14 outubro 2014, Zé Dirceu http://www.zedirceu.com.br (Brasil)
Por Leonardo Boff
Nada melhor do que ler
as atuais eleições à luz da história brasileira na tensão entre as elites e o
povo. Valho-me da uma contribuição de um sério historiador com formação em
Roma, em Lovaina e na USP de São Paulo o Pe. José Oscar Beozzo, uma das inteligências
mais brilhantes de nosso clero.
Diz Beozzo: “a questão de fundo em nossa sociedade é a
do direito dos pequenos à vida sempre ameaçada pela abissal desigualdade de
acesso aos meios de vida e pelas exíguas oportunidades abertas às grandes
maiorias do andar debaixo.
Como nos ensina Caio Prado Júnior, nossa sociedade
desigual repousa sobre quatro pilares difíceis de serem movidos: a) a grande
propriedade da terra concentrada nas mãos de poucos de tal modo que não haja
terra “livre” e “disponível” para quem trabalha ou para os que eram seus donos
originários; b) o predomínio da monocultura; c) a produção voltada para o
mercado externo (açúcar, tabaco, algodão, café e hoje soja; d) o regime de
trabalho escravo.
A independência de Portugal não alterou nenhum destes
pilares. Os que naquela época sonharam com um Brasil diferente, propunham a
troca da grande pela pequena propriedade nas mãos de quem trabalhava; da
monocultura para a policultura; da produção para o mercado internacional por
outra voltada para o autoconsumo e para o abastecimento do mercado interno; do
trabalho escravo pelo trabalho familiar livre. Isso pôde acontecer em quenas
regiões da serra gaúcha e de Santa Catarina, com colonos alemães, italianos,
poloneses, hoje um campo mais democratizado.
Houve geral oposição dos grandes proprietários
escravistas a qualquer dessas medidas e foram matados a ferro e fogo levantes
populares que apontavam para qualquer medida democratizante na economia, na
política e sobretudo nas relações de trabalho. Basta rememorar algumas dessas
revoltas: a insurreição dos escravos Malês na Bahia, a Balaiada no Maranhão, a
Cabanagem na Amazônia, a revolução Praieira em Pernambuco, a Farroupilha no
Sul.
A monarquia caiu menos por seus anacronismos do que
pela Lei Áurea que lhe retirou o apoio dos barões do café escravocratas e das
chamadas classes “produtoras”, como se os produtores não fossem os escravos que
trabalhavam.
A revolução de 30, com seu viés nacionalista, mesmo
que parcialmente, deslocou o eixo do país do mercado externo para o interno; do
modelo agrário exportador para o de substituição de importações; do domínio das
elites exportadoras do café do pacto Minas/São Paulo, para novas lideranças das
zonas de produção para o mercado interno, como as do arroz e charque do Rio
Grande do Sul; do voto censitário, para o voto “universal” (menos para os
analfabetos, naquela época ainda maioria entre os adultos), do voto
exclusivamente masculino para o voto feminino; das relações de trabalho ditadas
apenas pelo poder dos patrões para a sua regulação, pelo menos na esfera
industrial com a criação do Ministério do Trabalho e das leis trabalhistas
voltadas para a classe operária . Não se conseguiu tocar o domínio
incontornável dos proprietários de terra na regulação das relações de trabalho
dentro de suas propriedades, o que só vai acontecer depois de 1964.
Getúlio implantou uma política corporativista de
apaziguamento entre as classes e de “cooperação” entre capital e trabalho,
entre operários e os capitães da indústria em torno de um projeto de
industrialização e defesa dos interesses nacionais. Ele criou as bases para o
Brasil moderno.
Nesta campanha eleitoral certos meios de comunicação
criaram o motto: “Fora PT”. Busca-se acabar com a “ditadura” do PT, para deixar
campo livre para instaurar a “ditadura do mercado financeiro”. O que realmente
incomoda? A corrupção e o mensalão?
A meu ver, o que incomoda, em que pesem todos seus
limites, são as medidas democratizantes como o Pro-Uni, as cotas nas
universidades para os estudantes vindos da escola pública e não dos colégios
particulares; as cotas para aqueles cujos avós vieram dos porões da escravidão;
a reforma agrária, ainda que muito aquém de tudo o que seria necessário, como
sempre nos lembrou Dom Tomás Balduino; a demarcação e homologação em área
contínua da terra Yanomami contra a grita de meia dúzia de arrozeiros apoiados
pelo coro unânime dos latifundiários e do agronegócio, assim como todos os
programas sociais do Bolsa Família, ao Luz para Todos, ao Minha Casa, minha
Vida, o Mais Médicos e daí para frente.
Nunca incomodou a estes críticos que o Estado pagasse
o estudo de jovens estudantes de famílias ricas que deram a seus filhos boa
educação em escolas particulares, o que lhes franqueou o acesso ao ensino
gratuito nas universidades públicas aprofundando e consolidando a desigualdade
de oportunidades. Esse estudo custa mensalmente ao Estado no caso de cursos
como o de Medicina de seis a sete mil reais. Nunca protestaram essas famílias
contra essa “bolsa-esmola” dada aos ricos, e que é vista como “direito” devido
a seus méritos e não como puro e escandaloso privilégio. São os mesmos que se
recusam a ser médicos nos interiores e nas periferias que não dispõem de um
médico sequer.
Os que sobem o tom dizendo que tudo no país está errado,
em que pese a melhoria do salário mínimo, a criação de milhões de empregos, a
ampliação das políticas sociais em direção aos mais pobres, a criação do
Mais-Médicos, posicionam-se contra as políticas do PT que visam a assegurar
direitos cidadãos, ampliar a democratização da sociedade, combater privilégios
e sobretudo colocar um pouco de freio (insuficiente a meu ver) à ganância e à
ditadura do capital financeiro e do “mercado”.
É esta a razão do meu voto para outro projeto de país,
que atende às demandas sempre negadas às grandes maiorias. É por isso, que
votei Dilma no primeiro e o farei no segundo turno, respeitando as ponderações
e escolhas dos que enxergam um caminho diferente e viável para o momento atual”
disse Beozzo. É esse também o meu pensamento.
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