22 maio 2016, Fonte: Senadora Gleisi Hoffman
https://www.facebook.com/gleisi.hoffmann
João Capiberibe*
Vamos começar lá de trás,
colocando na roda do mundo o Marechal Deodoro da Fonseca que, no dia 15 de
novembro de 1889, liderou uma quartelada e destronou seu amigo, o Imperador do
Brasil, Dom Pedro II. Aquele barbudo sisudo dos compêndios de história do nosso
tempo de criança.
Dizem os historiadores que isso
aconteceu por que a filha do Imperador, Princesa Isabel, contrariando a turma
do agronegócio daquela época, no dia 15 de maio de 1888 assinou uma Lei,
apelidada de Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil.
Um dia desses, ao saber que a
primeira constituição republicana, a de 1891, tinha proibido o voto aos
analfabetos, fiquei curioso. Fui à cata de informação, quis saber quantos eram
os analfabetos que, naqueles idos, perderam seus direitos políticos. Vejam só
que achado. Primeiro, descobri que no tempo do Brasil colônia e durante quase
todo o império eles votavam. Verdade! Era-lhes assegurado
esse direito. Isso já
me deixou ensimesmado, afinal, passei um tempão da minha vida acreditando que a
República era mais democrática que o Império. Segundo, descobri que eram
pouquíssimos os letrados.
O censo demográfico de 1890,
segundo realizado no Brasil, revela-nos a existência de 14.333.915 brasileiros
e brasileiras vivendo por essas belas paisagens tropicais. Desse total,
informa-nos o censo que apenas 14%, ou 2.006.748 de habitantes, eram
alfabetizados. Considerando que metade eram mulheres, portanto sem direito a
voto, restaram apenas 1.003.374, ou 7% de homens letrados, todos brancos. Na
primeira eleição popular para presidente da república, realizada em 1894,
votaram 356.000 eleitores, ou 2,2% da população. Prudente de Morais, sabe Deus
como, deu um banho de votos em seus adversários, obtendo 290.883, ou 88,38% dos
votos.
Pois bem, foram esses poucos
homens brancos, letrados, que se ocuparam da política. Foram eles e somente
eles que, zelosamente, organizaram a governança da nação brasileira, para si e
para os seus, excluindo os demais. Não é de se admirar que até hoje se sintam
senhores absolutos dos anéis, com direito a se apropriar do que é público de
maneira privada, como se tivessem ordenamento divino para assim proceder.
No entre tempo que se estendeu do
final do século XIX aos nossos dias, tendo o Marechal Deodoro como marco
inicial, exaltando a ordem e o progresso na alvorada da república, e, na outra
ponta, na do presente, Michel Temer, ameaçando por ordem no progresso, muita
água rolou por baixo da ponte. Nesse ínterim, os excluídos, foram à luta. As
mulheres, em 1932, conquistaram direitos políticos plenos, passaram a votar e
ser votadas, já os analfabetos tiveram que aguardar um “pouco mais”, cerca de
meio século depois das mulheres, para influenciar nos destinos da nação, ainda
assim, meia boca, pois a Emenda Constitucional No 25, de 15 de maio de 1985,
garantiu-lhes o direito de votar, mas não de ser votados. Vejam só, isso se
passou 97 anos depois da abolição da escravatura.
Nos últimos dias, nota-se um
aperto de mão inusitado entre Temer e Deodoro. A aproximação não fica apenas no
slogan coincidente exaltando a ordem e o progresso. Sem muito esforço, outras
afinidades serão identificadas, por exemplo, o Marechal não queria ver mulher
por perto. Pelo menos compondo sua equipe ministerial, Temer, sem tirar e nem
por, imitou o presidente militar nesse quesito, com uma diferença, admite que
elas sejam belas, recatadas e do lar.
Não são poucas as semelhanças, a
começar pelos atalhos para chegar ao poder, tanto um como o outro não precisou
de votos para sentar no trono de ferro da presidência. O Marechal, além do
apoio irrestrito da poderosa oligarquia rural da época, que jamais perdoou o
Imperador por tê-los deixados sem seus escravos, dispunha de outro argumento
convincente, a força das armas. Nesse aspecto, Temer se diferencia, não precisou
delas, menos mal, no entanto, contou e conta com o irrestrito apoio do mesmo
setor social que seu colega sem voto do passado obteve, também recebeu integral
adesão de sua representação política, daqueles que hoje certamente não
pretendem revogar a Lei Áurea, mas tentarão por todos os meios fragilizar
direitos sociais e trabalhistas, regras ambientais, impedir as investigações
sobre corrupção em curso e se preparam para avançar sobre as Terras Indígenas.
São tantas as semelhanças entre
Deodoro e sua turma, lá do século XIX, e a turma do Temer, aqui do século XXI,
que fico sem entender quem cruzou a barreira do tempo, se o Marechal que chegou
de volta ao futuro, ou se Temer que mergulhou profundamente no passado.
*Ex governador e Senador pelo
Amapá (PSB)
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