9 outubro 2014, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)
Cândido Bessa
No dia em que se comemora 23 anos da fundação das Forças Armadas
Angolanas, Geraldo Sachipengo Nunda garante que já não há guerra em
Angola, avança que a última acção da FLEC, em Cabinda, ocorreu em Maio de 2011,
mas afirma que é preciso estar preparado para os riscos internos e externos.
Dá exemplos da Líbia, Tunísia, Síria e Nigéria onde o Boko Haram
conseguiu criar situações de instabilidade com o rapto de centenas de crianças,
que ainda não foram encontradas. Na entrevista, o chefe do Estado-Maior General
fala do momento actual das FAA, do processo de reedificação que vai torná-las
num exército moderno e pronto para responder aos desafios do futuro.
Jornal de Angola - Hoje, 23 anos após a sua fundação, que Forças Armadas o país tem?
Sachipengo Nunda - Hoje temos Forças Armadas Angolanas definidas pela direcção política do nosso país e que tem como orientação principal realizar o seu reequipamento, uma reestruturação adequada aos desafios do momento e do futuro. Em termos mais concretos, se
concretizam na directiva do
Comandante-em-Chefe sobre a reedificação das Forças Armadas Angolanas, que
estamos a implementar desde 2007. A directiva tem um cronograma para a sua
realização. Numa primeira fase, de 2007 a 2008, fez-se o levantamento
global da realidade das FAA, depois passamos para o trabalho de análise e
reestruturação dos órgãos propostos e a partir de 2009 e 2010 iniciou-se o
processo de implementação. Mas este processo pode ser situado um pouco antes,
porque a primeira instituição criada no âmbito da reedificação foi o Instituto
Superior Técnico Militar, em 2008. Estamos a trabalhar no sentido de criar as
Forças Armadas Angolanas definidas na directiva do Comandante-em-Chefe, com um
efectivo adequado aos desafios do momento e do futuro e com instituições a
serem criadas.Jornal de Angola - Hoje, 23 anos após a sua fundação, que Forças Armadas o país tem?
Sachipengo Nunda - Hoje temos Forças Armadas Angolanas definidas pela direcção política do nosso país e que tem como orientação principal realizar o seu reequipamento, uma reestruturação adequada aos desafios do momento e do futuro. Em termos mais concretos, se
JA - Qual era o cenário em 2007, quando iniciou a reedificação?
SN - A situação de 2007 em comparação com a de 2010 apresenta uma grande diferença. Na altura não tínhamos uma ideia concreta de como estavam as Forças Armadas Angolanas. Foi preciso fazer um levantamento global de todo o efectivo, fazer o diagnóstico global de todo o equipamento. Embora tivéssemos uma ideia de como estavam as infra-estruturas militares, nessa altura fez-se um levantamento das infra-estruturas e iniciamos o processo de registo do património das FAA. O diagnóstico de 2008 permitiu ter uma ideia geral de como estavam as FAA e na base disso iniciamos a reestruturação. A directiva do Comandante-em-Chefe define como deve ser a cadeia de comando das FAA, que tipo de unidades e, também, o efectivo que deve constituir as FAA. É na base desta directiva que se começa a reestruturação, de acordo com a realidade verificada em 2007 e 2008 e aquilo que deve ser o futuro das FAA.
JA - E qual deve ser o futuro das Forças Armadas Angolanas?
SN - Existe um programa estratégico de desenvolvimento de Angola até 2025 e as FAA estão enquadradas nesse processo. Do ponto de vista militar, embora a directiva tenha o carácter de poder ser actualizada, de acordo com a realidade do país, mas até ao momento as FAA estão a fazer um esforço para implementar a directiva e o programa de reedificação.
JA - Qual a realidade hoje?
SN - Além do Instituto Superior Técnico Militar, que já produziu, este ano, os primeiros engenheiros formados no país nos cursos de engenharia mecânica, electrotecnia, informática e construção civil, temos em funcionamento a Academia do Exército, que funciona provisoriamente na Escola Inter-armas do Exército, no Lobito, mas com perspectivas de, no próximo ano, se transferir para a cidade do Huambo, onde estamos a construir infra-estruturas próprias e definitivas. Neste momento, temos a Academia Naval a funcionar, ainda na base naval, e estamos a trabalhar no sentido de transferir as estruturas para a cidade de Benguela, na antiga Escola de Administração militar, e também estamos a terminar os trabalhos da primeira fase da Academia da Força Aérea, que vai funcionar na base da Catumbela. Além da Escola Superior de Guerra, onde realizamos cursos de promoção a capitão, a oficiais superiores, de comando e Estado-maior, de comando e direcção e, a partir do ano passado, iniciamos o curso de estratégia e arte operativa. Tudo isso está enquadrado na reedificação das Forças Armadas Angolanas.
JA - Que outras acções estão a ser desenvolvidas?
SN - Além destas actividades, as FAA receberam, em 2010, uma orientação do Presidente da República, no mês de Maio, para a melhoria das condições de vida e de trabalho nas Forças Armadas. Isso passa pela melhoria das casernas, refeitórios, áreas de lazer e de recreio, assistência médica aos militares, melhoria das condições de formação nos estabelecimentos de ensino. É preciso que os oficiais em todo o país tenham melhores condições de trabalho, não apenas nas unidades que estão nas cidades, mas também naquelas que estão no campo. Queremos que, lá onde se encontrar, o oficial tenha condições adequadas para realizar o seu trabalho, que tenha a possibilidade e a prerrogativa de trabalhar de norte a sul, do leste ao oceano.
JA - Qual é o ramo prioritário na modernização?
SN - As FAA são um todo, como o corpo humano. Não pode haver desenvolvimento num lado, quando o outro vai mal. Os três ramos são indispensáveis, apesar de não funcionarem da mesma forma. O Exército pode funcionar com uma unidade, com espingardas AK, que tem o seu custo, mas a Força Aérea precisa de meios muito mais caros, a Marinha de Guerra igualmente. Desde 2002 até 2012, a direcção do nosso país colocou prioridade na reconstrução nacional. A prioridade era voltar a dar vida ao país, começar de novo a circular, a revitalizar a economia, reconstruir escolas, hospitais, as administrações, mas também fortalecer as Forças Armadas. A partir de 2012, o Presidente da República definiu prioridades para o reequipamento das Forças Armadas Angolanas.
JA - Porque só agora o reequipamento?
SN - O reequipamento não se pode realizar sem a formação adequada do efectivo. Por isso, a formação foi iniciada mais cedo. A partir de 2012 começou-se o processo de busca de parceiros para a modernização das Forças Armadas Angolanas no seu todo. O Exército tinha um determinado tipo de equipamento e a partir do próximo ano vai ter equipamento mais moderno, mais adequado e concordante com o momento que vivemos. A Força Aérea igualmente e a Marinha também. Os três ramos das Forças Armadas vão usufruir de equipamento moderno e vamos ter também efectivo que possa utilizar com eficiência. Os helicópteros que vamos receber a partir deste ano têm pilotos que se formaram durante seis anos na Rússia. Os navios, que vamos receber, também têm navegantes formados na Rússia, Brasil e Portugal. Os equipamentos, que vamos receber para o Exército, a partir de princípios do próximo ano, têm pessoal formado na Rússia e Cuba. Isso vai permitir-nos conjugar a formação com o equipamento. Entendemos que a formação das FAA tem de ser um processo bem harmonizado para que a formação e o equipamento se conjuguem e os meios não cheguem e fiquem sem possibilidade de serem operados.
JA - A manutenção dos equipamentos está acautelada?
SN - Não é apenas no âmbito da operacionalidade, também da manutenção do equipamento novo, que tem sido um grande desafio. As FAA têm de estar ajustadas a esta realidade. Existe este processo que vai fazer com que no próximo ano possamos ver Forças Armadas muito modernas, bem equipadas e capazes de cumprir as missões que a direcção do Estado definir, embora a missão fundamental e permanente seja a defesa da independência e integridade do país, das instituições democraticamente instituídas.
JA - Ainda há guerra em Angola?
SN - Em Angola não há guerra. Tivemos até 2011, na província de Cabinda, acção da FLEC. A última acção realizada pela FLEC em Cabinda foi no mês de Abril de 2011. Desde então já não existem acções deste tipo. Mas isso não implica que não estejamos preparados, porque os desafios de segurança nacional não são apenas internos, mas também externos. A Constituição da República de Angola estabelece que o Sistema de Segurança Nacional deve estar com capacidade de responder aos desafios internos e externos.
JA - Qual tem sido o papel das FAA no apoio às acções do Estado?
SN - As Forças Armadas Angolanas apoiam onde o Estado achar conveniente. Temos como missão prioritária a desminagem. Quando a guerra terminou, a primeira em 1991, fizemos a desminagem, depois o país voltou a ser minado. Em 2002, retomamos a desminagem, felizmente sem possibilidades de o país voltar ao conflito, e continuamos a desminar até hoje. A reconstrução das estadas, dos caminhos-de-ferro, dos aeroportos, as linhas de condução de energia, a construção de barragens são todo um conjunto de necessidades. Ainda no mês passado, assisti a uma reunião da Comissão Executiva de Desminagem em que os ministérios informaram as áreas prioritárias. Esta é uma missão crucial, não é de guerra, mas é importante, que tem sido executada pelas Forças Armadas Angolanas, pela Direcção Nacional de Desminagem, pela Casa de Segurança do Presidente da República e pela Polícia de Guarda Fronteira.
JA - Em que outras missões internas as Forças Armadas estão envolvidas?
SN - Outra missão fundamental é apoiar o Governo nas questões mais críticas, como quando existem enchurradas, cheias, como aconteceu no Cunene e, também, em casos de epidemia, como o Marburg, em que as FAA tiveram de ir para lá trabalhar para confinar o Marburg à cidade do Uíge e eliminar este mal. Ainda este ano tivemos um surto de diarreia grave no Cunene e tivemos de enviar equipas para ajudar as estruturas do Governo a organizar o confinamento e também a eliminação deste surto grave. As Forças Armadas estão prontas para apoiar o Estado aí onde for necessário. Há o caso actual, assistimos, nos últimos tempos, o crescimento da criminalidade violenta no país, com maiores desafios na cidade de Luanda, que tem mais de seis milhões de habitantes. É um desafio grande.
JA - Qual tem sido o papel das Forças Armadas nesta tarefa?
SN - A tarefa da ordem pública é da Polícia Nacional, mas por orientação superior do Comandante-em-Chefe, as Forças Armadas foram chamadas a dar o apoio necessário. Existe uma coordenação, um comando superior criado para o efeito, dirigido pelo comandante geral da Polícia Nacional. As FAA estão a dar apoio, porque na actividade criminosa também há envolvimento de militares. Há um caso de um civil que se tornou chefe até de bandidos que eram militares desertores. Auto-promoveu-se a segundo sargento, depois primeiro sargento, a dirigir criminosos de todo o tipo. As FAA conseguiram, em apoio à Polícia Nacional, desmantelar o grupo. Apoiamos também no combate à ocupação ilegal de terrenos. Muitas vezes as pessoas mobilizam militares, polícias e armas para se apoderarem de terrenos e ameaçarem os donos legítimos destes espaços.
JA - Qual o impacto que a população pode sentir do envolvimento das FAA no combate à criminalidade violenta?
SN - A minha preocupação foi dar esta responsabilidade ao comandante da região Militar Luanda, que está a trabalhar estreitamente com a Polícia. Talvez a pessoa mais indicada para responder seja o comandante provincial da Polícia de Luanda.
JA - As Forças Armadas Angolanas estão preparadas para as missões de paz?
SN - Absolutamente. As FAA têm estado preparadas para os desafios. Estiveram preparadas para missões exclusivamente da responsabilidade do nosso país, no âmbito bilateral, como aconteceu na RDC em 1997 e 98, no Congo Brazzaville, na mesma altura, em 2010 na Guiné Bissau, e têm estado a preparar-se para as operações de apoio à paz, quando as condições e o país for solicitado. Houve esta solicitação expressa das Nações Unidas e as Forças Armadas Angolanas têm estado a criar as condições para o efeito. As FAA também têm, no mesmo âmbito, obrigações sobre as regiões em que estão inseridas, como é o caso da SADC, CEAC, Região dos Grandes Lagos e, também da União Africana. Agora surgiu a solicitação das Nações Unidas para que Angola pudesse participar. No mês passado, tivemos uma reunião com o representante das Tropas das Nações Unidas para a RCA e estamos a criar as condições para o efeito. É uma questão de necessidade das Nações Unidas e predisposição de Angola e as FAA estão preparadas para poder participar em operações de apoio à paz no tempo em que for decidido pelas Nações Unidas e, também, pela direcção do nosso Estado.
JA - Esta participação envolve operações militares no terreno?
SN - Depende do mandato que as Nações Unidas definirem para esta força. Mas quem vai para a manutenção de paz tem de estar preparado para a imposição da paz. Não é a força que vai definir, mas as Nações Unidas, de acordo com a situação, como aconteceu no leste da RDC. Houve necessidade das Nações Unidas redefinirem o mandato, tornando-a de imposição de paz. A SADC mobilizou uma brigada de intervenção de manutenção e imposição de paz que tem o seu comando em Ngoma.
JA - As Forças Armadas Angolanas estão preparadas para intervenções fora do continente africano, caso sejam solicitadas pelas Nações Unidas?
SN - Quem deve definir é a direcção do nosso Estado. Pensamos que mesmo que for para além das fronteiras africanas, pode ser uma missão com carácter específico. De momento, para os desafios que a África tem, a nossa cooperação será muito mais profícua no continente africano.
JA - A cooperação militar com a Guiné-Bissau já está em condições de ser retomada?
SN - É uma decisão soberana da República da Guiné-Bissau. Se a Guiné-Bissau achar que sim, o nosso país vai estudar o que pode fazer. Houve grandes evoluções na República da Guiné-Bissau. Retiramos a nossa força de lá, porque tinha surgido uma situação de ilegalidade, tinha havido um golpe de Estado e não havia legitimidade de as FAA continuarem lá, porque tinham sido convidadas por um Governo legal. Neste momento já houve eleições, já houve mudanças de Chefe de Estado-Maior, a própria Guiné-Bissau solicitou à comunidade internacional apoio nos diversos sentidos, mas ainda não ouvimos falar dos aspectos de ordem militar. Por isso, vai depender daquilo que a República da Guiné-Bissau achar conveniente. Também damos apoio à Guiné Conacri, formando os seus efectivos aqui em Angola. Estamos a contribuir para o fortalecimento das Forças Armadas da Guiné, um país que teve desde os primórdios da luta de libertação dos povos africanos uma solidariedade muito grande com o nosso país.
JA - Como reage as críticas de que as FAA não deviam gastar tanto dinheiro em tempo de paz?
SN - A nossa reacção é de que existe desconhecimento. Já dizia Júlio César que, se queres a paz, prepare-se para a guerra. O país tem de estar preparado, ter capacidade, e a segurança nacional não é barata. Quem imaginou, por exemplo, o que aconteceu na Líbia, na Tunísia, o que acontece na Síria, na Nigéria onde o Boko Haram conseguiu criar situações bastante sérias e até hoje as mais de 200 crianças raptadas ainda não foram encontradas. Quem diz que as Forças Armadas gastam muito dinheiro, não sabe que as Forças Armadas, a Polícia Nacional e os Serviços de Inteligência produzem segurança e estabilidade que permite a realização de todas outras actividades. Só sentimos falta de segurança quando somos atingidos, sentimos a delinquência quando o bandido faz parar o carro e nos ameaça com uma pistola, ou quando estamos a viajar comodamente e há uma emboscada em que morre um ente querido, só sentimos falta de segurança quando rebenta uma bomba num estabelecimento.
JA - A ameaça é permanente, mesmo em tempo de paz?
SN - Temos de ter sempre em conta os riscos e as ameaças desconhecidas, mas prováveis. É preciso que estejamos preparados para isso. Mesmo Estados como a Suíça, que não se envolve em conflitos há muito tempo, tem a força que protege o Vaticano, tem um sistema de segurança tão bem organizado que as estradas podem servir facilmente de pistas de aviação e encontramos meios de defesa anti-aérea em jardins, de uma forma bem disfarçada. Eles estão bem preparados para reagir a qualquer situação. Vivemos 27 anos de guerra, porque não tínhamos capacidade de defender convenientemente o nosso Estado, mas o país foi crescendo até que chegou ao nível de, em 2002, ser impossível haver uma força com capacidade superior àquela que o Estado tinha. Hoje precisamos fazer com que tenhamos capacidade suficiente de persuasão para que nenhuma outra força externa possa ambicionar ameaçar a nossa integridade, a nossa soberania.
JA - Como está o desenvolvimento da indústria militar?
SN - Existem dois tipos de indústrias: a militar, ligada à produção de fardamentos, botas e outros materiais, e a indústria de defesa, que tem a ver com o fabrico de munições, armamento e outros equipamentos. No âmbito da reedificação das FAA, o Presidente da República estabeleceu isso. No programa de desenvolvimento do país, aprovado nas eleições de 2012, também está estabelecido o processo de desenvolvimento da indústria militar e da indústria de defesa, neste período que vai de 2012 a 2017. Neste momento, já fabricamos fardamento. Esta farda de campanha que os nossos soldados usam é confeccionada cá no país. Mas precisamos de ter matéria prima produzida no país, para ser, de facto, uma indústria militar que seja independente.
JA - Quais são as perspectivas até 2017 para a indústria militar e a de defesa?
SN - A indústria de defesa é da responsabilidade do Ministério da Defesa. Mas posso dizer que é todo um processo que tem de ser realizado depois de criadas as condições para que ela possa existir. É preciso capacidade de infra-estrutura e também capacidade técnica e tecnológica. Neste momento já existem os primeiros passos. É um início, temos de ter uma indústria de defesa e uma indústria militar que possa beneficiar a indústria como um todo. Por exemplo, se houver necessidade de 1.000 tanques, não vamos construir uma indústria apenas para produzir tanques, são necessários outros meios complementares, como existe o complexo militar americano, o complexo militar russo ou o complexo industrial militar da China. Queremos que a indústria militar e a de defesa beneficiem a indústria como um todo, em benefício da sociedade, da economia. Este é o esforço que está a ser realizado pelo Ministério da Defesa, pela Casa de Segurança do Presidente da República, para se criarem as bases fundamentais para a indústria militar e para a indústria de defesa.
JA – O número de efectivos é adequado ao momento actual?
SN - As Forças Armadas Angolanas têm um efectivo relativamente maior. Temos, por exemplo, 17 mil portadores de deficiência, mas que não podemos entregar à sociedade sem o devido cuidado, porque alguns são cegos, alguns só têm um braço, uma perna. Por exemplo, neste momento, as Forças Armadas têm cerca de 50 mil soldados, sargentos e oficiais que deveriam ir para casa, porque já cumpriram o serviço militar. Isso faz com que, em vez de as FAA estarem com 100 mil homens, tenham um pouco mais. Tem de ser um processo racional, feito com o devido cuidado para que as coisas avancem.
JA - Então ainda entram novos soldados?
SN - Não podemos deixar de formar novos soldados, que têm de entrar para o ciclo normal de desenvolvimento das FAA. Na perspectiva de elementos do serviço militar obrigatório, seria bom que todo o cidadão pudesse cumprir o serviço militar para perspectiva futura. Há o serviço militar obrigatório, que entram para três anos e saem, e os que entram para o serviço miliciano, ficam cinco anos ou oito anos, os do quadro permanente. Aqueles que estamos a formar hoje no Instituto Superior Técnico Militar, nas Academias dos três ramos, nas academias no exterior do país, temos neste momento cerca de 1.600 estudantes no exterior, a fazerem formação militar, fundamentalmente na Rússia, em Cuba, no Brasil, em Portugal, na China são do quadro permanente. Estes vão ficar nas Forças Armadas Angolanas até terminarem a sua carreira como militares.
JA - O pessoal excedentário, porque não vai para casa?
SN - O país tem cerca de 200 mil ex-militares que não têm emprego. Se pegarmos nos 50 mil e lançarmos para a sociedade iríamos criar outros problemas. As Forças Armadas têm de ser dirigidas de forma adequada. Temos de ter uma ideia correcta de como fazer este processo de forma harmoniosa. Não é uma decisão que as FAA tomam de ânimo leve, nem sozinhas. O nosso país só está em paz há 12 anos. É mais fácil pegar nos soldados que entraram há dois anos, porque voltam para a sociedade sem problemas.
Mas pegar num soldado que está connosco desde 1992, quando entrou tinha 20 anos e hoje está com 42 anos tem filhos, tem encargos familiares muito sérios, não podem ir para a sociedade sem sustentação, sem possibilidade de emprego. São desafios que o nosso país vai fazer face, naturais de um país que esteve em guerra durante 27 anos. Quando estamos a cuidar do portador de deficiência não estamos a fazer favor nenhum, estamos a cumprir com o nosso papel, cuidar para que este soldado possa manter a vida dele, da sua família e também não se transforme num problema para a sociedade. Nos anos 1993, 94 víamos muito soldado a pedir esmola na rua…
JA - Isso já não acontece?
SN - Esse processo está ultrapassado, porque houve uma harmonização do processo. Mas se o Estado nos solicitar aquele engenheiro ou aquele médico para aquele ponto, as FAA têm de apoiar. O delegado da Saúde na província da Huíla é um médico militar cirurgião de cardiologia que por necessidade do Estado tivemos de dispensar. Isso é só um caso dos muitos que acontecem.
JA - Como está o processo da passagem de militares para a Polícia Nacional?
SN - É do nosso interesse que vão para a Polícia aqueles que têm boa formação. Existe o diálogo neste sentido e estão a ser preparadas as condições pela Polícia para que possamos entregar este pessoal. Uma parte já foi entregue, que são os militares da UGP e das Forças Especiais. Estamos a fazer também com os Fuzileiros Navais. Temos efectivos de diversas áreas, dos comandos, dos Fuzileiros Navais, da UGP, da USP que precisamos, de uma forma harmoniosa, passar para os órgãos da Polícia, porque é uma mais valia para a própria Polícia, para fazer face, por exemplo, à criminalidade violenta. Em vez de irmos buscar em casa, que sejam aqueles que serviram às Forças Armadas. Mas há uma selecção. É conveniente, para toda a sociedade, que o elemento da Polícia tenha uma boa habilitação para poder ler o documento que lhe for apresentado.
JA - Isso é válido para os novos militares das FAA?
SN - Queremos que venham soldados que tenham por exemplo a 6ª classe no mínimo. Seria ideal que fossem com a 8ª classe, porque assim compreende melhor os desafios de hoje. O tanque que vai receber tem comandos digital. Ele já não pode operar um tanque mecânico, os meios da artilharia que vai manusear são digitais, para não falarmos dos navios, do avião, do helicóptero. De formas que há necessidade de melhor qualificação.
JA - Que avaliação faz do trabalho da Caixa de Segurança Social das Forças Armadas?
SN - Talvez não seja a pessoa mais indicada para falar disso, porque sou contribuinte da Caixa, desde 1993. Só vão para a Caixa os militares reformados. Só para lembrar, há três condições de sair das FAA: uma é licenciamento à disponibilidade, para ir para a sociedade procurar emprego, para o processo de reintegração social, estamos a falar de soldados e sargentos, o oficial que vai para a Caixa só usufrui de pensão quando atingir os 60 anos. Quando não atingir esta idade, ainda não tem tempo suficiente para receber pensão e não é conveniente que o oficial passe para a Caixa enquanto não tiver a idade definida na lei e no regulamento do licenciamento dos militares à disponibilidade e à reserva. O militar que passa à reserva continua a receber salário das Forças Armadas, mas apenas 30 por cento, porque é tido como pessoa que vai arranjar um outro emprego.
JA - Hoje como está o estado psico-moral da Tropa?
SN - Não é muito distante do estado psico-moral da nossa população. Temos soldados que estão nas FAA desde 1993 e vivem os mesmos problemas de o salário não chegar até o fim do mês, da falta de transporte, das propinas das crianças. Isso trabalha muito fortemente na cabeça do nosso militar. Posso dizer que o estado psico-moral é bom, mas tenho de ter a noção, e como tenho a missão de os dirigir por delegação de poderes do meu Comandante-em-Chefe, tenho de ter a noção de que o soldado que tenho de dirigir tem preocupações e devo fazer tudo para minimizar estas preocupações, pelo menos as mais elementares. Há um esforço em toda a cadeia das Forças Armadas para que o estado psico-moral dos militares seja melhor. Mas eu sei que todos os militares têm preocupações, têm problemas, mas a perspectiva é boa.
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