30 maio 2016, Pravda.ru http://port.pravda.ru (Rússia)
APIB divulga carta aberta ao governo Temer contra retrocessos nos direitos indígenas
A Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil (Apib) divulgou uma carta aberta ao governo interino
de Michel Temer, afirmando que não admitirá nenhum retrocesso nos direitos
indígenas. Na semana passada, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes,
admitiu que poderia rever atos expedidos pelo governo de Dilma Rousseff
nos
anteriores à aprovação da admissibilidade do impeachment no Senado
Carta pública
Ao governo interino
de Michel Temer: não admitiremos nenhum retrocesso nos nossos direitos
Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB), instância nacional do movimento indígena, que
congrega as organizações indígenas das distintas regiões do país, por
deliberação do seu XIII Acampamento Terra Livre -- Mobilização Nacional
Indígena, realizado no último período de 10 a 13 de maio de 2016, que reuniu
cerca de mil lideranças dos povos indígenas de todo o país, vem de público
manifestar o seu veemente repúdio contra todos os ataques, ameaças e
retrocessos tomados, anunciados ou indicados após a posse do presidente
interino Michel Temer, por parte de sua equipe de governo. Os nossos povos e
comunidades encontram-se apreensivos e em estado de alerta, portanto exigimos
deste esclarecimentos e respeito às nossas reivindicações quanto aos fatos
expostos a seguir:
1.
Exigimos explicações
quanto aos reais motivos que levaram o novo Ministro da Justiça e Cidadania a
excluir da sua estrutura governamental a Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
conforme Medida Provisória N° 726, de 12 de maio de 2016, que dispõe sobre a
organização da Presidência da República e dos Ministérios. Ressaltamos a
importância do referido órgão indigenista, que tem como umas das principais
responsabilidades coordenar o processo de formulação e implementação da
política indigenista do Estado brasileiro, instituindo mecanismos efetivos de
controle social e de gestão participativa, além de responder pela regularização
fundiária - a demarcação e proteção das terras e territórios indígenas.
2.
Do mesmo modo,
exigimos esclarecimentos quanto à exclusão do Conselho Nacional de Política
Indigenista (CNPI) da estrutura atual do Ministério da Justiça e Cidadania. O
órgão é um colegiado paritário entre indígenas e órgãos do governo, responsável
pela elaboração, acompanhamento e implementação de políticas públicas voltadas
aos povos indígenas, criado recentemente através do Decreto N°. 8.593, de 17 de
dezembro de 2015.
3.
Rechaçamos a
determinação deste governo interino de regredir ou suprimir direitos
conquistados, que atingem diversas áreas da nossa vida: na saúde e educação
diferenciadas, na alimentação e moradia, entre outros. Repudiamos, por exemplo,
a revogação da portaria que garantia financiamento para mais de 11 mil Unidades
Habitacionais do Programa Nacional de Habitação Rural -- PNHR, do Programa
Nacional Minha Casa Minha Vida, em que diversas comunidades indígenas são
diretamente impactadas. Muitas delas inclusive já haviam contratado as obras
com a Caixa Econômica Federal e com a revogação da portaria essas construções ficaram
comprometidas.
5.
O Governo Dilma
promoveu nos últimos meses uma série de medidas que garantem o direito aos
territórios indígenas, como a publicação dos Relatórios Circunstanciados de
Identificação e Delimitação de 12 Terras Indígenas, a publicação de Portarias
Declaratórias de 14 terras indígenas e a assinatura de Decretos de Homologação
de oito terras indígenas. A APIB entende que o Governo Dilma cumpriu, mesmo que
timidamente, apenas o mandato constitucional de demarcar as terras indígenas,
ato administrativo de reconhecimento formal de direito originário. Governo
nenhum cria terra indígena, reconhece apenas. Portanto, os povos indígenas
jamais admitirão que o atual Governo interino revogue essas medidas. Do
contrário, estará cometendo ato inconstitucional, uma vez que a Constituição
Federal de 1988 alçou os direitos indígenas ao patamar de direitos
fundamentais, portanto, cláusulas pétreas, que requerem blindagem
constitucional. Rever ou regredir direito originário é e será sempre ato
inconstitucional.
6.
Reafirmamos que a
terra para nós significa Vida. E como já o reconhecera o Supremo Tribunal
Federal, "a questão da terra"representa
o aspecto fundamental dos direitos e das prerrogativas constitucionais a nós
assegurados e que sem acesso a ela, somos expostos "ao
risco gravíssimo" da desintegração cultural, da perda
da nossa identidade étnica, da dissolução de nossos vínculos históricos,
sociais e antropológicos e da erosão da nossa própria percepção e consciência
como povo. (Ver. Supremo Tribunal Federal. 1.ª Turma. Recurso Extraordinário
n.º 183.188/MS. Relator: Ministro Celso de Mello.
DJ 14.02.1997).
Por isso, os nossos
povos e organizações não admitirão que nossos direitos sejam pisoteados ou
revistos, como pretendem os principais membros da sua base aliada no Congresso
Nacional - a bancada ruralista, que, movida por visões e atitudes marcadamente
racistas, preconceituosas e discriminatórias, e sobretudo pela sua vontade de
invadir e explorar os nossos territórios, estão determinados a aprovar a PEC 215/00
e legalizar a "tese do marco temporal", em detrimento do direito
originário dos nossos povos a suas terras, condenando-os ao agravamento de
conflitos, perseguições, tentativas de dizimação, enfim, práticas etnocidas.
Isso foi alertado, no último dia 16 do presente, pela relatora especial da ONU
para os povos indígenas, Victoria Tauli Corpuz, em discurso proferido durante a
15a Sessão do Fórum Permanente da ONU sobre as questões
indígenas (UNPFII).
Na contramão das
decisões tomadas ou anunciadas por este governo interino, a APIB lembra que há
ainda um passivo muito grande de terras, com processos finalizados, para serem
demarcadas, mas que dormem nas gavetas do Executivo desde a Constituição, que
definiu o prazo de 5 anos para este ato, até 1993. Dessa forma é
responsabilidade governamental dar sequência à regularização fundiária das
terras indígenas.
O Governo interino de
Michel Temer, não pode esquecer que ainda há uma dívida histórica e ética que o
Estado brasileiro precisa saldar com os povos indígenas, que seguem tendo seus
modos de vida ameaçados e seus direitos negados em nome "da ordem e do
progresso".
Em razão de tudo isso
é que repudiamos quaisquer tentativas de retrocesso em nossas conquistas, e
exigimos respeito total aos nossos direitos fundamentais assegurados pela
Constituição Federal e reconhecidos pelos tratados internacionais assinados
pelo Brasil. Reiteramos, por fim, a determinação dos nossos povos e
organizações indígenas de jamais desistir da defesa de seus direitos
constitucionalmente garantidos, não admitindo retrocessos de nenhum tipo.
Brasília - DF, 19 de
maio de 2016
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Mobilização Nacional Indígena
Fonte: Instituto
Socioambiental
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