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Nova Iorque, 27 de
Setembro de 2014-10-23
Senhor Presidente
Minhas senhoras e meus senhores.
Minhas senhoras e meus senhores.
Hoje vê-se cada vez com mais clareza a
contradição entre, por um lado, a necessidade de acções colectivas de parceria
no interesse da elaboração de respostas apropriadas aos desafios comuns e, por
outro, o desejo de um certo número de países de dominar, de restaurar a
mentalidade arcaica da confrontação dos blocos que se apoiam numa disciplina de
caserna e numa lógica de preconceitos — «nós / os outros». A aliança ocidental,
tendo à cabeça os Estados Unidos que se colocam como defensores da democracia,
do primado da lei e dos direitos do homem nos países terceiros, age
directamente ao inverso, no cenário internacional, rejeitando o principio
democrático da igualdade soberana dos Estados, tal como fixado pela carta das
Nações Unidas, e ensaiando decidir por todos o que está bem e o que está mal.
Washington proclamou
abertamente o seu direito de utilizar a força militar de forma unilateral e não
importa onde para a defesa dos seus próprios interesses. A
intervenção militar tornou-se a norma, mesmo apesar do facto de todas as
operações de força executadas pelos Estados Unidos no decurso dos últimos anos
terem acabado mal.
Rudes golpes foram dados na estabilidade
internacional: bombardeamento da Jugoslávia pela OTAN, intervenção no Iraque,
ataque da Líbia, derrota no Afeganistão. Só graças a esforços diplomáticos
intensos não se realizou a agressão contra a Síria em 2013. Não podemos
deixar de pensar que as várias “revoluções coloridas” e
outros projectos
visando a substituição de regimes indesejáveis só têm por fim criar o caos e a
instabilidade.
Hoje, a Ucrânia
tornou-se vítima dessa política. A situação revela a persistência de defeitos
profundos, sistemáticos, na arquitectura existente da zona euro-atlântica. O
Ocidente decidiu «uma estruturação vertical da humanidade» em função dos seus
próprios padrões, que estão longe de ser inofensivos. Proclamando a sua vitória
na «guerra-fria» e o êxito do pretendido «fim da história», os Estados
Unidos e a União Europeia procuraram alargar o seu espaço geopolítico sem ter em
conta o equilíbrio dos interesses legítimos de todos os povos da
Europa. Os nossos parceiros ocidentais não ligaram aos nossos repetidos
avisos sobre a impossibilidade de aceitar da violação dos princípios da Carta
das Nações Unidas e o Acto final de Helsínquia, esquivaram-se em todas as
ocasiões a fazer em comum um trabalho sério a fim de criar um espaço único de
segurança, igual e indivisível e de cooperação, do Atlântico ao Pacífico. A proposta russa de estudar um tratado de segurança
europeia foi rejeitada. Declararam-nos simplesmente que garantias juridicamente
constrangedoras em matéria de segurança só podem ser obtidas por membros
daAliança Atlântica que, entretanto, continuou a deslocar-se para o Leste
apesar das promessas em contrário anteriormente feitas. A
passagem instantânea da OTAN para uma retórica hostil e à redução da cooperação
com a Rússia mesmo em detrimento dos interesses próprios dos países ocidentais,
à intensificação suplementar da infra-estrutura militar nas fronteiras russas,
pôs em evidência a incapacidade da aliança em mudar o seu código genético
criado no tempo da «guerra-fria».
Os Estados Unidos e a
União Europeia apoiaram o golpe de Estado na Ucrânia. Justificaram
sem discernimento todas as acções das autoridades autoproclamadas de Kiev, que
tinham escolhido como fim político esmagar pela força a parte do povo ucraniano
que havia rejeitado as tentativas de impor ao conjunto do país uma ordem
anticonstitucional e queria defender os seus direitos à língua materna, à sua
cultura e à sua história. É justamente esta ofensiva agressiva contra
os direitos que obrigou os habitantes da Crimeia a tomar o seu destino nas mãos
e a fazer a sua escolha a favor da autodeterminação. Essa foi uma escolha
totalmente livre, por mais que possam inventar os que são os primeiros
responsáveis pelo conflito interno na Ucrânia.
As tentativas de deformar a verdade, de
mascarar os factos por acusações sem fundamento foram efectuadas em todas as
fases da crise ucraniana. Nada se fez para identificar e sancionar os
responsáveis pelos acontecimentos sangrentos de Fevereiro na praça Maidan,
massacres de massas em Odessa, Marioupol e outras regiões na Ucrânia.
A terrível catástrofe humanitária causada pelas acções das forças de segurança ucranianas no sudeste do país foi deliberadamente minimizada. Estes últimos dias revelaram de novo factos horríveis, quando descobriram valas comuns perto de Donetsk. Em contradição com a resolução 2166 do Conselho de Segurança das Nações Unidas continua sem se realizar um inquérito aprofundado e independente sobre a queda do avião da linha da Malásia em território ucraniano. Os culpados de todos estes crimes deviam ser identificados e trazidos à justiça. Senão, será difícil esperar uma reconciliação nacional na Ucrânia.
A Rússia está
sinceramente interessada na restauração da paz no país vizinho, quem conheça um
pouco da história das relações profundas e fraternais entre os dois países deve
estar consciente disso. A via que conduz a uma regulação política já
foi anunciada em Abril, Kiev comprometeu-se na declaração de Genebra, assinada
pela Rússia, a Ucrânia, Estados Unidos e União europeia, a iniciar de imediato
um diálogo nacional com todas as regiões e as forças políticas na Ucrânia a fim
de começar a reforma constitucional. A realização desse acordo permitiria a
todos os ucranianos que se entendessem sobre a maneira de viverem juntos de
acordo com as suas tradições e a sua cultura, ela permitiria à Ucrânia
voltar ao seu papel orgânico de elo entre diferentes partes do espaço europeu,
o que supõe claramente a preservação e o respeito pelo seu estatuto de país
não-alinhado, neutro. Estamos convencidos de que com boa vontade, deixando de
apoiar o «partido da guerra» de Kiev, que procura atirar os ucranianos para o
abismo da catástrofe nacional, a saída da crise está perto.
Uma via para a
ultrapassar foi aberta com a conclusão do acordo de cessar-fogo no sudeste da
Ucrânia na base de iniciativas dos presidentes Petro Porochenko e Vladimir
Putin. Com a
participação de representantes de Kiev, de Donetsk, de Lougansk, da OSCE e da
Rússia, estão quase decididas as modalidades práticas coerentes destes acordos,
incluindo a separação das partes, o afastamento de armas pesadas das forças
militares ucranianas e da organização da vigilância da OSCE. A Rússia está
pronta a continuar a ajudar activamente a fazer avançar a regulação política no
quadro do processo de Minsk, que já deu provas, e no quadro de outros formatos.
Mas deve ser claro que o fazemos em nome da paz, da tranquilidade e do bem-estar
do povo ucraniano e não para satisfazer ambições de ninguém.
As tentativas de fazer pressão sobre a Rússia, de a obrigar a renunciar aos seus valores, à verdade e à justiça, não terão qualquer efeito.
Permito-me recordar
alguns factos históricos não muito antigos. Como condição para o restabelecimento das
relações diplomáticas com a União Soviética em 1933, o governo dos Estados
Unidos exigiu a Moscovo garantias de não-ingerência nos assuntos interinos dos
Estados Unidos e o compromisso de evitar toda a acção visando modificar a
estrutura política e social da América. Na época, Washington desconfiava do
vírus revolucionário, e essas garantias foram dadas nas relações entre a
América e a União Soviética na base da reciprocidade. Talvez fosse bom voltar a
esta questão e de reproduzir a exigência do governo americano da época, à
escala universal. Porque não adoptar uma declaração da Assembleia-Geral
sobre a inadmissibilidade da ingerência nos assuntos internos dos Estados
soberanos, sobre o não reconhecimento desses golpes de estado como método de
mudança de poder? Está na hora de excluir completamente das relações
internacionais as tentativas de pressão ilegais de alguns países sobre outros.
O exemplo do embargo americano contra Cuba demonstra de forma evidente o
absurdo e contra-produtividade das sanções unilaterais.
A política dos ultimatos, a filosofia da
superioridade e a da dominação não respondem às exigências do século XXI.
Entram em conflito com os processos objectivos de formação de uma ordem mundial
democrática multipolar.
A Rússia propõe uma ordem do dia federativa e
positiva. Sempre estivemos e estaremos abertos ao diálogo sobre os assuntos
mais difíceis, por mais insolúveis que possam parecer. Estamos prontos a
aceitar compromissos e o equilíbrio dos interesses, uma mudança de concessões,
mas só se o diálogo for honesto, respeitoso e equitativo.
Os acordos de Minsk de
5 e 19 de Setembro sobre as vias de saída da crise ucraniana, o compromisso
sobre o retardamento da entrada em vigor do acordo de associação entre Kiev e a
União Europeia são bons exemplos a seguir, assim como a vontade enfim declarada
de Bruxelas de iniciar negociações sobre uma zona de livre-troca entre a União
Europeia e a União Aduaneira da Rússia, da Bielorrússia e do Cazaquistão, tal
como foi proposto pelo presidente Vladimir Putin em Janeiro deste ano.
A Rússia sempre
preconizou a harmonização de projectos de integração na Europa e na Eurásia. A
harmonização de orientações políticas e de ritmos de uma tal «convergência de
integrações» será uma verdadeira contribuição do trabalho do OSCE sobre o tema
«Helsínquia mais 40» (Referência aos Acordos de Helsínquia, assinados em 1975,
ndt]. Um outro ponto importante desse trabalho deveria ser a instauração de um
diálogo pragmático e desideologizado sobre a arquitectura político-militar na
zona euro-atlântica para que não só os membros da OTAN e OTSC (Organização do
Tratado de Segurança colectiva, com a Rússia, 5 Repúblicas ex-soviéticas +
observadores), mas também todos os países da região incluindo a Ucrânia, a
Moldávia, a Geórgia, se sintam num estado de segurança igual e indivisível e
não se encontrem perante um falso dilema: «seja connosco, seja contra nós».
Não podemos admitir novas linhas de demarcação
na Europa, tanto mais que no contexto da globalização essas linhas podem
tornar-se uma linha de partilha entre o Ocidente e o resto do mundo.
É preciso dizê-lo
honestamente: ninguém tem o monopólio da Verdade, já ninguém pode ajustar os
processos mundiais e regionais às suas necessidades próprias.
Hoje já não existe alternativa a um consenso
sobre as regras de um governo mundial durável nas novas condições históricas,
no pleno respeito da diversidade cultural e civilizacional do mundo e da
multiplicidade dos modelos de desenvolvimento. Chegar a um tal consenso sobre
cada ponto será difícil, provavelmente complicado. Mas o reconhecimento de que,
em cada Estado, a democracia é «o pior dos regimes — à excepção de todos os
outros» conforme a afirmação de Winston Churchill, tardou também muito tempo a
abrir caminho. Está na hora de ver que esse axioma é incontornável
igualmente nos assuntos internacionais, hoje caracterizados por um enorme
défice democrático.
Claro que alguns
deverão quebrar estereótipos multiseculares, abandonar as suas pretensões
ao «excepcionalismo eterno». Mas não há outra solução. Os esforços
solidários só podem ser construídos sobre princípios de respeito mútuo e da
consideração dos interesses recíprocos, como se faz, por exemplo, no quadro do
Conselho de Segurança da ONU, do «G-20», nos BRICS e da OCS (Organização de
Cooperação de Xangai, ndt).
A teoria sobre a vantagem do trabalho de equipa
está confirmada na prática: é o progresso na regulação em volta do PNI
(Programa Nuclear Iraniano, ndt), o alcançar a desmilitarização química da
Síria. De resto, falando de armas químicas, gostaria de conseguir uma
informação honesta sobre o estado dos arsenais químicos da Líbia. Compreendemos
que os nossos colegas da OTAN, depois de terem bombardeado esse país em
violação da resolução do Conselho de Segurança da ONU, não gostariam de
«revolver» o caos que eles próprios criaram. Mas o problema dos arsenais
químicos líbios sem controlo é demasiado grave para que se fechem os olhos.
Penso que o Secretário-Geral das Nações Unidas deve dar provas de
responsabilidade também nesse assunto.
Hoje o essencial é
considerar as prioridades globais e de não as tornar reféns de uma ordem do dia
unilateral. A gestão dos conflitos necessita urgentemente
de abandonar os dois pesos e duas medidas. Em geral, todos concordam em dizer
que a tarefa principal consiste numa oposição firme aos terroristas que tentam
tomar o controlo de zonas cada vez mais vastas no Iraque, Síria, Líbia,
Afeganistão, no Sara e no Sahel. Se assim é, então esse problema não pode ser
sacrificado a esquemas ideológicos ou a acertos de contas pessoais. Os
terroristas, sejam quais forem os slogans atrás dos quais se escondam, devem
sempre ser considerados foras-da-lei.
Ao mesmo tempo, claro,
a luta contra o terrorismo deve apoiar-se numa base sólida do direito
internacional. Uma etapa importante nessa luta foi a adopção
unânime de uma série de resoluções do Conselho de Segurança da ONU, incluindo
recentemente a questão dos combatentes-terroristas estrangeiros. Assim, as
tentativas de agir em contradição com a Carta das Nações Unidas não ajudam ao
sucesso de esforços conjuntos. A luta contra os terroristas no território da
Síria deve ser travada em cooperação com o governo sírio, que claramente
afirmou estar pronto a fazê-lo. Já foi comprovada pela sua acção a sua
capacidade de agir com a comunidade internacional e de respeitar os seus
compromissos no quadro do programa de eliminação das armas químicas.
A Rússia pediu desde o
início da «primavera árabe» que não deixassem esta última à mercê de
extremistas e que se criasse uma frente para lutar contra a ameaça crescente do
terrorismo. Alertámos contra a tentação de tomar como
aliados quase todos os que se declarem adversários de Assad, sejam Al-Quaeda,
Djebhat na-Noursra ou outros «companheiros de caminho» da mudança de regime,
incluindo o Estado Islâmico, que está agora no centro das atenções gerais.
Como se diz, antes tarde que nunca. Não é esta
a primeira contribuição real da Rússia para a luta contra o estado islâmico,
assim como contra outras formações terroristas da região. Efectuamos entregas
em grande escala de armas e material militar no Iraque, na Síria e noutros
países da região MENA e continuaremos a apoiar os seus esforços para eliminar
os terroristas.
A ameaça do terrorismo
necessita de uma abordagem global e nós queremos erradicar as suas causas e não
ser condenados a reagir unicamente aos sintomas. O Estado
Islâmico é apenas uma parte do problema. Propomos organizar, sob os auspícios
do Conselho de Segurança das Nações Unidas, um estudo em profundidade das
ameaças extremistas e terroristas no espaço MENA e na sua integralidade. Uma
aproximação completa implica considerar os conflitos de longa data,
principalmente o conflito israelo-árabe. O problema palestiniano em suspenso
desde há vários decénios é bastante reconhecido como um dos principais factores
de instabilidade na região, já que ele permite aos extremistas recrutar cada
vez mais jiadistas.
O esforço comum para a aplicação de decisões da
AG e do Conselho de Segurança da ONU no que respeita à luta contra o vírus do
Ébola é uma outra necessidade gritante. Os nossos médicos já trabalham em
Africa. Prevemos um envio suplementar de auxilio humanitário, de equipamento,
de material médico, de medicamentos, de equipas de especialistas para auxiliar
o programa das Nações Unidas na Guiné, na Libéria, na Serra Leoa.
A Organização das
Nações Unidas, criada sobre as ruínas da Segunda Guerra Mundial, entra no seu
sexagésimo segundo ano. Temos todos o dever de celebrar o aniversário
da Grande Vitoria e de prestar homenagem a todos os que morreram em nome da
liberdade e do direito de cada um determinar o seu próprio destino.
As lições desta guerra
terrível, assim como o curso geral dos acontecimentos no mundo actual, exigem
unir os nossos esforços, esquecer os interesses unilaterais, os ciclos
eleitorais nacionais quando se trata de fazer frente a ameaças globais, que
pesam sobre a humanidade. Não podemos permitir que o egoísmo nacional
vença sobre a responsabilidade colectiva.
Tradução: Manuela Antunes
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