quinta-feira, 28 de agosto de 2014

ISRAEL QUER A DESTRUIÇÃO POLÍTICA DOS PALESTINOS, DIZ INTELECTUAL JUDEU

22 agosto 2014, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)

Tatiana Merlino, Adital

Nem quatro prisões foram suficientes para impedir que o filósofo israelense Sergio Yahni continuasse a criticar, duramente, a política de Israel em relação à Palestina. Judeu, nascido na Argentina, sua família emigrou para Israel quando ele tinha 12 anos. Como reservista do Exército, por quatro vezes se negou a se apresentar quando convocado, o que lhe rendeu quatro detenções, a última em 2002. Hoje, segue vivendo em Jerusalém, onde dirige o Centro Alternativo de Informação (AIC), organização palestino-israelense de direitos humanos.

Em entrevista à Ponte, Yahni afirma que o objetivo de Israel é destruir a capacidade do povo palestino de se expressar através de instituições políticas. "Continuam tentando tratar a resistência palestina como se fossem terroristas, não os reconhecendo e não negociando verdadeiramente.”

Desde o início da ofensiva militar israelense na Faixa de Gaza, em 08 de julho [e até o fechamento desta entrevista] o número de mortos chegava a 1.945 palestinos e 67 israelenses."A destruição é total, está por toda a parte. Estamos falando da destruição da única usina elétrica que existia. Estamos falando de toda a estrutura de esgoto. Estamos falando de mais de 100 mil pessoas sem água potável numa região onde já não há água. É um desastre total”, aponta Yahni.

Apesar dos mortos e da destruição, grande parte da população acredita que o primeiro-ministro israelense Benjamin Netahyahu não é suficientemente duro com a resistência palestina, explica o filósofo. "Então, nascem dois tipos de repressão. Uma delas é a estatal, que, por exemplo, proibiu uma manifestação contra a ofensiva militar ocorrida no sábado, 11 de agosto. Por outro lado, há o que se pode chamar de uma repressão popular, da gente, dos grupos neofascistas.”
Yahni elogia a iniciativa do Brasil de chamar o embaixador brasileiro em Tel Aviv para consultas, mas faz uma ressalva: "Por outro lado, a força aérea israelense, as indústrias militares israelenses, estão competindo para oferecerem serviços ao governo brasileiro. É muito possível que o governo brasileiro contrate indústrias aeroespaciais de Israel para proverem produtos para o Brasil, especialmente drones.”

O filósofo também rebateu o argumento de que Israel esteja agindo em legítima defesa. "Ninguém gosta e apoia que caiam mísseis em Tel Aviv, mas esses mísseis são uma consequência da ocupação militar de Israel em Gaza e na Cisjordânia. Não existe nenhum tipo de legítima defesa para o Estado de Israel enquanto seja um poder ocupante.”

Ponte - Qual é o balanço que se faz da destruição resultante desse período de operação?

Sergio Yahni - A destruição é total, está em tudo. Tudo foi destruído. Estamos falando de quase 2 mil mortos numa população de 1,8 milhão de pessoas. Estamos falando da destruição da única usina elétrica que existia. Estamos falando de toda a estrutura de esgoto. Estamos falando de mais de 100 mil pessoas sem água potável, numa região onde já não há água. É um desastre total. Mas, por mais desastroso que seja, a resistência não se rende.

Ponte – Você escreveu que, política e economicamente, essa ofensiva israelense é semelhante à primeira guerra do Líbano (Guerra do Líbano, de 1982): tem o objetivo de acabar com a resistência palestina e impor um acordo político que responda, unicamente, às demandas israelenses. Poderia explicar isso melhor?

Sergio Yahni - Israel tem um objetivo bastante permanente, que é o desaparecimento do povo palestino como entidade política. Isso se chama etnocídio e não genocídio, que não é destruir a gente e sim destruir a capacidade do povo palestino de se expressar politicamente através de instituições políticas: a resistência da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), em 1982, e a resistência política palestina de hoje, que tem uma condição diferente. Então, se utiliza a força militar para destruir essas entidades políticas e, após a destruição das entidades políticas, os indivíduos que sobrevivem receberão ou não receberão certos direitos, que não serão mais direitos e sim privilégios, porque desaparecerão como pessoas com razão política de ser. Esse é o objetivo de Israel e para isso usam a força. Além disso, Israel continua tentando tratar a resistência palestina como se fossem terroristas, não os reconhecendo e não negociando verdadeiramente. E isso pode levar à guerra novamente.

Ponte - Internamente, como está a repressão àqueles que se opõem à ofensiva militar de Israel?

Sergio Yahni - Há dois tipos de repressão que são importantes nesse momento. Há uma identificação muito profunda da sociedade judia israelense com o Estado de Israel. Entre 95% a 97% dos judeus israelenses apoiam essa ofensiva militar. Grande parte da população de Israel pensa que (Benjamin) Netanyahu não é suficientemente duro com a resistência palestina. Então, nascem dois tipos de repressão. Uma delas é a estatal que, por exemplo, proibiu uma manifestação contra a ofensiva militar ocorrida no sábado, 11 de agosto. Por outro lado, há o que se pode chamar de uma repressão popular, da gente, dos grupos neofascistas. Há, por exemplo, um novo grupo recém-nascido que se chama ‘Os Leões da Sombra’, um grupo de neofascistas que tenta atacar manifestações, bate nas pessoas. É um grupo que surgiu agora, a partir dessa última ofensiva. Há uma combinação de grupos neofascistas e do Estado em um ataque a qualquer voz dissidente. Há outros grupos mais antigos, que são fascistas, neonazis. A repressão do Estado está direcionada à população palestina de Israel, ou seja, aos cidadãos palestinos de Israel. Já em relação aos judeus, há menos repressão, mas há. Há gente que perdeu trabalho, que apanhou, que foi perseguida por esses leões.

Ponte - Pode explicar como funciona a campanha BDS (Desinvestimento e Sanções) [iniciativa que defende o boicote econômico e político de Israel para o fim da ocupação dos territórios palestinos] e como ela pode ajudar a impedir política e economicamente as intervenções israelenses?

Sergio Yahni - Nesse momento, o que é importante é que por mais que tenham ocorrido crimes indescritíveis, a comunidade internacional segue apoiando de uma ou outra maneira as políticas de Israel. Os únicos países que tomaram alguma medida são os latino-americanos, como o Brasil [o governo brasileiro convocou o embaixador brasileiro em Tel Aviv, Henrique Pinto, para dar explicações em Brasília], mas também são medidas meio patéticas diante do que está ocorrendo. E diante dessa incapacidade da comunidade internacional, está o BDS. Os movimentos populares estão fazendo algo que os países têm de fazer, que é isolar o opressor. Através do BDS vamos levar adiante o isolamento do opressor, e é nossa forma de compartilhar, ajudar o povo palestino. É muito importante quando falamos do tema do Brasil, porque, por um lado, o Brasil chamou o embaixador de Tel Aviv, o que é bom. Mas, por outro lado, a força aérea israelense, as indústrias militares israelenses, estão competindo para oferecerem serviços ao governo brasileiro. É muito possível que o governo brasileiro contrate indústrias aeroespaciais de Israel para proverem produtos para o Brasil, especialmente drones. Então, o BDS também é importante para pedir aos governos certa retidão.Se o Brasil tirou seu embaixador de Tel Aviv, que não compre drones de lá. Além do país ser um importador do passado, é também do futuro, com aeroespaciais israelenses sendo vendidos para Brasília.

Ponte - Israel alega que atua em legítima defesa. Qual sua opinião a respeito?
Sergio Yahni – Basicamente, a comunidade internacional reconheceu o direito dos povos sob opressão, ocupados, colonizados, a se levantarem contra a opressão. E isso nasceu, por exemplo, nos protocolos das Convenções de Genebra. O povo palestino tem o direito legítimo de levantar-se contra a opressão. Ninguém gosta e apoia que caiam mísseis em Tel Aviv, mas esses mísseis são uma consequência da ocupação militar de Israel em Gaza e Cisjordânia. A consequência de Israel não ter cumprido com suas obrigações com a comunidade internacional de terminar a ocupação. É uma consequência do direito legítimo do palestino de levantar-se contra a opressão. Israel não age em legítima defesa. Israel está violando o direito internacional e o povo palestino está lutando pelos seus direitos, tais como foram marcados pelo direito internacional. A comunidade internacional tem a obrigação – não se trata de uma escolha – política e judicial de dar assistência ao povo palestino e garantir seus direitos. Não existe nenhum tipo de legítima defesa para o Estado de Israel, enquanto seja um poder ocupante. Se, por acaso, os jihads do Curdistão atacarem Israel, Israel pode alegar legítima defesa. Mas os palestinos, como povo ocupado, têm direito de se levantar contra a ocupação.


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