4 maio 2016, Jornal de Angola http://jornaldeangola.sapo.ao (Angola)
José Ribeiro
Ao massacre de Cassinga o regime
de apartheid chamou-lhe “Operação Reindeer”. “Reindeer” significa rena, mamífero
frequente na América do Norte, conhecido por caribú.
O ataque foi perpetrado pelo Exército sul-africano contra um campo de
refugiados namibianos no dia 4 de Maio de 1978, faz hoje 38 anos.
No livro “Eagle Strike”, o coronel sul-africano Jan Breytenbach, o mesmo do Batalhão 32 “Bufalo”, responsável por outros crimes em África, recolhe os dados daqueles que estiveram envolvidos no massacre, um acto tão grave como o genocídio de Srebrenica, mas ao qual o Tribunal Internacional de Haia nunca deu a mínima importância.
O comandante do massacre, o coronel Jan Breytenbach, escreveu um livro, no qual diz que o massacre de Cassinga foi para si “um dia de glória e de vergonha” e não esconde as suas simpatias com o nazismo de Hitler.
Breytenbach deu ao livro o título “Eagle Strike” (Golpe da Águia) porque,
Por analogia, o apartheid na RSA tinha a rede secreta “SIGINT”,
instalada no Malawi, na Rodésia e nas Comores que “trouxe à tona a
importância que Cassinga tinha para os namibianos”.
Outras características da águia “são a força, a ousadia, a coragem” e normalmente “ataca animais vivos, gosta de carne fresca, caça durante o dia e pode ficar horas a voar devido à sua grande resistência”. O ataque do regime de apartheid a Cassinga, acrescenta o militar, também “parece obra de uma águia, pois havia ali muita gente, especialmente jovens” que fugiam do Sudoeste Africano (hoje Namíbia) e desconheciam a capacidade das SADF de voarem 500 quilómetros no interiror de Angola, transportando 356 pára-quedistas milicianos prontos para a matança.
“Terá sido por isso que o autor intitulou a sua obra como ‘Eagle Strike’”, diz o militar angolano.
Porquê Cassinga
Cassinga era uma zona por onde passavam os refugiados como aqueles que escapavam do regime racista do apartheid vigente no Sudoeste Africano.
A “Operação Reindeer” foi uma imitação da “Operação Silver Fox” (“Silberfuchs”, em alemão), acção militar conjunta alemã-finlandesa durante a Segunda Guerra Mundial, com o objectivo de tomar o importante porto soviético de Murmansk, com ataques a partir dos territórios da Finlândia e Noruega.
O Massacre de Cassinga começou na manhã do dia 4 de Maio de 1978. Foi a segunda grande operação militar da África do Sul em Angola, depois da “Operação Savana”, intervenção das SADF para impedir a independência de Angola entre 1975-76 e que se tornou responsável pelo desencadear da guerra em Angola que apenas terminou a 4 de Abril de 2002, com a morte de Jonas Savimbi. O massacre passou por dois ataques distintos: o Campo de Refugiados de Cassinga e delegação da SWAPO em Chetequera, a 250 quilómetros e 15 quilómetros da fronteira Sul, respectivamente.
A operação sul-africana consistiu, em primeiro lugar, num ataque pelo 2.º Batalhão de Infantaria Sul-Africano às delegações da SWAPO em Chetequera e Dombondola, perto da fronteira entre a Namíbia e Angola. Em segundo lugar, um ataque pelo 32.º Batalhão à sede da SWAPO em Omepepa-Namuidi-Henhombe, 20 quilómetros a Leste de Chetequera.
Finalmente, o grande massacre foi realizado por pára-quedistas das SADF a Cassinga, um campo de refugiados e sede regional da SWAPO, situado a 260 quilómetros no interior de Angola.
Os ataques duraram seis dias e só terminaram a 10 de Maio de 1978.
Antecedentes
Com a independência de Moçambique e de Angola, o regime de apartheid sentiu-se em perigo. O então primeiro-ministro sul-africano, John Vorster, deu ordens, em Dezembro de 1977, para acções mais duras contra a SWAPO e ataques preventivos em Angola. Todos os planos operacionais externos teriam que ter a aprovação de Vorster.
Os primeiros refugiados da Namíbia começaram a chegar a Cassinga em Abril de 1976. Naquela altura, com a liberdade conquistada pelos angolanos, os namibianos que estavam no Sudoeste da Zâmbia desde o início dos anos 1970, sentiram-se mais seguros no Sul de Angola.
Três Companhias do 32.º Batalhão do coronel Jan Breytenbach – considerado, por muitos, como a melhor unidade táctica de África desde os tempos de Cipião, “o Africano”, e das suas legiões romanas durante as Guerras Púnicas – avançaram para o primeiro alvo, com a 1.ª Companhia a proteger a tropa de artilharia, enquanto a 5.ª Companhia foi mantida na reserva. Os momentos seguintes do massacre (“Operação Reindeer”, para o apartheid), são assim descritos no livro “Eagle Strike”: “Em linha para atacar o primeiro alvo, foi solicitado fogo de artilharia para suavizar o alvo. Durante o dia 8 de Maio, os helicópteros da SAAF foram adicionados ao plano de ataque e os soldados do 32.º Batalhão foram aerotransportados de um alvo para o outro, tendo atacado, naquele dia, cinco bases da SWAPO. A 9 de Maio, a operação foi retomada sem apoio aéreo, tendo as bases sido atacadas durante todo o dia. O dia 10 de Maio foi seguido por novos ataques contra as bases que iam sendo abandonadas pelas forças da SWAPO, resultando em que algumas unidades do 32.º Batalhão tivessem que regressar para o bordo da fronteira. Embora a operação tivesse terminado oficialmente a 10 de Maio, a última base foi atacada no início da manhã de 11 de Maio, com todas as forças das SADF a regressarem à fronteira por volta das 10h00” do dia 11 de Maio.
As valas comuns
“Quando as notícias sobre os primeiros ataques foram divulgadas na
televisão sul-africana, o filme feito pelas SADF sobre Cassinga eram
intercaladas com imagens de Chetequera. O filme sobre Chetequera era útil para
as SADF, porque em Chetequera havia mesmo uma força militar da SWAPO. A ideia
de que Cassinga era um campo militar quase passou, não fosse o trabalho
desenvolvido por uma equipa das Nações Unidas que se deslocou ao local do
massacre, a pedido do Governo de Angola e da SWAPO. Foi a ONU que levou as
primeiras imagens da enorme vala comum onde jaziam os corpos de mais de 400
homens, mulheres e crianças”, descreve o militar
angolano que se dedica às questões da Defesa.
A jornalista Jane Bergerol, do jornal “The Guardian”, foi das primeiras pessoas que estiveram no local e fotografou a vala. Jane acompanhou toda a fase da guerra de desestabilização da África do Sul contra os Estados da Linha da Frente e a luta anti-apartheid dirigida pelo ANC. Quando viu a realidade em Cassinga, horrorizada, disse: “A primeira coisa que vi foram vestidos e blusas coloridas, calças ‘jeans’ e camisolas e muito poucos uniformes. Havia sinais de que estas roupas vestiam as pessoas que estavam aí mortas. Inchados e manchados de sangue, estes corpos pertenciam a raparigas e rapazes jovens, alguns homens adultos e alguns adolescentes, todos aparentemente chegados da Namíbia”.
Na fotografia a ilustrar o trabalho de Jane Bergerol que foi publicada
no “The Guardian” de Londres de 10 de Maio de 1978, a legenda é a seguinte: “Vala
comum contendo mais de 400 corpos de namibianos massacrados pelas tropas
sul-africanas. Fotografia tirada quatro dias depois do ataque”.
O ataque do Exército racista da África do Sul na manhã de 4 de
Maio de 1978 em Cassinga “resultou não só numa carnificina e destruição em
massa, no tempo e no espaço, mas impregnou a memória colectiva dos povos de
Angola e da Namíbia da necessidade de continuarem a luta até ao derrube do apartheid”,
comenta o analista militar angolano.
Passados 38 anos do crime hediondo contra a Humanidade que foi o Massacre de Cassinga, a Namíbia está independente, a África do Sul aboliu o regime segregacionista de apartheid e os países da África Austral constroem com a SADC uma parceria para o desenvolvimento. Mas a questão que se coloca é a de saber por que razão este massacre praticado por generais sul-africanos que estão vivos, e que ainda hoje se vangloriam desse atentado aos direitos humanos, que desmembrou famílias cujos sobreviventes estão nestes dias a chorar os seus entes queridos, não são julgados pelo Tribunal Internacional de Haia. Para o Tribunal Penal Internacional (TPI) devem ser levados todos os criminosos sul-africanos que participaram no massacre de Cassinga.
O coronel Frans Botes, um dos correligionários de Jan Breytenbach que contribuiu para a publicação da livro “Eagle Strike”, além de não ser responsabilizado pelo crime, ainda tem a coragem de escrever as seguintes palavras: “Naquele dia 4 de Maio de 1978 fizemos história, saltando para as operações no maior lançamento de pára-quedistas desde a II Guerra Mundial. Eu também acredito que foi o mais bem-sucedido, se não o único, lançamento completamente bem-sucedido na história. Jan Breytenbach provou ser exactamente o homem certo para realizar algo parecido com isto”.
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