12 maio 2016, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Por Pedro Marin, no site Outras Palavras
Auditórios cheios, carros de som,
escritórios. Organizações como Instituto Millenium, Movimento Brasil Livre
(MBL), Instituto Liberal, Instituto Ludwig Von Mises e Estudantes Pela
Liberdade, como num passe de mágica, emergiram no cenário político brasileiro,
publicando livros e realizando manifestações com enormes estruturas,
treinamentos e palestras – um processo que encontrou terreno fértil no país,
devido à crise mundial e à Operação Lava Jato.
Apesar das tentativas de seus
fundadores e por parte da imprensa em pintar os projetos que defendem como algo
“para o bem do Brasil”, oriundo “do povo brasileiro” e “espontâneo”, todas
estas organizações contam com financiamento e articulação estrangeira, conforme
detalhou a reportagem de Marina Amaral na Agência Pública, mostrando como uma
rede de ONGs promove treinamento de lideranças, patrocina “intelectuais” para
aglutinar consensos nas redes e movimentos para incendiar as ruas. Entre as
organizações presentes na América Latina e leste europeu chama atenção, em
especial, a Atlas Network.
Fundada em 1981 com objetivo de
“promover políticas econômicas do livre mercado pelo mundo”, a Atlas é um
think-tank que financia declaradamente as atividades da direita em mais de 90
países. Com um orçamento anual de US$ 11,5 milhões, ela atua patrocinando a
formação de
quadros neoliberais. Como a legislação dos EUA impede que essas
entidades financiem agitações políticas mundo afora, cada movimento é amparado
por “institutos de formação”, que estão liberados para receber os recursos.
Esse é o caso da relação do centro de formação Estudantes pela Liberdade (EPL)
com a militância profissional do MBL, por exemplo.
O orçamento do EPL deste ano saltou
para R$ 300 mil. “No primeiro ano, a gente teve mais ou menos R$ 8 mil, o
segundo foi para R$ 20 e poucos mil, de 2014 para 2015 cresceu bastante. A
gente recebe de outras organizações externas também, como a Atlas. A Atlas,
junto com a Students for Liberty, são nossos principais doadores. No Brasil, as
principais organizações doadoras são a Friederich Naumann, que é uma
organização alemã, que não são autorizados a doar dinheiro, mas pagam despesas
para a gente”, declarou Juliano Torres diretor executivo do EPL.
Na Ucrânia – onde em 2014 houve um
golpe contra o Presidente eleito Viktor Yanukovich -, a Atlas financiou, por
exemplo, o Centro de Liberdade Econômica Bendukidzke e o Centro Para Pesquisa
Econômica e Social. O primeiro tem como membros o ex-Presidente da Georgia e
atual governador de Odessa, Mikheil Saakashvili, além do vice-chefe da
administração (pós-golpe) do Presidente Petro Poroshenko, Alexander Danyluk. O
segundo é também financiado pela Open Society Foundation, do famoso especulador
e homem das revoluções coloridas, George Soros, e tem como parceiros agências
governamentais ucranianas, canadenses e inglesas, além da USAID (EUA) e o Banco
Mundial.
Em 2014, a Atlas despejou US$ 4,5
milhões mundo afora em uma série de organizações mais ou menos similares,
segundo o formulário 990, que as organizações filantrópicas têm de entregar a
Receita Federal nos EUA. Somente na América Latina, foram alocados US$ 984 mil
equivalente a R$ 3,9 milhões a organizações que seguem o pensamento de liberais
como Milton Friedman, Hayek e Mises, e fazem oposição aos governos
progressistas da região. É o caso de Cedice Libertad, da Venezuela, e de
organizações como a norte-americana Human Rights Foundation, criada pelo
venezuelano Thor Halvorssen, primo de Leopoldo López e filho de embaixador
durante o governo de Andrés Pérez, que mira em especial os países com governos
não-alinhados a Washington (Venezuela, Cuba, Rússia) e que se tornou conhecida
em 2015 por criar uma campanha para lançar propaganda em território norte-coreano
por meio de balões de gás.
A Atlas por sua vez também é
financiada por uma série de grandes corporações e outras fundações. Empresas
como Google, a gigante do petróleo Exxon Mobil e organizações como a
DonorsTrust [1], State Policy Network, criada pelo empresário e conselheiro de
Ronald Reagan Tom Roe, e a Charles G. Koch Foundation [3], ligada às
famigeradas Indústrias Koch, são alguns dos nomes que colaboraram para que a
Atlas, no ano de 2014, doasse mais de 10 milhões de dólares pelo mundo.
Uma revolução colorida para o
Brasil?
É claro que é motivo para fazer soar
os alarmes: a direita liberal cresce exponencialmente e combate num país com 31
anos de tradição democrática, de abismos sociais no campo e nas cidades, onde
um partido governou nos últimos 12 anos com apoio maciço e manteve alianças com
governos populares da região. Até a rua, historicamente monopolizada pela
esquerda, foi tomada.
A isso se somam outras
estranhíssimas casualidades: o juiz Sérgio Moro, há pouco responsável pelas fagulhas
que incendiaram o país, fez em 2009 um “curso para potenciais líderes” nos EUA,
patrocinado pelo Departamento de Estado. É também notável o fato de que no
processo da Lava-Jato, somente empresas brasileiras tenham sido atingidas,
ainda que diferentes denúncias contra companhias estrangeiras tenham sido
feitas. Um dia após a aprovação do impeachment na Câmara dos Deputados o
Senador Aloysio “quero ver ela sangrar” Nunes viajou para o quartel-general do
poder global: Washington.
Por lá, conforme revelou o colunista
Mark Weisbrot, no Huffington Post, encontrou-se com o ex-embaixador dos EUA no
Brasil e atual “número três” no escalão do Departamento de Estado, Thomas
Shannon: “A disposição por parte de Shannon em encontrar-se com Nunes alguns
dias depois da votação do impeachment envia um poderoso sinal de que Washington
está com a oposição nesse empreendimento. Como sabemos disso? Muito simples,
Shannon não precisava ter comparecido a esse encontro. Se ele quisesse mostrar
que Washington estava neutro em relação a esse feroz e altamente polarizador
conflito, ele não teria se encontrado com protagonistas notáveis de nenhum dos
lados, especialmente nesse momento.”
Por fim, para o ansiedade dos
desconfiados e o choque dos distraídos, é importante notar os laços que o Sr.
Michel “quero jantar com Biden” Temer manteve com seus parceiros do norte. Em
19 de Junho de 2006, por exemplo, Temer – à época presidente do PMDB –
encontrou-se com o cônsul-geral dos EUA no Brasil, em São Paulo, e respondeu a
perguntas em relação às eleições, os candidatos, e seu partido. Diz o cônsul
para Washington, em mensagem vazada pelo Wikileaks em 2011: “Tratando do
destino de seu próprio partido, Temer confirmou que o PMDB não terá um
candidato para a Presidência, e não entrará em nenhuma aliança formal com o
PSDB ou o PT. […] O PMDB continua rachado quase ao meio entre grupos pró e
contra Lula. O último busca alianças com o PT e busca diversos ministérios na
segunda administração de Lula. Temer, que é anti-Lula, foi altamente crítico em
relação à facção pró-Lula e falou com ironia em relação a algumas das divisões
e contradições internas do partido.”
Para o cientista político e
historiador Moniz Bandeira, os alarmes dispararam há muito tempo. “Essas
manifestações que começaram no ano passado e antes da Copa não foram
espontâneas. Foram preparadas antecipadamente, com elementos treinados,
agitadores treinados”, diz ele, que em “A Segunda Guerra Fria” (Civilização
Brasileira, 2013), descreve em detalhes o papel de certas ONGs e think-tanks
nas chamadas revoluções coloridas pelo mundo. “O que é necessário no Brasil é
que o governo faça como Putin: obrigue o registro de todas as ONGs, o registro
do dinheiro que recebem, de onde recebem e como e onde aplicam.”
Moniz aponta como interesses
norte-americanos a prevalência do dólar como moeda global – segundo ele,
ameaçada pelo BRICS – e a inexistência de potências no continente. “É isto que
os Estados Unidos não querem: que o Brasil tenha submarino nuclear, eles não
querem uma potência na América do Sul – ainda mais ligada à China e à Rússia. E
há um detalhe que o brasileiro não sabe: há uma luta pela moeda de reserva
internacional. Porque o fato de que os EUA detém o direito de emitir o dólar o
quanto queiram e ser o dólar a moeda internacional; é aí que repousa a
hegemonia dos EUA. E o que a China e Putin querem acabar é com isso – daí a
criação do modelo dos BRICS.”
Notas
[1] organização que possibilita
doações anônimas para a “causa da liberdade”, criada pela Donors Capital Fund,
considerada no relatório Fear, Inc uma das 10 maiores organizações
contribuintes para o ódio contra islâmicos nos EUA).
[2] Em 2014 a fundação doou 25 mil
dólares (cerca de 90,5 mil reais) à Atlas.
[3] A Koch Industries é uma empresa
ligada ao setor do petróleo. Como Soros, os irmãos Koch são famosos por
financiar instituições e revoluções coloridas pelo mundo.
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