19 abril 2013, Pátria Grande
http://www.patriagrande.com.ve (Venezuela)
Daniel
Mello
Repórter
da Agência Brasil
São Paulo
– Quando era professor, Olivio Jekupe precisava provar para os alunos que tinha
conhecimento da disciplina para que os estudantes passassem a respeitá-lo.
“Quando eles duvidavam, eu começava a falar difícil e eles não entendiam nada”,
relembra sobre a época em que precisou lecionar para se sustentar como
estudante de filosofia. Hoje, é Olivio que se preocupa com a preparação dos
professores. Na semana em que lança o seu 12º livro de literatura, o índio
guarani defende a difusão das obras escritas por indígenas como forma de
embasar o estudo da história e da cultura desses povos nas escolas.
“Os
professores vão ter que falar sobre nós. O que eles vão falar? Se não têm
assunto, eles vão falar um monte de besteiras sobre a gente. Então, por isso,
que é importante o surgimento dos escritores indígenas”, diz Olivio a respeito
do cumprimento da Lei 11.645 de 2008, que determina a inclusão das culturas
negra e indígena no ensino médio e fundamental.
Nascido
em 1965, em Nova Itacolomy, interior do Paraná, Olivio começou a estudar
filosofia em 1988, na Pontifícia Universidade Católica de Curitiba. Morava de
favor com uma família da etnia Kaingang e vendia artesanato para se sustentar.
Encorajado pelos amigos, começou a dar aulas para o ensino fundamental. Com
dificuldades financeiras, veio para a capital paulista, para estudar
gratuitamente na Universidade de São Paulo (USP). Apesar de ter investido mais
quatro anos na filosofia, não conseguiu concluir o curso. “Vim para a USP
porque era de graça, mas piorou, ficou mais caro, porque na USP o curso de
filosofia é muito pesado. Na USP você tem que ler muito e gasta em tudo”,
lamenta.
Olivio
permaneceu na cidade e se consolidou como escritor. Atualmente, não só escreve,
como incentiva outros índios nos rumos da literatura. Assim, ele acredita que
vai conseguir derrubar as mentiras que foram ditas contra os povos da terra ao
longo dos últimos séculos. Inverdades concretas nos monumentos que adornam a
cidade de São Paulo “É um absurdo. Você passa em Santo Amaro e vê o
[bandeirante] Borba Gato. Depois tem o [bandeirante] Anhanguera. A história
mostra que eles eram grande heróis porque matavam índios” reclama. “É por isso
que a literatura [feita pelo] índio aos poucos vai chegando e os escritores
indígenas vão começar a desmascarar essa coisa”.
Morador
da aldeia guarani Krukutu, em Parelheiros, extremo sul da capital paulista,
Olivio conta que ao montar a sua última coletânea, As Qeixadas e Outros
Contos Guarani, incluiu entre os escritores até mesmo a própria mulher, que é
analfabeta.
Segundo
ele, uma forma de adaptar os contadores de história guarani aos novos tempos.
“Havia os
índios com o dom de guardar as histórias na cabeça, não é todo mundo que tem
esse dom”.
Para ele,
a incorporação dos saberes e das tecnologias dos brancos é uma maneira de
defender a cultura dos povos tradicionais. “Quando não tinha nada disso, eles
falavam que o índio é atrasado. Quando a gente começa a pegar tudo isso, eles
falam que o índio é aculturado, que está perdendo a cultura. Não, não está
perdendo. Essas coisas que a gente usa hoje são uma forma de defesa”, disse na
entrevista à Agência Brasil, que foi marcada pelo Facebook.
Segundo o
escritor, as bases da cultura indígena são a língua e a religião. Se isso for
mantido, todo o resto pode ser usado para fortalecer a comunidade. Ele compara
o uso das tecnologias pelos índios à maneira como os brancos se apropriaram dos
saberes tradicionais dos índios, como a farinha de mandioca, a pamonha e o hábito
de dormir em redes. “A tecnologia que os brancos inventaram a gente tem que
usar para o bem.
Assim
como os brancos pegaram muita coisa dos índios e não fez mal”, enfatiza. “Temos
computador, tem gente com celular, tem gente com Facebook, com e-mail. Hoje, a
gente usa tudo isso, às vezes melhor do que os brancos”.
Olivio
explica que, além da literatura indígena, a aldeia tem outras ações para
difundir a cultura guarani. “A gente tem um coral. A escola que quiser é só
entrar em contato com a gente, que nós vamos até a escola, damos uma palestra e
fazemos uma apresentação do coral para as pessoas entenderem como é a música
guarani”, ressalta, sobre o trabalho que é gerido pela associação da
comunidade.
A
organização jurídica formal foi a maneira encontrada pelos moradores da Krukutu
de fortalecer a liderança tradicional do cacique e também garantir autonomia da
aldeia, poder tratar dos próprios negócios sem intermediação da Fundação
Nacional do Índio (Funai).
A TV
Brasil veicula nesta semana uma série de reportagens em comemoração ao Dia do
Índio, 19 de abril.
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