7 agosto2014, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com.br
4 agosto 2014,
*Flynt Leverett e Hillary Mann Leverett, World
Financial Review
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Por 70 anos, um dos pilares mais
criticamente determinantes do poder norte-americano tem sido a posição do dólar
como mais importante moeda do mundo. Nos últimos 40 anos, um dos pilares do
primado do dólar tem sido o papel dominante das notas verdes nos mercados
internacionais de energia. Hoje, a China está alavancando seu crescimento como
potência econômica, e como o mais importante mercado em desenvolvimento para
exportadores de hidrocarboneto no Golfo Persa e na ex-URSS, para circunscrever
a dominação do dólar na energia global – com ramificações potencialmente
profundas para a posição estratégica dos EUA.
Desde a IIª Guerra Mundial, a
supremacia geopolítica dos EUA repousa não só na força militar, mas também na
posição do dólar como principal moeda de negócios e de reserva do mundo.
Economicamente, a primazia do dólar extrai “senhoriagem” – a diferença entre o
custo de imprimir dinheiro e seu valor – de outros países e minimiza a taxa de
risco cambial das empresas norte-americanas. Mas sua real importância é
estratégica: a primazia do dólar permite que os EUA cubram seus déficits
crônicos em conta corrente e fiscal, emitindo mais de sua própria moeda
–
precisamente como Washington financiou a projeção de poder militar por mais de
meio século.
Desde os anos 1970s, um pilar da
primazia do dólar tem sido o papel das notas verdes como moeda dominante na
qual se fazem os preços de petróleo e gás, e na qual as vendas de
hidrocarbonetos são faturadas e pagas. Isso ajuda a manter alta a demanda
mundial do dólar. Isso também alimenta a acumulação de excedentes em dólares
pelos produtores de energia, o que reforça a posição do dólar como primeiro
ativo de reserva do mundo, e que pode assim ser “reciclado” na economia dos EUA
para cobrir os déficits norte-americanos.
Muitos assumem que a proeminência do
dólar nos mercados de energia deriva de seu estado mais amplo como principal
moeda de transações e de reserva do mundo. Mas o papel do dólar nesses mercados
não é natural, nem é função de sua dominância mais ampla. Na verdade, foi
concebido e construído por políticos norte-americanos depois do colapso da
ordem monetária de Bretton Woods no início dos anos 1970s, o que pôs fim à
versão inicial da primazia do dólar (“hegemonia 1.0 do dólar”). Ligar o dólar
ao mercado internacional de petróleo foi chave para criar uma nova versão da
primazia do dólar (“hegemonia 2.0 do dólar”) – e, por extensão, para financiar
mais 40 anos da hegemonia dos EUA.
Ouro e
hegemonia 1.0 do dólar
A primazia do dólar foi
“sacramentada” pela primeira vez na conferência de Bretton Woods de 1944, onde
os aliados não comunistas dos EUA aceitaram a proposição de Washington para uma
ordem monetária internacional pós-guerra. A delegação britânica – chefiada
por Lord Keynes – e virtualmente todos os demais países
participantes, exceto os EUA, prefeririam criam uma nova moeda multilateral
através do nascente Fundo Monetário Internacional (FMI) como principal fonte de
liquidez global. Mas isso poria abaixo as ambições norte-americanas, que
queriam uma ordem monetária centrada no dólar. Apesar de praticamente todos os
participantes preferirem a opção multilateral, o poder relativo vastamente
superior dos EUA garantiu que, no final, sua preferência predominasse. Assim,
sob o padrão ouro de troca de Bretton Woods, o dólar foi ligado ao ouro e as
demais moedas foram ligadas ao dólar, gerando a forma principal de liquidez
internacional.
Havia, contudo, uma contradição
fatal na visão baseada-em-dólar, de Washington. O único modo pelo qual os EUA
podiam distribuir dólares suficientes para atender à liquidez em todo o mundo
era manter déficits em conta corrente sempre abertos. Com a Europa Ocidental e
o Japão recuperados e reconquistando competitividade, aqueles déficits
cresceram. Lançado na própria sempre crescente demanda por dólares nos EUA –
para financiar o consumo crescente, a expansão do estado de bem-estar e a
projeção global do próprio poder – e a oferta de dinheiro dos EUA rapidamente
ultrapassou as reservas em ouro dos EUA. A partir dos anos 1950s, Washington
trabalhava para persuadir ou coagir possuidores estrangeiros de dólares a não
trocar as notas por ouro. Mas a insolvência só poderia ser mantida semiocultado
por pouco tempo: em agosto de 1971, o presidente Nixon suspendeu a
convertibilidade dólar-ouro, pondo fim ao fim ao padrão ouro de troca; em 1973,
as taxas fixas também se foram.
Esses eventos levantaram questões de
base sobre a firmeza, no longo prazo, de uma ordem monetária baseada no dólar.
Para preservar seu papel como provedor chefe de liquidez internacional, os EUA
teriam de continuar a manter déficits em conta corrente. Mas esses déficits
cresciam como balões, porque o movimento de Washington de abandonar Bretton
Woods entrecruzara-se com dois outros importantíssimos desenvolvimentos: os EUA
tornaram-se importadores líquidos de petróleo no início dos anos 1970s; e o
acesso ao controle do mercado de energia por membros chaves da Organização de
Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em 1973-1974 causou aumento de 500% nos
preços do petróleo, o que aumentou muito o estresse sobre a balança de
pagamentos dos EUA. Com o elo entre o dólar e o ouro já rompido e as taxas de
câmbio já não fixas, a prospectiva de déficits cada vez maiores nos EUA agravou
as preocupações sobre o valor de longo termo do dólar.
Essas preocupações tiveram especial
ressonância para os principais produtores de petróleo. O petróleo que ia para
mercados internacionais recebia preço em dólar, pelo menos desde os anos 1920s
– mas, por décadas, a libra esterlina foi usada pelo menos tão frequentemente quanto
o dólar, para pagamentos de compras internacionais de petróleo, mesmo depois de
o dólar ter substituído a libra como principal moeda de comércio e de reservas do mundo. Desde que a libra andasse presa ao
dólar, e o dólar fosse “bom como ouro”, era processo economicamente viável. Mas
depois que Washington abandonou a convertibilidade dólar-ouro e o mundo
mudou-se de taxas fixas de câmbio, para taxas flutuantes, o regime de moeda
para o comércio do petróleo estava muito vulnerável. Com o fim da
convertibilidade dólar-ouro, os maiores aliados dos EUA no Golfo Persa – o Xá
do Irã, o Kuwait e a Arábia Saudita – passaram a apoiar uma mudança no sistema
de preços da OPEP de preços denominados em dólares, para passar a denominá-los
numa cesta de moedas.
Nesse ambiente, vários dos aliados
europeus dos EUA reviveram a ideia (introduzida por Keynes em Bretton Woods) de
prover liquidez internacional na forma de uma moeda que o FMI lançaria e que
seria governada multilateralmente – os chamados “Special Drawing Rights” [NT] (SDRs).
Depois que os preços do petróleo, sempre
em ascensão, estrangularam suas contas correntes, Arábia Saudita e outros
aliados árabes dos EUA no Golfo forçaram a OPEP para que começasse a faturar
em SDRs. Também endossaram propostas europeias para reciclar os
excedentes em petrodólares através do IMF, para encorajar que crescesse e
emergisse como o principal provedor de liquidez internacional pós-Bretton
Woods. Significaria que Washington não poderia continuar a imprimir quantos
dólares bem entendesse para apoiar consumo crescente, gastos públicos sempre
crescentes e projeção global constante de poder. Para impedir que isso
acontecesse, políticos norte-americanos tiveram de encontrar meios novos
para incentivar estrangeiros a continuar mantendo excedentes cada vez maiores
do que, então, já eram dólares impressos em ar.
Ouro e hegemonia 2.0 do dólar
Para tanto, os governos dos EUA a
partir de meados da década dos 1970s, conceberam duas estratégias. Uma foi
maximizar a demanda por dólares como moeda transacional. A outra foi inverter
as restrições de Bretton Woods aos fluxos de capitais transnacionais; com a
liberalização financeira, os EUA puderam alavancar o escopo e a profundidade de
seus mercados de capital, e ele pôde cobrir seus déficits crônicos de conta
corrente e fiscal, atraindo capitais estrangeiros a custo relativamente baixo.
Criar laços fortes entre as vendas de hidrocarbonetos e o dólar provou-se
crítico nos dois fronts.
Para criar tais laços, Washington
efetivamente extorquiu seus aliados árabes do Golfo, condicionando silenciosamente
as garantias dos EUA à segurança deles à disposição deles para ajudar a
financiar os EUA. Traindo promessas feitas aos seus parceiros europeus e
japoneses, o governo Ford empurrou clandestinamente a Arábia Saudita e outros
produtores árabes do Golfo a reciclar partes substanciais de seus excedentes
dos petrodólares dentro da economia dos EUA através de intermediários
privados (a maioria dos quais
norte-americanos), não através do FMI. O governo Ford
também reforçou o apoio do Golfo às finanças apertadas de Washington, em vários
acordos secretos com Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, pelos quais os
bancos centrais desses países compravam grandes volumes de papéis do Tesouro dos EUA fora
dos processos de leilões normais.
Esses procedimentos ajudaram
Washington a impedir que o FMI suplantasse os EUA como principal provedor de liquidez
internacional; também deram impulso inicial e crucialmente importante para
inflar as ambições de Washington de conseguir financiar os déficits dos EUA
reciclando os excedentes de estrangeiros em dólares, via o
mercado privado de capital e em vendas de papéis do governo dos EUA.
Poucos anos depois, o governo Carter
concluiu mais um acordo secreto com os sauditas, pelo qual, desta vez, Riad
comprometia-se a exercer sua influência para garantir que a OPEP continuaria a precificar o
petróleo, em dólares. O compromisso da OPEP com o dólar
como moeda de faturamento das vendas internacionais de petróleo foi chave para
que o dólar se implantasse ainda mais firmemente como moeda reinante na compra
e venda no mercado internacional de petróleo. Quando o sistema de preços
administrados pela OPEP entrou em colapso em meados dos anos 1980s, o governo
Reagan encorajou a universalização do faturamento em dólares para vendas de
petróleo transfronteiras em novos negócios de petróleo em Londres e New
York. A universalização quase absoluta na precificação do petróleo – e,
depois, também do gás – sempre em dólares, reforçou a possibilidade de as
vendas de hidrocarbonetos seriam não só denominadas em dólares, mas também
pagas em dólares – gerando crescente apoio mundial à demanda por dólares.
Em resumo, essas barganhas foram
instrumentais para criar a “hegemonia 2.0 do dólar”. E foram mantidas, apesar
de surtos periódicos de insatisfação do Golfo Árabe contra a política dos EUA
para o Oriente Médio; apesar, mais fundamentalmente, do distanciamento entre os
EUA e outros grandes produtores do Golfo (o Iraque de Saddam Hussein e a
República Islâmica do Irã); e de um rompante de interesse pelo “petroeuro”, no
início dos anos 2000s. Os sauditas, especialmente, defenderam vigorosamente que
o petróleo continuasse a ser precificado exclusivamente em dólares.
Enquanto Arábia Saudita e outros
grandes produtores de energia aceitam agora em outras grandes moedas o
pagamento pelo petróleo que exportam, a maior fatia das vendas mundiais de
petróleo continua a ser paga em dólares o que perpetua o status do dólar como
principal moeda mundial de negócios. Arábia Saudita e outros produtores árabes
do Golfo suplementaram o apoio que dão ao nexo petróleo-dólar, fazendo grandes
compras de armamento avançado dos EUA; muitos também ancoraram suas respectivas
moedas ao dólar – compromisso que altos funcionários sauditas descrevem como
“estratégico”. Em momento em que o volume de dólares nas reservas globais já
caiu, os árabes do Golfo a reciclar seus petrodólares ajudam a manter o mesmo
dólar ainda como principal moeda de reserva.
O desafio chinês
Seja como for, história e cautela
lógica ensinam que o que hoje é prática geral não é lei gravada em pedra. Com a
ascensão do PETROYUAN, já se constata que, sim, há movimento na direção de um
regime de moeda menos dólar-cêntrico nos mercados internacionais de energia –
com implicações potencialmente muito sérias para a posição mais ampla do dólar.
A China já emergiu como ator
principal no cenário da energia global, e já embarcou numa extensiva campanha para internacionalizar sua moeda.Fatia
crescente do comércio exterior da China já está sendo denominado e pago
em renminbi; e cresce o lançamento de instrumentos financeiros
denominados em renminbi. A China está conduzindo um processo
distendido de liberalização da “conta-capital” essencial para a plena
internacionalização do renminbi , e está permitindo mais
flexibilidade na taxa de câmbio para o yuan. O Banco do Povo da
China [orig. People’s Bank of China (PBOC)] já tem acordos de swap com
mais de 30 outros bancos centrais – o que significa que o renminbi já
funciona efetivamente como uma moeda de reserva.
Os políticos chineses apreciam as
“vantagens da liderança” [orig. “advantages of incumbency” (NTs)]
de que o dólar goza; o objetivo deles não é que renminbistomem o
lugar dos dólares, mas posicionar o Yuan ao lado das verdes
como moeda de negócios e de reserva. Além dos benefícios econômicos (por
exemplo, reduzir os custos cambiais das empresas chinesas), Pequim quer – por
razões estratégicas – reduzir ainda mais o crescimento de suas gigantescas
reservas em dólar. A China está vendo a tendência crescente de os EUA excluírem
países do sistema financeiro dos EUA, como ferramenta de política exterior, e
não quer ver Washington tentar ganhar alavancagem por essa via; a
internacionalização dorenminbi pode mitigar essa vulnerabilidade.
Mais amplamente, Pequim compreende a importância, para o poder dos EUA, de o
dólar ser dominante; contendo a dominância do dólar, a China pode conter o
excessivo unilateralismo dos EUA.
Há muito tempo a China já incorporou
instrumentos financeiros aos seus esforços para ganhar acesso a petróleo
estrangeiro. Agora, Pequim quer que os principais produtores de energia
aceitem renminbi como moeda de negócios – inclusive no
pagamento das compras chinesas de petróleo – e que incorporem o renminbi nas
reservas de seus respectivos bancos centrais. Há boas razões para que os
produtores sejam receptivos à ideia.
A China é e assim continuará, em
todo um vasto futuro que se pode antever, o principal mercado em expansão para
produtores de hidrocarbonetos no Golfo Pérsico e na ex-URSS. Expectativas
muito difundidas de que o Yuan se valorizará no longo prazo
tornam a ideia de acumular reservas em renminbi ideia “óbvia”,
em termos de diversificação do portfólio. E com os EUA já vistos cada vez mais
frequentemente como potência em declínio relativo, a China é vista como
principal potência em ascensão. Até para os estados árabes do Golfo, que há
tanto tempo só confiam em Washington para lhes garantir a própria segurança, os
fatos já sugerem que seja imperativo, no campo estratégico, criar laços mais
próximos com Pequim. Para a Rússia, a deterioração das relações com os EUA
obrigam a gerar cooperação mais profunda com a China, contra EUA que ambas as
capitais, Moscou e Pequim, veem potência em declínio lento, mas sempre
hiperativa e dada a reações desproporcionais.
Por muitos anos, a
China pagou suas importações de petróleo iraniano com renminbi; em 2012, o Banco do Povo da China e
o Banco Central dos Emirados Árabes Unidos fizeram acordo de swap de moeda no valor de US$ 5,5 bilhões, -- preparando o
cenário para que as importações chinesas de petróleo possam ser pagas a Abu
Dahbi em renminbi – importante expansão do uso do petroyuan no
Golfo Pérsico. O negócio de gás entre China e Rússia, de US$ 400 bilhões, concluído esse ano, incluiu cláusulas
bem claras de que os russos aceitarão que os chineses paguem em renminbi pelo
gás que comprarem; se o acordo for integralmente implementado, significará que
o renminbi passa a ter papel muito considerável nas transações
internacionais de gás.
Olhando à frente, o uso do renminbi para
pagar por compras internacionais de petróleo e gás com certeza aumentará, o que
fará declinar mais rapidamente a influência dos EUA em regiões chaves da
produção de energia. Marginalmente, o mesmo processo irá tornando mais difícil
para Washington financiar o que China e outras potências emergentes veem como
políticas abertamente intervencionistas – perspectiva que a classe política nos
EUA ainda sequer começou a ponderar com seriedade.
*Flynt Leverett e Hillary Mann Leverett são
autores de Going to Tehran: America Must
Accept the Islamic Republic of Iran (New York: Metropolitan,
2013), que acaba de sair em brochura, com novo pósfácio. Ambos tiveram carreiras importantes
no governo dos EUA, antes de abandonarem os cargos que tinham no Conselho de
Segurança Nacional, em março de 2003, por não concordarem com a política para o
Oriente Médio e a “guerra ao terror”. Hoje, lecionam relações internacionais,
ele na Penn State University, ela na American University.
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