quarta-feira, 5 de junho de 2013

Brasil/‘Y-JUCA-PIRAMA - O ÍNDIO: AQUELE QUE DEVE MORRER’



4 junho 2013, ADITAL Agência Frei Tito para a America Latina http://www.adital.com.br (Brasil)

Ivo Lesbaupin


Este é o título do "documento de urgência” assinado por um grupo de bispos e missionários divulgado em 1973. Estávamos no quarto ano do governo Médici, o pior período da ditadura civil-militar de 1964. O documento era uma denúncia da política indigenista do regime que, imbuído de uma concepção desenvolvimentista, de "Brasil Grande”, queria a todo custo construir o conjunto de estradas que atravessaria a Amazônia, a Transamazônica. Várias destas estradas cortavam terras indígenas. O governo lidou com este empecilho passando por cima dos povos indígenas que ousaram se contrapor a tais obras.

Os autores do documento afirmam: "Essa calamidade, porém, se justifica dentro da visão do sistema "pois o Parque Nacional do Xingu não pode impedir o progresso do país”, como afirmou o presidente da FUNAI, General Bandeira de Mello (Revista Visão, 25/04/1971)”. E mais adiante: "Referindo-se às diretrizes da FUNAI para 1972, (o General) voltou a ressaltar que o índio não pode deter o desenvolvimento” (O Estado de São Paulo, 26/10/1971).

A história parece estar se repetindo.


Em primeiro lugar, contrariando a posição que tinha enquanto candidato, o governo Lula ressuscitou um projeto do tempo da ditadura, a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu. Este projeto, iniciado em 1975, foi interrompido em 1989, em razão da resistência dos povos indígenas. O Banco Mundial, que financiaria a construção, desistiu da obra. Somente se voltou a ouvir falar neste projeto quase vinte anos depois, no primeiro mandato do governo Lula.

O projeto foi remodelado para reduzir a obra de cinco usinas para apenas uma, de modo a torná-lo palatável. Mesmo no novo formato, a usina afetará seriamente o rio Xingu, deixando o trecho conhecido como "Volta Grande” -cerca de cem quilômetros– reduzido a um riacho. O habitat dos povos indígenas e dos ribeirinhos será gravemente atingido.

Houve inúmeras tentativas de povos indígenas, de movimentos sociais, de setores da Igreja católica, inclusive do bispo local, D. Erwin Kräutler, de demover o governo deste projeto. O Ministério Público Federal do Pará por várias vezes determinou a suspensão da obra. A cada medida judicial contrária ao projeto, o governo interpôs outras medidas para mantê-lo.

O IBAMA considerou que havia razões ambientais suficientes para não liberar a obra. Para afastar o IBAMA do caminho, o governo dividiu a instituição em duas. Não foi o bastante: foi preciso afastar também alguns técnicos que insistiam em ver problemas na realização da obra.

A licença para construir incluiu uma série de condicionantes: a empresa responsável deveria oferecer à população local melhorias em infraestrutura, em saúde, em educação, assim como garantir condições dignas de trabalho para os operários. A empresa cumpriu menos de 20% dos condicionantes, porém a obra continua e os empréstimos do BNDES são regularmente concedidos. Embora ciente do descumprimento desta parte do contrato (os condicionantes), o governo não interfere. Mas toda vez que os operários interromperam o trabalho ou os indígenas protestaram, a intervenção foi imediata.

Não contente com a usina de Belo Monte, o governo incluiu no PAC a construção de 28 usinas hidrelétricas nos rios da Amazônia: desde Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, até cinco usinas projetadas no Tapajós. Em cada um destes lugares, enfrentou-se com a resistência dos povos indígenas.

Mas o governo não recuou. Para garantir a realização de seus projetos e dos estudos ambientais que os precedem, o governo instituiu a possibilidade de uso de tropas – a Força Nacional – para obrigar os indígenas à submissão. A justificativa é a mesma: o índio não pode atrapalhar o progresso do país.

O que está em questão tanto na época da ditadura quanto hoje é a concepção de desenvolvimento. Para a política dominante, desenvolvimento é crescimento econômico: produzir cada vez mais, o que supõe aumento da demanda de energia. Portanto, o Brasil tem de produzir mais energia elétrica. No entanto, frente à gravidade da situação ambiental no planeta, dos riscos que corremos se continuarmos este sistema de expansão da produção e do consumo, a própria concepção de desenvolvimento deve ser repensada. O modelo produtivista-consumista tem de ser superado.

Outro forte argumento dos que se opõem à construção das hidrelétricas na Amazônia é que não temos mais necessidade deste tipo de fonte de energia. As hidrelétricas existentes, se forem reponteciadas, já terão como resultado um aumento significativo da energia produzida. Em segundo lugar, o Brasil dispõe de fontes renováveis de energia, tais como o sol, os ventos, as ondas do mar. Nós não precisamos nem de novas usinas hidrelétricas nem de energia nuclear, como o demonstram estudos de especialistas(1).
Na Alemanha, durante anos os governos defenderam que s energia nuclear era imprescindível como fonte de eletricidade. Depois da tragédia de Fukushima, o governo alemão cedeu e desistiu deste caminho: não construirá mais usinas nucleares e vai pouco a pouco desativar as usinas existentes. Está investindo seriamente em energia solar e eólica.

Porém o desprezo em relação aos povos indígenas não se limita ao caso das hidrelétricas, de per si extremamente grave. Soma-se a isso a tragédia vivida pelo povo guarani-kaiowá, de Mato Grosso do Sul, obrigado a viver em locais exíguos ou na beira da estrada, constantemente submetidos a investidas armadas de jagunços ou da polícia local a serviço dos fazendeiros. Aí o conflito é motivado pela ganância dos fazendeiros, do agronegócio, desejosos de se apropriar das terras indígenas. Como diz o jornalista Washington Novaes:

"Enquanto isso, parece iminente a ameaça de conflito armado entre 45 mil índios caiovás-guaranis e fazendeiros que disputam suas terras em MS. É tema sobre o qual o autor destas linhas escreve há décadas. Centenas deles já morreram nos conflitos. E um jovem guarani suicidou-se no dia seguinte ao de seu casamento; enforcou-se numa árvore e deixou escrito na terra, sob seus pés: "Eu não tenho lugar" ("Os índios, a legislação e quem a desrespeita”- O Estado de S.Paulo, 31/05/2013). Estas linhas já estavam escritas quando mais um índio foi assassinado no mesmo estado, desta vez da etnia Terena, numa ação de reintegração de posse em favor de fazendeiros de que participaram a polícia federal e a polícia militar do Mato Grosso do Sul.

Hidrelétricas, mineradoras, agronegócio, desenvolvimentismo, neodesenvolvimentismo versus direitos dos povos indígenas: qual a diferença entre a política indigenista do atual governo e aquela da ditadura de 1964?

Nota:
(1) Cf. Greenpeace Brasil. [R]evolução energética – a serviço de um desenvolvimento limpo. (www.greenpeace.org.br , dez. 2010) e WWF. The energy report – 100% renewable energy by 2050. (www.wwf.org , out. 2010).


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Brasil/Cimi: NOVO GENOCÍDIO AMEAÇA POVOS INDÍGENAS DO PAÍS
29 maio 2013, ALAI América Latina en Movimiento http://alainet.org (Brasil)

De acordo com o relatório do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá.

O aumento dos casos de violência que envolvem, de um lado, latifundiários e grileiros e, de outro lado, lideranças e povos indígenas do Brasil, apontam para um novo genocídio. É o que denuncia o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), um órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

De acordo com o relatório sobre a violência que atinge os povos indígenas, somente entre 2003 e 2011 foram assassinados 503 índios, dos quais 273 são do povo Guarani Kaiowá. Os índios Kaiowá chegaram a publicar uma carta que foi traduzida e divulgada em todo o mundo:

“Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos em ser mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção: esta é a ultima decisão unânime diante do despache da Justiça”.

“Se for para a gente se entregar – afirma a carta – nós não nos entregaremos fácil. É por causa da terra que estamos aqui; nós estamos unidos com o mesmo sentimento e com a mesma palavra para morrermos na nossa terra. Esta terra é nossa mesma! Os brancos querem nos atacar. Por isso nós dizemos: morreremos pela terra! Mas a ideia da gente se matar, ou se suicidar, nós não iremos fazer. Nós morreremos, se os fazendeiros nos atacarem. Aí poderemos morrer!”.

Processos
O município de Aral Moreira, no sul do Mato Grosso do Sul, lidera as estatísticas oficiais da violência contra os indígenas; nela, vivem 43 mil indígenas Guarani Kaiowá. Dos 43 mil, 32 mil vivem nessa área. A Justiça do Mato Grosso do Sul já examina mais de 100 processos que tratam da violência que envolvem os índios e os grandes fazendeiros. Entre os Kaiowá mortos, entre 2000 e 2011, 555 Guarani Kaiowá suicidaram-se. A grande maioria enforcou-se.

De acordo com o CIMI, os conflitos pela terra, desde os anos 70, vêm representando um verdadeiro extermínio, com muitos indígenas feridos, torturados e humilhados pelos grandes latifundiários. Muitos índios tiveram que deixar sua condição de povos indígenas, para se tornarem “caboclos”, o que vem gerando a perda de territórios, para a criação dos seringais e sobretudo, a perda da identidade do povo indígena e de sua dignidade. Apesar dos crimes por encomenda, praticados por fazendeiros contra os Guarani Kaiowá, denuncia o CIMI, nenhum não-indígena cumpre pena de prisão por ter matado um índio, mesmo com provas contundentes, ou testemunhas idôneas e réus confessos.

Numa ação clandestina conta a comunidade indígena Guaiviry, no município de Aral Moreira, no Mato Grosso do Sul em 18 de novembro de 2011, os fazendeiros orientaram os capangas para chegarem atirando, a começar contra as crianças, jovens e pessoas idosas. Na invasão da terra indígena, foram utilizadas seis armas calibre 12 com balas de borracha e moedas. De acordo com a Policia Federal, as moedas usadas nos canos das armas ferem mais, têm mais impacto e são mais letais.

Em reação a esse quadro de genocídio, as redes sociais da internet criaram a campanha “Somos todos Guarani Kaiowá”. Nessa iniciativa solidária, no Facebook, os internautas acrescentaram o nome do povo Guarani Kaiowá ao seu próprio sobrenome.


http://alainet.org/active/64317

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Brasil/AGENDA DE DILMA REVELA OPÇÃO DO GOVERNO

31 maio 2013, Brasilia em Pauta http://brasiliaempauta.com.br (Brasil)

Por Cleber César Buzatto*

É público e notório o fato de que os povos indígenas vivem, no Brasil, o momento mais difícil, de maior ataque e violação aos seus direitos, desde o período da ditadura militar. A agenda oficial da presidenta Dilma Rousseff, passados mais de dois anos de seu mandato, considerando de forma particular o mês de maio de 2013, nos oferece um qualificado indicativo para entendermos o grau de envolvimento do governo brasileiro na conjuntura político indigenista e agrária no Brasil. Neste sentido, julgamos importante citar alguns dos compromissos oficiais da presidenta, neste mês, que consideramos intimamente vinculados ao tema. 

No dia 03 de maio, Dilma participou da abertura oficial da Exposição de Gado Zebu, a Expozebu, em Uberaba, Minas Gerais (MG). Na ocasião, Pelé, “embaixador” da campanha do Time AgroBrasil, promovida pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e Sebrae, entregou à presidenta da República o título de sócio nº 20.000 da Associação Brasileira de Gado Zebu. Ao lado de Pelé e Dilma, dentre outros, estava a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (PSD/TO), representante máxima do ruralismo anti-indígena no Brasil. 

No dia 08 de maio, a presidenta se reuniu com a Ministra da Casa Civil, Gleise Hoffmann. A audiência ocorreu momentos após a Ministra ter prometido, à bancada ruralista e a uma claque de latifundiários representantes de sindicatos vinculados à CNA, em audiência na Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, que o governo suspenderia procedimentos de demarcação de terras indígenas, com base em estudos da Embrapa, e mudaria o procedimento de reconhecimento e demarcação destas terras. A mesma ministra voltou a prometer suspensão de demarcações a políticos e “produtores” rurais do estado do Rio Grande do Sul (RS) no dia 23 de maio - no seu estado natal, o Paraná, a suspensão de demarcações foi solicitada ao Ministério da Justiça no dia 07 de maio.

Ainda no dia 08 de maio, a presidenta esteve reunida, no Palácio do Planalto, com  Fábio Barbosa, presidente-executivo do Grupo Abril S/A. Não custa lembrar que o Grupo Abril S/A controla, dentre outros veículos de comunicação, a revista Veja, histórica defensora das teses do agronegócio, aliada de primeira hora da ditadura militar e violenta algoz dos povos indígenas, entidades indigenistas e movimentos sociais do campo no Brasil. 

Na agenda oficial consta ainda que, no dia 20 de maio, Dilma visitou a Associação de Fornecedores de Cana de Pernambuco, em Recife, e que, no dia 28 de maio, recebeu, em audiência particular, no Palácio do Planalto, a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (segundo encontro em menos de um mês). 
Há mais de dois anos, representantes dos 305 povos indígenas do Brasil pedem uma audiência com Dilma Rousseff. Em abril, cerca de 700 representantes destes povos chegaram a ocupar a parte externa do Palácio do Planalto cobrando uma conversa com Dilma. Até o momento, no entanto, a presidenta não encontrou tempo em sua agenda para qualquer reunião oficial com os líderes indígenas. No entanto, como podemos ver acima, em menos de um mês, Dilma dedicou seu tempo de presidenta da República para, ao menos, cinco agendas oficiais com o agronegócio e seus representantes políticos. Representantes estes responsáveis por dezenas de instrumentos de ataque aos direitos dos povos indígenas previstos na Constituição Brasileira, a exemplo das Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) 215/00, 038/99 e 237/13 e do Projeto de Lei (PL) 1610/96.

Há mais de dois anos, os Guarani e Kaiowá, do Mato Grosso do Sul (MS), tentam, sem sucesso, serem ouvidos por Dilma. Em menos de um mês, Dilma reservou tempo para falar cinco vezes com porta-vozes dos invasores das terras tradicionais deste povo. Vale ressaltar que a invasão das terras indígenas por latifundiários foi a causa central das 852 mortes violentas de indígenas no Mato Grosso do Sul, nos últimos 10 anos, dentre elas as de Nísio Gomes, do tekoha Guaiviry, em novembro de 2011, de Eduardo Pires, do tekoha Arroio Kora, em agosto de 2012, e a do jovem Denilson Barbora, da aldeia Te'Yikue, em janeiro de 2013.

Dilma parece nem cogitar a possibilidade de usar parte de seu tempo de presidenta da República para sair do Palácio e falar com os povos na ocupação do canteiro de obras da UHE Belo Monte, em Altamira (PA), que pedem para serem ouvidos acerca de decisões que dizem respeito à sua existência futura enquanto povos. Mas Dilma reservou tempo suficiente, neste mês de maio, para visitar, falar e ouvir os donos de gado zebu, em Uberaba (MG), e os donos de canaviais, em Pernambuco.

Em mais de dois anos de mandato, Dilma ainda não falou com os povos indígenas. Ela é a única presidente desde a época da ditadura a não recebê-los. No entanto, em menos de um mês, ela teve tempo para falar, pelo menos, cinco vezes com seus algozes. A agenda da presidenta Dilma revela a opção do governo. 

*Cleber César Buzatto é Secretário Executivo do Cimi.

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