Roger Godwin
O discurso
proferido por Robert Mugabe a semana passada em Victoria Falls, o primeiro como
presidente da SADC, deixa perceber a clara intenção do Zimbabwe moldar a imagem
desta importante organização regional do continente africano, uma forte
possibilidade que começa já a preocupar alguns parceiros institucionais, como a
União Europeia.
No seu estilo
frontal, perante uma plateia de chefes de Estado africanos, chefes de Governo e
a maioria do corpo diplomático acreditado no Zimbabwe, Robert Mugabe apontou o
dedo aos parceiros económicos da SADC dizendo que estes apenas apoiam a
organização com a clara intenção de a dominar
ao sabor dos seus próprios
interesses.Sabendo-se ser a União Europeia um dos principais financiadores dos projectos da SADC, custeando inclusive as suas missões de observação eleitoral dentro do continente africano, esta sinceridade de Robert Mugabe deixa antever que as próximas etapas do relacionamento entre estas duas organizações deverão ser turbulentas.
Agastado com as sanções económicas que a União Europeia ainda mantém em vigor em relação ao Zimbabwe, Robert Mugabe tenta assim envolver nesta disputa alguns países membros da SADC que cultivam com aquela organização relações de grande dependência financeira, o que pode também causar sérios dissabores e provocar vivas discussões com a actual presidência zimbabweana.
Orador brilhante, catapultador de entusiasmos por parte de quem o escuta, Robert Mugabe guardou para as discussões a porta fechada com os seus pares alguns argumentos que deixam supor que a SADC não voltará mais a ser o que era, mesmo no relacionamento entre os países membros.
Usando as vestes de presidente da organização Mugabe não hesitou, perante alguma surpresa por parte de outros chefes de Estado e de Governo presentes nas conversações que decorreram a porta fechada, em confrontar o seu homólogo da África do Sul, acusando-o, muito directamente, de estar a destruir as economias dos países africanos mais frágeis utilizando o protocolo de livre comércio.
Através deste protocolo, segundo Mugabe e com a razão que advém da sua longa experiência política, a África do Sul está a invadir alguns países da SADC que já a ele aderiram, com produtos de qualidade duvidosa, a preços imbatíveis e que impedem que as empresas locais possam competir de forma a salvaguardar os seus interesses.
Disse quem assistiu a essa reunião que Jacob Zuna ficou incrédulo com a questão levantada e que foi unanimemente apoiada pelos países que mais sentem na pele essa estratégia sul-africana de exportar para os seus parceiros os produtos que o seu mercado interno rejeita.
Mesmo o Botswana, que mantém com o Zimbabwe um relacionamento fortemente crítico, foi dos primeiros países a apoiar a intervenção de Robert Mugabe, o que levou Jacob Zuma a prometer a tomada de medidas para rectificar aquilo que tem sido a política de exportações do seu país em relação aos parceiros da SADC.
As críticas directas dirigidas à União Europeia e à África do Sul, Robert Mugabe juntou nesta sua primeira intervenção na qualidade de presidente da SADC um apelo ao nacionalismo dos actuais líderes africanos no sentido de que saibam ser dignos sucessores daqueles que lutaram pela independência dos seus respectivos países.
De acordo com Mugabe, se voltar a ser acesa a chama revolucionária que acabou por vencer os colonos, África e, neste caso especial a SADC, poderá entre os seus membros encontrar as melhores soluções para resolver os seus problemas políticos, económicos e sociais sem a necessidade de recorrer a ajudas que em nada servem os seus interesses.
Entre os participantes nesta 34ª Cimeira da SADC ficou patente a expectativa por aquilo que se irá passar na próxima reunião do Conselho de Ministros da organização, que deverá decorrer em Outubro no Zimbabwe, muito provavelmente em Victoria Falls.
E um dos pontos que certamente estará em destaque prende-se com a denúncia já feita publicamente pelo Zimbabwe, de que existem da parte da União Europeia promessas e acordos para o financiamento de determinados projectos no seio da SADC e que estarão a ser retidos e usados como arma de chantagem política.
Para quem conhece Mugabe existem poucas dúvidas de que este assunto será devidamente pormenorizado, devendo alguns países membros explicar as razões porque não fazem accionar os mecanismos de salvaguarda constantes nesses acordos de forma a clarificar, de vez, os interesses subjacentes a esses impasses.
Esta expectativa é, também, perfeitamente justificada até pelos posteriores pronunciamentos públicos de Robert Mugabe, nomeadamente na cerimónia de abertura oficial da 104ª Feira de Agricultura do Zimbabwe.
Nessa ocasião, mais uma vez, Robert Mugabe voltou a apelar a uma maior africanismo por parte dos líderes continentais e sublinhou a importância de nesse certame estarem presentes quase todos os países da SADC.
Mesmo nos convites para esse evento foi notória a ausência de embaixadores europeus e americano, enquanto todos os países africanos e asiáticos se fizeram representar pelos respectivos chefes de missão.
Mas se Robert Mugabe e o Zimbabwe já nesta altura fazem questão de sublinhar a sua estratégia em relação a SADC, a partir de Janeiro de 2015 com a subida à presidência da União Africana todas as críticas ao ocidente poderão ficar marcadas de forma ainda mais contundente.
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