brasileiro. É muito possível que o governo brasileiro contrate indústrias
aeroespaciais de Israel para proverem produtos para o Brasil, especialmente
drones. Então, o BDS também é importante para pedir aos governos certa
retidão.Se o Brasil tirou seu embaixador de Tel Aviv, que não compre drones de
lá. Além do país ser um importador do passado, é também do futuro, com
aeroespaciais israelenses sendo vendidos para Brasília.
Ponte - Israel alega que atua em legítima defesa. Qual sua opinião
a respeito?
Sergio Yahni –
Basicamente, a comunidade internacional reconheceu o direito dos povos sob
opressão, ocupados, colonizados, a se levantarem contra a opressão. E isso
nasceu, por exemplo, nos protocolos das Convenções de Genebra. O povo palestino
tem o direito legítimo de levantar-se contra a opressão. Ninguém gosta e apoia
que caiam mísseis em Tel Aviv, mas esses mísseis são uma consequência da
ocupação militar de Israel em Gaza e Cisjordânia. A consequência de Israel não
ter cumprido com suas obrigações com a comunidade internacional de terminar a
ocupação. É uma consequência do direito legítimo do palestino de levantar-se
contra a opressão. Israel não age em legítima defesa. Israel está violando o
direito internacional e o povo palestino está lutando pelos seus direitos, tais
como foram marcados pelo direito internacional. A comunidade internacional tem
a obrigação – não se trata de uma escolha – política e judicial de dar
assistência ao povo palestino e garantir seus direitos. Não existe nenhum tipo
de legítima defesa para o Estado de Israel, enquanto seja um poder ocupante.
Se, por acaso, os jihads do Curdistão atacarem Israel, Israel pode alegar
legítima defesa. Mas os palestinos, como povo ocupado, têm direito de se
levantar contra a ocupação.
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