20 agosto 2014, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Ruslan Kostiuk*,
historiador
Os últimos acontecimentos na Ucrânia refletiram uma diversificação
na política externa russa. O destaque está em suas relações com a América
Latina.
Durante a década de 2000, o Kremlin passou a expandir sua política
externa na América Latina. Com a crescente presença dos EUA e da Otan no Leste
Europeu, não é de se estranhar que a Rússia busque expandir sua presença em
áreas sob tradicional influência de Washington.
Na virada do século, a região experimentou uma guinada para a
esquerda que tirou muitos países latino-americanos da esfera de influência dos
EUA e incentivou a elaboração de políticas econômicas e de assuntos externos
próprios e independentes.
Foram sobretudo os países do eixo bolivariano que
optaram por uma
parceria estratégica com a Rússia. Muitos dos governos de esquerda mais
moderados dessa corrente, particularmente Brasil e Argentina, também dão apoio
à ampliação da cooperação com a Rússia.
Mesmo os países cujas economias são mais ligadas à dos EUA, como
México e Chile, estão mostrando uma boa dose de independência ao promover seus
interesses políticos. Teóricos sugerem que essas tendências na América Latina
têm forçado Moscou a olhar com novos olhos as perspectivas de cooperação na
região, praticamente descartada pelo Kremlin na década de 1990.
Laços econômicos
Entre 2004 e 2012, o comércio entre a Rússia e a América Latina
triplicou, saltando de US$ 5,8 bilhões para US$ 16,4 bilhões. Hoje, os
principais parceiros comerciais da Rússia na região são Brasil, México,
Argentina e Equador.
Os gastos russos na América Latina alcançaram os US$ 25 bilhões
(contra os US$ 17 bilhões do início do ano 2000), do qual mais de um terço foi
destinado ao Brasil.
Essas trocas comerciais correspondem a uma grande variedade de
setores: alta tecnologia, metalurgia não ferrosa, biotecnologia, processamento
de produtos agrícolas etc. Mas a maior parte do capital russo continua fluindo
para o setor de energia, e grandes empresas estatais como a Gazprom, a Lukoil e
a Rusal continuam ganhando impulso no continente latino-americano.
Esse volume deve continuar a crescer. Além disso, grande parte dos
países sul-americanos esperam fechar novos contratos com a Rússia no setor de
energia.
Setor militar e político
Moscou e América Latina também expandiram suas relações nos âmbitos
militar e político. Ao longo dos últimos 12 anos, as exportações de armas
russas para a América Latina chegaram aos US$ 14 bilhões, sendo a Venezuela
responsável por 80% desse montante.
Além disso, em abril de 2014, o Exército russo e alguns governos
latino-americanos de esquerda realizaram treinamentos conjuntos na costa do
continente destinados a combater o tráfico internacional de drogas.
Em março deste ano, o ministro da Defesa russo, Serguêi Choigu,
declarou ainda que o Kremlin estava negociando a expansão de suas bases
militares em países como Venezuela, Cuba e Nicarágua.
Mas, além das parcerias militares, o país prevê um avanço político
com Brasil, Argentina e outros governos mais moderados, já que todas as partes
estão interessadas em ampliar suas relações internacionais.
Assim, esperam-se acordos bilaterais com esses países para definir
posições comuns sobre questões políticas estratégicas de alcance global.
Posições perdidas?
É improvável que a guinada a Oeste dada pela Rússia sob o comando
do presidente Vladímir Pútin tenha passado despercebida por Washington.
Referindo-se ao aumento do interesse de Moscou pela América Latina,
o ex-representante dos EUA na OEA (Organização dos Estados Americanos), Roger
Noriega, disse que “os russos estão entrando em países que foram abandonados
pelos EUA”.
Desde 2009, a administração democrata de Barack Obama tenta fazer
todo o possível para reconquistar as posições perdidas na região e impedir que certos
países da área ingressem na órbita russa ou chinesa. Do ponto de vista de
Washington, a instalação de bases militares russas na América Latina é uma
possibilidade inaceitável.
A ameaça chinesa
O principal rival dos EUA, em termos econômicos, é claramente a
China. Nos últimos 15 anos, o país se tornou o maior parceiro comercial da
América Latina. No primeiro semestre de 2014, o volume do comércio chinês com
Brasil, Chile e Peru já ultrapassou os índices em relação aos EUA.
Enquanto cobre, ferro e soja compõem mais de 50% das exportações
latino-americanas para a China hoje, Pequim exporta produtos eletrônicos e
automotivos para a América Latina. A atividade chinesa na região é tão
ameaçadora para os EUA, quanto para a Rússia. E, ao mesmo tempo em que aposta
na esfera econômica, a China estreita os laços na arena política.
Embora seja improvável que a América Latina se converta em campo de
batalha de uma nova Guerra Fria, é evidente que, sob a influência da crise na
Ucrânia, a Rússia deve considerar aprofundar relações na região, como já tem
feito com suas respostas às sanções ocidentais.
Mesmo países que mantêm profundos laços políticos e econômicos com
os EUA, como México, Peru e República Dominicana, não estão dispostos a
sacrificar uma cooperação mutuamente benéfica com a Rússia.
Resta aguardar para ver se os crescentes vínculos levarão a
relações econômicas mais amplas e profundas que representem uma ameaça real
para Washington.
*Ruslan Kostiuk é
doutor em Ciências Históricas e professor da Universidade Estatal de São
Petersburgo.
http://br.rbth.com/opiniao/2014/08/20/a_america_latina_como_alvo_de_disputa_26989.htm
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