3 agosto 2013, Carta Maior http://www.cartamaior.com.br (Brasil)
Por Bepe Damasco, em seu blog
Afinal, para que
serve um governo de esquerda? Na minha opinião, para além dos compromissos
históricos com o combate à pobreza, a justiça e a inclusão social, a
distribuição de renda, a redução das desigualdades, as garantias democráticas,
a defesa dos direitos humanos e das minorias, a soberania, etc, governar à
esquerda significa também disputar o simbólico, o imaginário, o coração e as
mentes das pessoas, em linha com a hegemonia moral gramsciana.
Isso requer, no
entanto, coragem para contrariar opiniões eventualmente majoritárias da
sociedade, para mais tarde colher os frutos. Orientado por essas convicções, o
presidente do Uruguai, José Mujica, o Pepe, está fazendo história. Mesmo com
pesquisas de opinião mostrando que mais de 60% dos uruguaios torcem o nariz
para o seu projeto de legalizar o consumo da maconha, ele foi em frente e
aprovou a medida na Câmara dos Deputados. Falta agora o Senado, onde também a
Frente Ampla do presidente tem maioria. Logo, portanto, Mujica sancionará a
lei.
O ex-tupamaro,
que padeceu anos a fio no cárcere da ditadura uruguaia e viveu um ano escondido
dentro de um buraco, fará do pequeno país do Prata o primeiro no mundo a
controlar a produção e o consumo da cannabis sativa, o que tem o efeito de uma
bomba sobre as quadrilhas de narcotraficantes. "Em nenhuma parte do mundo
a repressão deu resultado. O narcotráfico tem margens de lucro tão grandes que
corrompe tudo", põe o dedo na ferida Mujica.
Imagina o
impacto da nova lei uruguaia sobre a política mundial de repressão às drogas
comandada pelos EUA, que já drenou bilhões de dólares, custou um sem número de
vidas e só acumula derrotas ?
Mas, na visão de estadista do agricultor Mujica,
isso é apenas o início de um processo que ele chama de "experimento de
vanguarda".
-- Isso tem o
caráter de uma batalha em todos os terrenos. Porque temos o mundo para
presenciar isso -- prevê o presidente uruguaio. Aos conservadores, cuja receita
para enfrentar um problema complexo e de caráter planetário como as drogas é
sempre mais repressão e porrada, Mujica lembra que é a saúde das pessoas que
está em jogo : "É uma batalha pela saúde pública, porque se o consumidor
for identificado podemos interferir quando ele passar dos limites."
Essa reflexão
faria muito bem aos porta-vozes do atraso e do preconceito que vivem a
vociferar contra as drogas, com um discurso marcado pela ignorância sobre o
assunto: "Fulano de tal cheira maconha." "Beltrano fuma
cocaína". Como levar a sério a opinião de alguém que não sabe sequer que
maconha é fumada e cocaína é cheirada?
Uma salva de
palmas para o presidente Mujica. Não só pela aprovação da lei, mas por toda uma
vida dedicada à emancipação do seu povo, à integração latino-americana e à
causa da democracia e do socialismo. Termino com uma frase antológica sua
quando questionado sobre seu estilo de vida extremamente simples e despojado, a
ponto de ser tratado por uma publicação europeia como o presidente mais pobre
do mundo: "Pobre é quem precisa de muito para viver."
Nenhum comentário:
Postar um comentário