15 outubro 2014, Redecastorphoto http://redecastorphoto.blogspot.com (Brasil)
14/10/2014,*Mike Whitney entrevista The
Saker, Counterpunch
Traduzido pelo pessoal da Vila
Vudu
Mapa regional atualizado (29/9/2014, WPost)
“The Saker” é analista militar,
nascido na Europa, filho de refugiados russos. Hoje vive na Flórida, de onde
escreve o blog The Vineyard
of the Saker e
é colaborador regular de Rússia Insider. A comunidade internacional dos
blogs do Saker inclui, além do original, membros franceses, alemães, russos, da
Oceania, sérvios, e latino-americanos; e passa agora a contar também com um
membro norte-americano – Mike Whitney.
Mike Whitney: Os EUA são responsáveis pelos problemas na Ucrânia?
The Saker: Sim,
são absolutamente responsáveis, não há dúvida alguma. Embora seja verdade que o
povo ucraniano estava infeliz com o regime corrupto de Yanukovich, o golpe
propriamente dito foi, com absoluta certeza, orquestrado pela CIA. A União Europeia também se
envolveu, especialmente a Alemanha, mas não tiveram, nem de longe, papel tão
importante quanto o dos EUA. As conversas
telefônicas gravadas de Victoria Nuland (subsecretária de
Estado dos EUA) mostram quem realmente estava mandando, por baixo dos panos.
Mike Whitney: Que papel o governo Obama tem na
decisão de Kiev, de desencadear uma guerra contra o próprio povo no leste da
Ucrânia?
The Saker: Tem
um papel central. Você tem de entender que não há poder “ucraniano” em Kiev.
Poroshenko é 100% comandado pelos EUA, assim como o pessoal que o cerca. O
diretor da conhecida polícia secreta ucraniana (SBU), Valentin
Nalivaichenko, é conhecido agente daCIA. Também é verdade que os EUA
referem-se a Poroshenko como “nosso insider na Ucrânia”. Todas as suas ditas
“decisões” são tomadas por funcionários dos EUA em Kiev. Quanto ao discurso de
Poroshenko ao Congresso [dos EUA] há algumas semanas, obviamente foi redigido
por norte-americanos.
Mike Whitney: Os separatistas no leste têm
conseguido repelir o exército ucraniano e seus contraparte neonazistas nos
serviços de segurança. Que papel tem a Rússia na assistência às milícias
novorussas?
The Saker: O
papel da Rússia foi crítico. Apesar de não haver tropas russas na fronteira,
Moscou permitiu que voluntários e armas entrassem na Ucrânia. E embora a ajuda
não tenha sido dada diretamente pelos Serviços Federais de Segurança da Rússia
(FSB) nem pelos militares, foi dada, sim por vários grupos privados.
Claramente, o Kremlin tem o poder de ajudar quando decidir fazê-lo. Em outra
instância, parece ter havido apoio direto de artilharia através da fronteira
russa (no chamado “caldeirão sul”), mas a ajuda aí foi clandestina. Além dessa
ajuda clandestina, a Rússia também forneceu inteligência, logística e apoio
político aos novorussos. Sem o apoio russo, os novorussos nunca teriam
conseguido virar a maré da guerra.
Mike Whitney: Putin mandou tropas russas à Crimeia e
tomou ilegalmente aquela área, ou essa é mais uma ficção propagandeada pela
imprensa-empresa ocidental?
The Saker: Na
verdade, é uma tecnicalidade. Sim, Putin mandou tropas russas à Crimeia, mas,
não, essas tropas não excederam os limites fixados pelos acordos vigentes entre
Rússia e a Ucrânia. Não esqueça que a Frota do Mar Negro já tinha
Quartel-General em Sebastopol, o que significa que sempre houve muitos soldados
disponíveis lá mesmo. Além disso, houve grande número de voluntários locais
para completar as operações essenciais. Alguns desses voluntários foram tão
convincentes, que foram tomados por soldados das Forças Especiais Russas. Mas,
sim: no momento crítico, Putin enviou, sim, forças especiais adicionais à
Crimeia.
Se foi operação legal? Bem,
tecnicamente não se violaram tratados em termos de número, mas, sim, a
soberania da Ucrânia foi violada. A razão pela qual Moscou fez o que fez foi
prova muito sólida de que Kiev planejava mover-se contra a Crimeia (talvez envolvendo
a Turquia e tártaros crimeanos). Se Putin não tomasse aquela iniciativa,
naquele momento, o banho de sangue poderia ser ainda pior, na Crimeia, do que
na Novorússia. Além disso, quando Putin tomou a decisão de proteger a Crimeia,
o presidente democraticamente eleito (Yanukovich) já havia sido derrubado, o
que criava um vácuo legal em Kiev. Assim sendo, a pergunta é: Putin deveria
ter-se norteado por leis de um país cujo governo já fora tomado por uma gangue
de bandidos armados, ou tinha de tentar manter a paz fazendo o que fez?
O que Putin escolheu fazer permitiu
que o povo da Crimeia decidisse sobre o próprio futuro e votasse livremente num referendum. Sim, a propaganda
anglo-sionista diz que eles foram forçados a votar “sob a mira de uma pistola”.
Mas não foram. Isso é bobagem. Ninguém desmente o fato de que vasta maioria de
crimeanos (95%) queriam separar-se da Ucrânia e se reintegrarem à Rússia. Tudo
que os “homens vestidos de verde, armados e bem educados” fizeram foi
possibilitar, para o povo, exercer o próprio direito de autodeterminação, coisa
que a junta em Kiev nunca teria permitido.
Mike Whitney: Que influência tem Obama sobre o
processo de tomar decisões do presidente Petro Poroshenko da Ucrânia? É
Washington quem está realmente dirigindo o show?
The Saker: Sim,
totalmente. Obama manda, e Poroshenko obedece.
Exatamente como fazem por toda
parte, os EUA usam oligarcas locais para colonizar um país. Vejam o exemplo da
Rússia entre 1991 e 1999. O país estava sendo governado pelos oligarcas,
ocultados por um “representante” permanentemente embriagado (Boris Yeltsin).
Todos sabem que a Rússia se tornara colônia norte-americana e que os EUA podiam
fazer o que quisessem. É o que acontece hoje na Ucrânia.
Yanukovich nunca foi mais pró-Rússia
que qualquer dos demais presidentes da Ucrânia. Não passa de um oligarca que
foi substituído por outro oligarca, Poroshenko. Esse último é homem espertíssimo,
que sabe que sua sobrevivência depende de total obediência ao Tio Sam.
Eu não descartaria a possibilidade
de os EUA derrubarem Poroshenko e porem lá outro qualquer, se interessar aos
objetivos dos EUA (especialmente se o Setor Direita (Pravy Sektor) tomar o
poder em Kiev). Por enquanto, Poroshenko é o homem de Washington, mas isso pode
mudar num piscar de olhos.
Mike Whitney: O governo de Obama está mais próximo ou mais distante de conseguir
o seu objetivo de implantar bases da OTAN (e, talvez, silos de mísseis) na
Ucrânia? Que perigo há aí, para Moscou?
The Saker: O
único local em que bases da OTAN realmente fazem sentido é na Crimeia. E essa
possibilidade já não existe. Mas há mais coisas nessa questão do que a vista
alcança, quer dizer, se os EUA insistirem na política de provocação de
estabelecer bases da OTAN na fronteira russa, nesse caso a Rússia se retirará
do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Médio [orig. INF Treaty (Intermediate-Range
Nuclear Forces Treaty)] e instalará versões avançadas do SS-20 (o Míssil Balístico Soviético Nuclear)
mais perto da Europa. A questão aí é que a intromissão dos EUA pode levar a um
confronto entre vários adversários armados com bombas atômicas.
Mike Whitney: A Comissão Europeia criou vários obstáculos para impedir a Rússia
de construir o gasoduto Ramo Sul [orig. Southstream] que
diversificará as vias de exportação do gás natural, da Rússia para a Europa
Central e do Sul. Críticos disseram que o governo Obama está por trás disso, e
que as poderosas gigantes da energia dos EUA querem ou bloquear ou controlar o
fluxo de energia da Rússia para a Europa. É esse o contexto mais amplo dos
problemas na Ucrânia, quero dizer, estamos realmente assistindo a uma guerra de
energia em tempo real?
The Saker: Esse
é um componente importante da equação, mas não é o central. A questão central é
a crença errada (ideia de Zbigniew Brzezinski), de que sem a Ucrânia a Rússia
não poderia ser uma superpotência; e outra crença igualmente errada (ideia de
Hillary Clinton) de que Putin desejaria recriar a União Soviética. Para os
anglo-sionistas, a Ucrânia é jogo de soma zero, no qual ou os EUA controlam a
Ucrânia ou os EUA destroem a Ucrânia. Em nenhum caso admitem que a Rússia
“conserve” a Ucrânia. O problema com essa teoria é que a Rússia de fato nem
quer nem precisa da Ucrânia. O que a Rússia quer é um parceiro estável,
confiável e neutro, com o qual seja possível fazer negócios. Mesmo agora,
enquanto os novorussos reivindicam independência total, a Rússia continua a
trabalhar num plano totalmente diferente. Moscou quer uma Ucrânia unida, na
qual as regiões tenham autonomiade-facto, sem deixarem de ser parte de
um mesmo estado.
Os poderosos no ocidente são tão
maniacamente obcecados pela ideia de controlar a Ucrânia, que não conseguem ver
que a Rússia não quer o mesmo que eles querem. Mas fato é que a Rússia não quer
a Ucrânia. A Rússia absolutamente não precisa de um estado falido, falhado,
quebrado, disfuncional com problemas sociais massivos, cuja reconstrução
consumira bilhões e bilhões de dólares.
Sim, há laços culturais, históricos,
religiosos e até laços de família entre Rússia e a Ucrânia, mas isso não
significa que os russos queiram governar a Ucrânia. A Rússia já tem a parte que
lhe interessava, a Crimeia. Quanto ao resto, a atitude de Moscou é “Vocês
quebraram tudo, vocês que fiquem com os cacos”.
Mike Whitney: Qual é o fim desse jogo? Poroshenko
conseguirá manter a Ucrânia unida e isolar ainda mais a Rússia, da Europa? Ou a
Ucrânia rachará ao longo de linhas de divisão política? Ou há algum outro
cenário que você considere mais provável?
\
The Saker: A
Crimeia foi-se para sempre. A Novorússia, também. Mas no caso da Novorússia
pode haver uma fase de transição, durante a qual Kiev conserva algum grau de
soberania sobre áreas no leste.
No curto prazo, pode ainda haver
mais lutas, mas haverá um acordo, pelo qual a Novorussia receberá alguma coisa
bem semelhante à independência. Uma coisa é certa: antes de chegar-se a
qualquer acordo sobre o status final, duas questões terão de ser
resolvidas:
1– É necessária uma mudança de
regime em Kiev, seguida de um processo de des-nazificação.
Nem Rússia nem Novorússia estarão
jamais seguras enquanto os nazistas estiverem no poder em Kiev. Significa que
aqueles doidos nacionalistas russofóbicos têm de ser removidos ante de que as
questões do status final possam ser resolvidas. Russos e novorussos estão,
pode-se dizer, divididos quanto a isso. Os novorussos querem a independência e
dizem “os nazistas em Kiev que vão para o inferno”; o Kremlin quer mudança de
regime e considera-a crucial para sua segurança nacional. Teremos de esperar e
ver como isso tudo se desdobrará no futuro.
2– Tem de haver uma conferência de
doadores.
A Ucrânia está basicamente morta,
foi reduzida a ruínas. Serão necessários anos para reconstruí-la e quantidades
imensas de dinheiro. EUA, União Europeia e Rússia terão de contribuir. Se os
anglo-sionistas persistirem na abordagem maximalista e continuarem a apoiar a
junta nazista em Kiev, os russos não pagarão um copeque. E toda a
ajuda russa irá exclusivamente para a Novorússia.
Mais cedo ou mais tarde, EUA e União
Europeia descobrirão que precisam da ajuda russa. Quando finalmente se derem
conta disso, poderão trabalhar juntos e alcançar um acordo político amplo. No
momento, os EUA e a UE estão mais preocupados com “castigar” Putin (mediante
sanções econômicas e pelo isolamento político) para provar que ninguém pode
desafiar o Império. Mas esse tipo de comportamento de provocação e bullying não muda a realidade em campo. O
ocidente precisa da cooperação russa, mas a Rússia não cooperará sem condições.
Os EUA terão de satisfazer algumas condições, antes que Moscou aceite qualquer
acordo.
UCRÂNIA: “Foi-se para sempre”
Embora ainda seja cedo para dizer,
acho que a Ucrânia como a conhecemos acabou-se para sempre. A Crimeia continuará,
como parte da Rússia; e a Novorússia será independente e provavelmente entrará
em algum tipo de associação com a Rússia. Quanto ao resto da Ucrânia, está
condenada a ser palco de um confronto entre os vários oligarcas e os nazistas,
depois do qual aparecerão os pragmáticos, que abrirão caminho para um acordo.
Eventualmente haverá algum tipo de acomodação, e um novo estado emergirá. Mas
não consigo nem imaginar quanto tempo demorará até que tudo isso aconteça.
Quem quiser, encontrará análise mais
sistemática desses pontos em redecastorphoto,
29/9/2014, O império anglo-sionista está em
guerra contra a Rússia (traduzido).
*Mike Whitney é um escritor e jornalista norte-americano que dirige sua
própria empresa de paisagismo em Snohomish (área de Seattle), WA, EUA. Trabalha
regulamente como articulista freelance nos últimos 7 anos. Em 2006
recebeu o premio Project Censored por uma reportagem investigativa
sobre a Operation FALCON, um massiva, silenciosa e criminosa operação
articulada pela administração Bush (filho) que visava concentrar mais poder na
presidência dos EUA. Escreve regularmente emCounterpunch e vários outros
sites. É co-autor do livro Hopeless:
Barack Obama and the Politics of
Illusion (AK Press) o qual também está disponível em Kindle
edition.
Recebe e-mails por: fergiewhitney@msn.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário