5 maio 2016, Jornal GGN
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Jornal
GGN -- No julgamento da Ação Cautelar formulada pela Procuradoria-Geral da
República (PGR) que pediu o afastamento de Eduardo Cunha do cargo de deputado
federal e da função de presidente da Câmara dos Deputados, o ministro do
Supremo Tribunal Federal (STF), Teori Zavascki, decidiu pela suspensão do
exercício do mandato do parlamentar. Em um relatório com 73 páginas, Teori
abordou as suspeitas que pesam contra o deputado, as manobras utilizadas por
ele e seus aliados para obstruir a justiça e impedir as investigações e o papel
de cada um dos poderes, em especial do Judiciário, de intervir diante do abuso
de poder.
O ministro do STF
disse em sua decisão que o Ministério Público descreveu “minuciosamente”
diversos fatos criminosos e praticados com desvio de finalidade por Eduardo Cunha,
que utilizou sua função de presidente da Câmara “para fins ilícitos e, em
especial, para obtenção de vantagens indevidas”.
De acordo com o
requerimento assinado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, Cunha
estaria utilizando do cargo de deputado e da função de presidente da Câmara
para evitar que “as investigações contra si tenham curso e cheguem a bom
termo”, além de “reiterar as práticas delitivas, com o intuito de obter
vantagens indevidas”. Por isso, a medida cautelar
“absolutamente atípica e
diferenciada” teria a função de “garantir a efetividade e a eficácia da
aplicação das leis, sobretudo a penal, e garantir a ordem pública”.
Com base no
requerimento da PGR, o relatório de Teori Zavascki cita diversas condutas
supostamente criminosas ou de desvio de finalidade do presidente da Câmara,
deputado Eduardo Cunha.
Entre elas: a pressão
exercida sobre Júlio Camargo para honrar o pagamento das propinas decorrentes
de contratos da Petrobras; a elaboração de requerimentos no Congresso Nacional
com o intuito inequívoco de realizar um ataque às empresas do Grupo Schahin; a
convocação de depoimentos na CPI da Petrobras com a finalidade de constranger e
intimidar; a contratação de uma empresa de investigação financeira para tentar
descobrir algo que pudesse comprometer os acordos de delação premiada firmados
no âmbito da Operação Lava Jato, com o pretexto de auxiliar na investigação dos
trabalhos da CPI; a tramitação de projeto de lei para impedir que um
colaborador corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados,
exatamente como foi feito por Júlio Camargo ao se retratar e incriminar Eduardo
Cunha como beneficiário de propina e outras vantagens indevidas; além de outras
centenas de trocas de mensagens que indicam que projetos de lei de interesse
das empreiteiras eram redigidos por elas próprias, sob supervisão de Cunha, que
os apresentava, então, para o Congresso Nacional, diretamente ou por meio de
algum dos seus aliados.
Diante desses
indícios, Janot afirmou que “Eduardo Cunha transformou a Câmara dos Deputados
em um balcão de negócios e o seu cargo de Deputado Federal em mercancia,
reiterando as práticas delitivas”. Por isso, “reputa presente a necessidade de
aplicação da medida cautelar que prevê a suspensão da função pública, quando
houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.
Em sua decisão, Teori
Zavascki disse que normalmente cabe ao Congresso Nacional a competência para
decidir a respeito da perda do mandato político. De acordo com ele, a Constituição
“entrega a cada uma das Casas Parlamentares a grave missão institucional de
decidir sobre a cassação do título que investe deputados e senadores nos
poderes inerentes à representação popular. Isso implica admitir – por mais
excêntrico que possa parecer à consciência cívica em geral – que um mandato
parlamentar pode vir a subsistir ainda quando o seu titular tenha tido seus
direitos políticos suspensos pela Justiça, por decisão transitada em julgado”,
explicou o ministro.
“O preceito trabalha
com uma lógica de harmonia entre poderes, que não interdita o funcionamento de
qualquer um deles. Pelo contrário, permite que cada um funcione dentro de suas
respectivas competências. O Judiciário terá se pronunciado quanto à formação da
culpa, enquanto o parlamento irá se manifestar sobre a cessação do mandato,
cabendo a esta última instância justificar o seu entendimento sobre a
subsistência de um vínculo de representatividade – já debilitado no seu
substrato de legitimidade – diante dos apelos da opinião pública”, completou.
Mesmo assim, o
ministro do Supremo entende que investigações e processos criminais contra
parlamentares precisam transcorrer sem interferência do Legislativo, e o foro
privilegiado é garantia suficiente de que a persecução penal obedece a interesses
públicos. “Assim, a partir de quando um parlamentar passa a ser alvo de
investigação por crime comum, perante o foro apropriado, também esses agentes
políticos haverão de se sujeitar a afastamentos temporários da função, desde
que existam elementos concretos, de particular gravidade, que revelem a
indispensabilidade da medida para a hígida sequência dos trabalhos
judiciários”.
Zavascki citou,
então, o entendimento da ministra Carmen Lúcia sobre o assunto. “A Constituição
não diferencia o parlamentar para privilegiá-lo. Distingue-o e torna-o imune ao
processo judicial e até mesmo à prisão para que os princípios do Estado
Democrático da República sejam cumpridos; jamais para que eles sejam
desvirtuados. Afinal, o que se garante é a imunidade, não a impunidade. Essa é
incompatível com a Democracia, com a República e com o próprio princípio do
Estado de Direito”.
De acordo com
denúncia do Ministério Público, o julgamento de Cunha na Câmara está
prejudicado por “interferência constante, direta e explícita no andamento dos
trabalhos do Conselho de Ética, que visam a julgar o requerido por suposta
quebra de decoro parlamentar”.
O ministro Teori
Zavascki concluiu, portanto, que o Supremo deve interferir no caso. “Não são
apenas os produtos legislativos que estão submetidos ao controle judicial.
Também o veículo da vontade popular – o mandato – está sujeito a controle. A
forma preferencial para que isso ocorra, não há dúvida, é pelas mãos dos
próprios parlamentares. Mas, em situações de excepcionalidade, em que existam
indícios concretos a demonstrar riscos de quebra da respeitabilidade das
instituições, é papel do STF atuar para cessá-los, garantindo que tenhamos uma
república para os comuns, e não uma comuna de intocáveis. A medida postulada é,
portanto, necessária, adequada e suficiente para neutralizar os riscos
descritos pelo Procurador-Geral da República”.
No anexo, a íntegra
da Ação Cautelar 4.070, de autoria do Ministério Público Federal, com relatoria
do ministro Teori Zavascki
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