20 outubro 2014, Brasil de Fato http://www.brasildefato.com.br
(Brasil)
Coordenador do MST* João Pedro
Stédile explica apoio à Dilma
Joana Tavares, de Belo Horizonte (MG)
Dezenas de movimentos sociais urbanos e rurais do país
discutem desde o ano passado o posicionamento frente às eleições presidenciais.
Neste segundo turno, apesar de apontarem os limites do projeto
neodesenvolvimentista dos governos do PT, decidiram de forma conjunta o apoio à
candidata à reeleição, Dilma Roussef (PT). Nesta entrevista, João Pedro
Stédile, da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST) e da Via Campesina, explica os motivos para o apoio, analisa o que
pode significar para o país o retorno ao neoliberalismo e aponta como um
segundo governo Dilma poderia avançar em mudanças.
Brasil de Fato - Este segundo turno se dá entre dois
projetos: o neoliberalismo, representando na candidatura de Aécio Neves, e o
neodesenvolvimentismo, na candidatura Dilma. O que significaria para o país o
retorno ao neoliberalismo?
João Pedro Stédile - Se o Aécio ganhasse seria uma tragédia para a imensa
maioria do povo. Na economia seria a hegemonia do capital financeiro, das
empresas transnacionais e do agronegócio. Nas políticas sociais seria a volta
da prática de que o mercado é que resolve, a volta do Estado mínimo, como foi
nos governos de FHC e no governo Aécio em Minas. Viria assim uma desvalorização
dos salários e das conquistas, além de um controle direto da direita no poder
judiciário e na mídia, aumentando a repressão sobre os movimentos sociais. Na
política externa, seria o realinhamento subordinado aos Estados Unidos e o
desmantelamento do Mercosul, da Unasul e
Celac. Nessas circunstâncias, se
geraria um período de muitos confrontos, de muita instabilidade. Por isso não
há menor dúvida, para defender os interesses da classe trabalhadora, é preciso
derrotar a candidatura Aécio Neves.
Há um desejo difuso por mudanças, do qual a
candidatura do PSDB tem tentado se apropriar. Como um segundo governo de Dilma
poderia abarcar essas mudanças?
O povo quer mudanças, mas mudanças para melhorar de
vida. Mudanças para que o Estado assuma com maior determinação a solução dos
problemas do povo. Nós temos ainda muitos desafios, como a universalização do
acesso dos jovens à universidade. Os governos Lula e Dilma dobraram o acesso de
6 para 15% da população jovem, porém é preciso pensar nos outros 85%. Há ainda
8 milhões de déficit de moradias dignas. Falta reforma agrária, falta educação de
qualidade e valorização dos professores do ensino médio. Queremos a redução da
jornada de trabalho para 40 horas. E é preciso retomar a industrialização do
país, única forma de aumentar os bens e criar mais empregos de qualidade. São
feitas muitas críticas aos 12 anos do governo do PT, por não enfrentar reformas
estruturais, inclusive a reforma agrária.
Quais os principais limites desse projeto
neodesenvolvimentista levado a cabo por Lula e Dilma?
Os principais limites do neodesenvolvimentismo é que
ele era um programa para que todos ganhassem. Mas os bancos, as construtoras e
o agronegócio foram os que mais ganharam. A dependência da economia ao capital
internacional impediu que o governo tivesse forças para controlar a taxa de
juros e a taxa de câmbio e fizesse uma reforma tributária para que as grandes
fortunas e os ricos pagassem a conta. Um governo de composição de classes até
pode dar certo eleitoral e politicamente, mas não consegue ter forças para
fazer as reformas estruturais, nas quais as classes proprietárias percam parte
de seus privilégios. E foi isso que aconteceu. Diante do impasse, parte da
burguesia que antes estava no governo já caiu fora. Por isso, uma vitória de
Dilma para um segundo mandato representaria uma nova coalizão de forças sociais,
mais de centro-esquerda, que pode exigir mudanças que resolvam os problemas do
povo.
O Congresso eleito é ainda mais conservador que o
anterior. O que isso significa para o avanço das pautas mais populares?
O novo Congresso foi resultado daquilo que chamamos de
sequestro da democracia brasileira por 117 empresas, que gastaram R$ 4 bilhões
para financiar seus candidatos e os elegeram. Daí a crise de representação de
todos os partidos, pois agora os eleitos devem mais obrigação aos seus
financiadores do que às siglas. O que aparece no Congresso é o espelho de uma
crise política e ideológica maior, que afeta a atividade política e a
democracia.
Dilma sinalizou que apoia a convocação de uma
Assembleia Constituinte para a reforma do sistema político. Como essa reforma
pode melhorar a vida do povo?
É preciso colocar em primeiro lugar a reforma política
que vai mexer em todo o sistema, e não apenas no financiamento das campanhas ou
das listas de candidatos. Vai mexer também no Congresso, no judiciário e nos meios
de comunicação. O caminho para isso é necessariamente uma assembleia
constituinte, que teria que ser aprovada por meio de um plebiscito legal.
Paralelamente, devemos incentivar, estimular e seguir colocando o máximo de
energias na luta social. Porque somente conquistaremos a assembleia
constituinte, somente conseguiremos implementar as reformas estruturais, se
houver um novo período de reascenso do movimento de massas em todo o país.
Portanto, teremos uma intensa luta política nos próximos quatro anos.
*MST: Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra
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