Questão: Pode o Presidente da República da RDTL nomear e empossar o Primeiro-Ministro indigitado pela aliança de partidos com maioria parlamentar criada na sequência de eleições legislativas que deram a maioria a outro partido diferente?
A questão que se analisa não tem uma resposta simples nem imediata.
FACTOS
Das eleições legislativas verificadas no passado dia 30 de Junho, para o preenchimento de 65 lugares no Parlamento Nacional de Timor-Leste (PNTL), o resultado da distribuição dos mandatos por esses lugares foi a seguinte: FRETILIN 21; CNRT 18; ASDT/PSD 11; PD 8; PUN 3; KOTA/PPT 2; UNDERTIM 2.Nesta sequência o CNRT, a ASDT/PSD e o PD declaram-se disponíveis, para sob a forma de uma aliança parlamentar, formar Governo.
Desde então têm-se esgrimido argumentos interpretativos dos artigos da Constituição da República Democrática de Timor-leste (CRDTL) no sentido de sustentar tanto a constituição de um Governo minoritário com o apoio da FRETILIN, como a constituição de um Governo com o apoio de um aliança parlamentar composta por três partidos os quais em conjunto detém uma maioria parlamentar.
Enquadramento
A CDRTL determina na al. d) do art.º 85.º que compete exclusivamente ao Presidente da República «nomear e empossar o Primeiro–Ministro indigitado pelo partido ou aliança dos partidos com maioria parlamentar, ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento Nacional».
No seu art.º 106.º lê-se que «o Primeiro-Ministro é indigitado pelo partido mais votado ou pela aliança de partidos com maioria parlamentar e nomeado pelo Presidente da República, ouvidos os partidos políticos representados no Parlamento Nacional».
Antecedentes
As versões originais destes artigos, constantes do Projecto da Constituição que serviu de base aquando da elaboração, debate e aprovação da Constituição, eram distintas e mais restritivas. A alínea d) do art.º 85.º na sua versão originária determinava o seguinte:
«1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, tendo em conta os resultados eleitorais».
No entanto, no decorrer dos trabalhos da Comissão Temática II1 (CT II) da Assembleia Constituinte, esse artigo foi alterado de modo a contemplar a audição a todos os partidos representados no Parlamento Nacional. Lê-se no 2.º Relatório Intercalar dessa Comissão Temática II, datado de 21 de Novembro de 2001, página 6, sob comentário à citada alínea o seguinte: «A al. (…) foi alterada de modo a contemplar a audição a todos os partidos representados no Parlamento Nacional, devendo, no entanto o Presidente da República nomear como Primeiro-Ministro uma personalidade do partido que sair vencedor nas eleições legislativas».
Também a versão original do n.º 1 do art.º 106.º era diferente, pois estipulava o seguinte: «1. O Primeiro-Ministro é nomeado pelo Presidente da República, tendo em conta os resultados eleitorais.» No entanto, no decorrer dos trabalhos da Comissão Temática II foi deliberado proceder à alteração necessária para ir ao encontro o anteriormente recomendado, tendo ficado assim a nova versão: «1. O Primeiro-Ministro é indigitado pelo partido vencedor e nomeado pelo Presidente da República, tendo em conta os resultados eleitorais.» Sob este artigo ficou uma recomendação ao Plenário no sentido de se alargar o poder do Presidente da República de convocar a realização eleições antecipadas.
Todavia, na sequência dos trabalhos do Plenário da Constituinte deliberou-se não acatar as recomendações da CT II mas em contrapartida alterar as versões dos artigos que saíram daquela Comissão, resultando nas que se encontram em vigor.AnáliseImporta agora analisar que limites e requisitos a componente parlamentar impõe ao poder inicial do Presidente da República na formação do Governo através da escolha do Primeiro-Ministro.
Da leitura conjugada dos dois artigos de que se vem falando parece poder concluir-se que a nomeação do Primeiro-Ministro indigitado deve corresponder à composição política do PNTL. O Presidente da República deve convidar a formar Governo a personalidade que seja capaz de formar um Governo que possa subsistir no Parlamento, ou seja que não tenha oposição maioritária no Parlamento. No caso de não existir uma maioria bem definida já poderá haver uma escolha política do Presidente da República dentre as várias coligações possíveis.
Se é certo que até parece haver algum eco constitucional nesta interpretação a leitura conjugada daqueles artigos não pode ser assim tão simplista pois levar-nos-ia a consequências absurdas, tais como é a de nunca se saber se, mesmo saindo vencedor das eleições, um determinado partido irá formar Governo ou não. O voto popular expresso em eleições periódicas, livres e universais deixará de ser determinante na formação do futuro governo, transformando o acto eleitoral num embuste.
A questão da formação do Governo em Timor-Leste tem que ser analisada à luz da interpretação sistemática de outros artigos, ou seja à questão da demissão do Governo e à dissolução do Parlamento Nacional, os quais nos conduzem à amplitude do poder do Presidente da República em nomear Governos de iniciativa presidencial e o de convocar eleições antecipadas.
A convocação das eleições antecipadas surge na sequência da dissolução do PNTL a qual só pode ocorrer verificadas as circunstâncias da al. f) do art.º 86.º conjugada com o art.º 100.º e na qual se lê: compete ao Presidente da República «dissolver o Parlamento Nacional, em caso de grave crise institucional que não permite a formação de governo ou a aprovação do Orçamento Geral do Estado por um período superior a sessenta dias…». No art.º 100.º estipula-se que «o Parlamento Nacional não pode ser dissolvido nos seis meses posteriores à sua eleição, no último semestre do mandato do Presidente da República ou durante a vigência do estado de sítio ou do estado de emergência,…».
Por outro lado a demissão do Governo, que não é causa directa da convocação de eleições antecipadas, ocorre se verificada uma das circunstâncias do n.º 1 do art.º 112.º. Ou seja, «implica a demissão do Governo, a) o início da nova legislatura; b) a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro; c) a morte ou impossibilidade física permanente do Primeiro-Ministro; d) a rejeição do programa do Governo pela segunda vez consecutiva; e) a não aprovação de um voto de confiança; f) a aprovação de moção de censura por uma maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções.»
Quer isto dizer que a probabilidade de se verificar uma situação que provoque a demissão do Governo é maior quando comparada com a possibilidade de dissolução do Parlamento e convocação de eleições antecipadas.
Esta opção constitucional tem tanto de razão de ser quanto o facto de Timor-Leste ser um país pobre com uma economia precária, não sendo passível de suportar a realização de eleições antecipadas com uma cadência semelhante ou igual à provocada por eventuais instabilidades governativas, quando advindas fundamentalmente da existência de governos minoritários E o legislador constituinte foi tanto mais atento a isso que alargou o leque opcional do Presidente da República na constituição de Governos de iniciativa presidencial. Ou seja, caso se verifique uma das causas (principalmente as de ordem política) que conduzam à demissão do Governo, o Presidente da República tem a faculdade de poder convidar a formar Governo a personalidade indigitada pela aliança de partidos com maioria parlamentar que se forme em resposta à queda de um Governo anteriormente formado na sequência das mesmas eleições. Acresce que a Constituição nem exige que essa maioria seja absoluta, podendo até ser uma maioria simples desde que garanta a subsistência política e parlamentar do Governo formado por iniciativa presidencial, na sequência da queda do anterior.
Não quer isto dizer que o Presidente da República não possa convidar para formar Governo uma aliança de partidos formada na sequência das eleições, desde que dessa aliança faça parte o partido vencedor nas eleições.
Caso contrário desvirtuar-se-á o sentido e a expressão do voto popular.Chama-se ainda a atenção para o disposto no n.º 1 do art.º 70.º da CRDTL que determina que «os partidos políticos participam nos órgãos do poder político de acordo com a sua representatividade democrática, baseada no sufrágio universal e directo.Em conclusãoPara formar Governo a Constituição da República Democrática de Timor-Leste não exige que o partido vencedor das eleições legislativas tenha tido a maioria absoluta de mandatos;
A Constituição da RDTL não legitima o afastamento, na formação governamental na sequência de eleições, do partido vencedor, não obstante este não ser detentor de uma maioria absoluta;
A Constituição da RDTL não exige que haja garantias prévias de um Governo minoritário da sua subsistência parlamentar uma vez que:
O Programa do Governo não é submetido a aprovação mas só a apreciação do Parlamento (art.º 109.º n.º 1)
No entanto qualquer bancada parlamentar pode propor a rejeição do Programa do Governo (art.º 130.º n.º1 do Regimento do PNTL) a qual tem de ser aprovada com maioria absoluta dos Deputados em efectividade de funções (art.º 109.º n.º 3 CRDTL)
Para a queda do Governo tem de haver duas rejeições consecutivas (art.º 112.º n.º 1 al.d)
Em Timor-Leste os governos são politicamente responsáveis tanto perante o Presidente da República como perante o Parlamento Nacional e esta dupla responsabilidade é visível em tudo o que se acaba de relatar, estando os poderes políticos limitados «check and balance» bem equilibrado.
10 de Julho de 2007
NOTA DE RODAPÉ:
Este parecer foi redigido por alguém que acompanhou, desde o início até à sua conclusão, a redacção da Constituição da RDTL. Mais que ninguém tem autoridade e competência para se pronunciar sobre este assunto (Fonte: Timor Online / 19 Julho 2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário