16 setembro 2015, Pátria Latina http://www.patrialatina.com.br
(Brasil)
MK Bhadrakumar, Indian Punchline
O problema dos refugiados sírios vinha amadurecendo
lenta e continuadamente e teria sido o pretexto perfeito para uma 'intervenção
humanitária' comandada pelos EUA ["Bombardear para Proteger"] na
Síria. Mas a Rússia chegou antes, e o róseo plano norte-americano
pode ter gorado.
As políticas dos EUA para o Oriente Médio vêm-se mantendo obcecadamente fixas em 'mudança de regime' na Síria há pelo menos uma década, desde a invasão do Iraque em 2003. (A agenda neoconservadora original planejava 'mudar' regimes no Iraque, Irã e Síria, mas deu em nada, quando os campos de matança no Iraque começaram a ditar a geopolítica.)
Não é difícil entender e acreditar que a inteligência russa, sim, pôs fim à trama diabólica dos EUA para criar um fato consumado em solo, na Síria. O pacto faustiano entre Washington e a Turquia e a autorização do presidente Barack Obama para ataques aéreos na Síria (inclusive contra o Exército Árabe Sírio), o frenesi com que Grã-Bretanha e Austrália uniram-se às missões de bombardeios norte-americanos contra a Síria, declarações da OTAN, os incansáveis esforços dos EUA, por baixo dos panos, para minar o trabalho de Moscou para iniciar e pôr em andamento um processo de paz entre os próprios sírios – de todos os lados abundavam os indícios daquele sinistro plano político-militar.
Mas o suspense subiu à estratosfera, quando a inteligência russa entrou claramente em cena. Numa rara cena de 'revelação', domingo à noite, durante entrevista ao canal estatal de televisão– provavelmente pré-arranjada deliberadamente – o ministro de Relações Exteriores da Rússia semeou 'pistas' crucialmente importantes sobre a agenda norte-americana clandestina para a Síria escondida
por trás da chamada luta para 'degradar e derrotar' o Estado
Islâmico. Disse Lavrov:As políticas dos EUA para o Oriente Médio vêm-se mantendo obcecadamente fixas em 'mudança de regime' na Síria há pelo menos uma década, desde a invasão do Iraque em 2003. (A agenda neoconservadora original planejava 'mudar' regimes no Iraque, Irã e Síria, mas deu em nada, quando os campos de matança no Iraque começaram a ditar a geopolítica.)
Não é difícil entender e acreditar que a inteligência russa, sim, pôs fim à trama diabólica dos EUA para criar um fato consumado em solo, na Síria. O pacto faustiano entre Washington e a Turquia e a autorização do presidente Barack Obama para ataques aéreos na Síria (inclusive contra o Exército Árabe Sírio), o frenesi com que Grã-Bretanha e Austrália uniram-se às missões de bombardeios norte-americanos contra a Síria, declarações da OTAN, os incansáveis esforços dos EUA, por baixo dos panos, para minar o trabalho de Moscou para iniciar e pôr em andamento um processo de paz entre os próprios sírios – de todos os lados abundavam os indícios daquele sinistro plano político-militar.
Mas o suspense subiu à estratosfera, quando a inteligência russa entrou claramente em cena. Numa rara cena de 'revelação', domingo à noite, durante entrevista ao canal estatal de televisão– provavelmente pré-arranjada deliberadamente – o ministro de Relações Exteriores da Rússia semeou 'pistas' crucialmente importantes sobre a agenda norte-americana clandestina para a Síria escondida
"Espero não estar cometendo alguma indiscrição,
se disser que alguns de nossos contrapartes, membros da coalizão, dizem que às
vezes recebem informação sobre as posições de alguns grupos do Estado Islâmico,
mas o comandante da coalizão – nos EUA, naturalmente – nunca entende que seja
boa hora para atacar.
Ou nossos contrapartes norte-americanos, nunca, desde
o início, contaram com coalizão muito coesa, ou, na verdade sempre quiseram
atingir outros alvos, diferentes dos declarados. A coalizão formou-se de modo
muito espontâneo: em apenas uns poucos dias, declararam que estava tudo pronto,
alguns países já se haviam unido, e começaram alguns ataques.
Quem analise a aviação da coalizão verá coisas bem
estranhas. O que suspeitamos é que, à parte os objetivos declarados de dar
combate ao Estado Islâmico, há algo mais nos planos da coalizão. Não quero
oferecer conclusões precipitadas – ainda não se entende claramente que
impressões, informações ou superiores ideias o comandante acalenta – mas há
sinais desse tipo e não param de chegar.
Lavrov é diplomata experiente e brilhantíssimo. De
modo algum teria feito esses comentários movido por impulso instantâneo.
Verdade é que a guerra à distância dos EUA contra a Síria ganhou um toque de
terrível beleza.
Lavrov disse aos EUA, polidamente, que desistam de tentar impedir a Rússia de saltar na jugular do Estado Islâmico. E que, se não desistirem, choverá lama na cabeça de Obama.
Em palavras simples, Lavrov sinalizou a Washington que Moscou já sabe sobre o plano dos EUA de meter os terroristas do Estado Islâmico como sua pata de gato, mais dia menos dia, no baixo ventre macio da Rússia na Ásia Central e no norte do Cáucaso.
É claro que a inteligência russa sabe que centenas de combatentes viajaram da Rússia para se unirem ao EI. (De fato, Abu Omar Shishani, checheno étnico, é alto comandante do EI.) Dada essa sombria realidade, Moscou decidiu traçar sua linha vermelha. Concluiu que o EI é ameaça significativa às regiões russas de maioria muçulmana no norte do Cáucaso.
A seriedade com que Moscou está tratando a ameaça incipiente à sua segurança nacional está evidente na decisão do presidente Vladimir Putin de ir à Assembleia Geral da ONU no final desse mês, para fazer conclamação planetária a favor de os países cooperarem para derrotar o EI.
As duas vias paralelas – aprofundar o envolvimento militar na Síria também em solo e abrir uma via diplomática até o pódio da ONU – visam a derrotar a ação dos EUA que tenta repetir a estratégia da guerra fria, de blindar Washington e jogar o Islã militante contra a Rússia.
A diplomacia russa no passado recente trabalhou para desenvolver extensiva rede pelo Oriente Médio muçulmano. O esforço parece ter valido a pena. Interessante: Lavrov praticamente revelou, durante a entrevista pela televisão, ontem, em Moscou, que os aliados regionais dos EUA no Oriente Médio, eles mesmos, também já suspeitam das reais intenções de Washington quanto ao EI. É revelação deveras espantosa.
Lavrov também ergueu outra pontinha do véu, ao fazer saber aos norte-americanos que a inteligência militar russa está não apenas monitorando as operações da força aérea militar norte-americana no Iraque, mas, além disso, já analisou cientificamente os planos de voo dos aviões dos EUA e coisa-e-tal. Em resumo, os russos parecem já ter cacife de inteligência para comprovar algo que os iranianos dizem há muito tempo, a saber – que a aviação norte-americana está regularmente fornecendo suprimentos para o Estado Islâmico.
Fato é que o firme movimento militar russo na Síria colheu Washington de surpresa. A menos que ponha coturnos norte-americanos em solo sírio, as opções de Washington para forçar os russos a recuar são mínimas. Grécia e Irã já fizeram saber aos russos que garantirão direito de trânsito aéreo aos aviões russosem voo para a Síria. (Washington fez de tudo para que Atenas não autorizasse o trânsito dos aviões russos.)
Mas o mais duro golpe que está sofrendo a estratégia norte-americana de contenção contra a Rússia na Síria está vindo da dramática mudança na opinião pública de países europeus, obrigados a lidar com a questão dos refugiados sírios. O sistema de vistos Schengen, que era orgulho e símbolo da União Europeia, foi engavetado do dia para a noite, e reapareceram os postos de controle de fronteira (Ver aqui e aqui).
A conclamação feita pela chanceler alemã Angela Merkel de que Europa e Rússia devem cooperar no caso da Síria é sinal claro do que está por vir. Obviamente, Moscou deve estar sentindo que o humor europeu vai-se tornando cada dia mais desfavorável a que os EUA mantenham a estratégia para conter a Rússia – e não só na Síria, como também na Ucrânia (Vide no meu blog Ukraine tensions easing, but EUA won’t let go easily [Diminuem as tensões na Ucrânia, mas EUA não admitirão facilmente nenhuma solução].)
O ponto é que os europeus não podem aceitar que estejam sendo convocados pelos EUA para dar conta dos cacos que voam para todos os lados do que restou da estratégia dos EUA de fomentar e insuflar uma guerra civil para derrubar o governo estável e democrático do presidente Bashar Al-Assad na Síria. O presidente Obama tem planos para preparar os EUA para aceitarem quota de 10 mil refugiados sírios no próximo ano – mas é menos que uma gota no oceano, considerando que 4 milhões de pessoas, 1/5 da população síria, foi obrigada a deixar o país desde o início da guerra em 2011.
Tudo isso parece estar-se convertendo no maior desastre de política exterior de toda a presidência de Obama. Os EUA estão presos entre a espada e o paredão. A Rússia dificilmente mudará um passo, apesar dos EUA, porque há interesses centrais da segurança nacional russa envolvidos na luta contra o EI, luta para a qual a Rússia precisa da participação da força militar do governo sírio.
Por outro lado, os aliados regionais dos EUA e os neoconservadores em casa pressionam Obama a ‘fazer alguma coisa’, ao mesmo tempo em que os aliados europeus já deixaram claro que querem o imediato fim do conflito na Síria.
A única via aberta para os EUA seria detonar, de vez, o EI; e enterrar o projeto de manipular grupos militantes islamistas como se fossem ferramentas naturais das políticas dos EUA na região e recursos para inflar estratégias de contenção contra a Rússia. Mas... cortar na carne da própria carne não há de ser assim tão fácil.
Lavrov disse aos EUA, polidamente, que desistam de tentar impedir a Rússia de saltar na jugular do Estado Islâmico. E que, se não desistirem, choverá lama na cabeça de Obama.
Em palavras simples, Lavrov sinalizou a Washington que Moscou já sabe sobre o plano dos EUA de meter os terroristas do Estado Islâmico como sua pata de gato, mais dia menos dia, no baixo ventre macio da Rússia na Ásia Central e no norte do Cáucaso.
É claro que a inteligência russa sabe que centenas de combatentes viajaram da Rússia para se unirem ao EI. (De fato, Abu Omar Shishani, checheno étnico, é alto comandante do EI.) Dada essa sombria realidade, Moscou decidiu traçar sua linha vermelha. Concluiu que o EI é ameaça significativa às regiões russas de maioria muçulmana no norte do Cáucaso.
A seriedade com que Moscou está tratando a ameaça incipiente à sua segurança nacional está evidente na decisão do presidente Vladimir Putin de ir à Assembleia Geral da ONU no final desse mês, para fazer conclamação planetária a favor de os países cooperarem para derrotar o EI.
As duas vias paralelas – aprofundar o envolvimento militar na Síria também em solo e abrir uma via diplomática até o pódio da ONU – visam a derrotar a ação dos EUA que tenta repetir a estratégia da guerra fria, de blindar Washington e jogar o Islã militante contra a Rússia.
A diplomacia russa no passado recente trabalhou para desenvolver extensiva rede pelo Oriente Médio muçulmano. O esforço parece ter valido a pena. Interessante: Lavrov praticamente revelou, durante a entrevista pela televisão, ontem, em Moscou, que os aliados regionais dos EUA no Oriente Médio, eles mesmos, também já suspeitam das reais intenções de Washington quanto ao EI. É revelação deveras espantosa.
Lavrov também ergueu outra pontinha do véu, ao fazer saber aos norte-americanos que a inteligência militar russa está não apenas monitorando as operações da força aérea militar norte-americana no Iraque, mas, além disso, já analisou cientificamente os planos de voo dos aviões dos EUA e coisa-e-tal. Em resumo, os russos parecem já ter cacife de inteligência para comprovar algo que os iranianos dizem há muito tempo, a saber – que a aviação norte-americana está regularmente fornecendo suprimentos para o Estado Islâmico.
Fato é que o firme movimento militar russo na Síria colheu Washington de surpresa. A menos que ponha coturnos norte-americanos em solo sírio, as opções de Washington para forçar os russos a recuar são mínimas. Grécia e Irã já fizeram saber aos russos que garantirão direito de trânsito aéreo aos aviões russosem voo para a Síria. (Washington fez de tudo para que Atenas não autorizasse o trânsito dos aviões russos.)
Mas o mais duro golpe que está sofrendo a estratégia norte-americana de contenção contra a Rússia na Síria está vindo da dramática mudança na opinião pública de países europeus, obrigados a lidar com a questão dos refugiados sírios. O sistema de vistos Schengen, que era orgulho e símbolo da União Europeia, foi engavetado do dia para a noite, e reapareceram os postos de controle de fronteira (Ver aqui e aqui).
A conclamação feita pela chanceler alemã Angela Merkel de que Europa e Rússia devem cooperar no caso da Síria é sinal claro do que está por vir. Obviamente, Moscou deve estar sentindo que o humor europeu vai-se tornando cada dia mais desfavorável a que os EUA mantenham a estratégia para conter a Rússia – e não só na Síria, como também na Ucrânia (Vide no meu blog Ukraine tensions easing, but EUA won’t let go easily [Diminuem as tensões na Ucrânia, mas EUA não admitirão facilmente nenhuma solução].)
O ponto é que os europeus não podem aceitar que estejam sendo convocados pelos EUA para dar conta dos cacos que voam para todos os lados do que restou da estratégia dos EUA de fomentar e insuflar uma guerra civil para derrubar o governo estável e democrático do presidente Bashar Al-Assad na Síria. O presidente Obama tem planos para preparar os EUA para aceitarem quota de 10 mil refugiados sírios no próximo ano – mas é menos que uma gota no oceano, considerando que 4 milhões de pessoas, 1/5 da população síria, foi obrigada a deixar o país desde o início da guerra em 2011.
Tudo isso parece estar-se convertendo no maior desastre de política exterior de toda a presidência de Obama. Os EUA estão presos entre a espada e o paredão. A Rússia dificilmente mudará um passo, apesar dos EUA, porque há interesses centrais da segurança nacional russa envolvidos na luta contra o EI, luta para a qual a Rússia precisa da participação da força militar do governo sírio.
Por outro lado, os aliados regionais dos EUA e os neoconservadores em casa pressionam Obama a ‘fazer alguma coisa’, ao mesmo tempo em que os aliados europeus já deixaram claro que querem o imediato fim do conflito na Síria.
A única via aberta para os EUA seria detonar, de vez, o EI; e enterrar o projeto de manipular grupos militantes islamistas como se fossem ferramentas naturais das políticas dos EUA na região e recursos para inflar estratégias de contenção contra a Rússia. Mas... cortar na carne da própria carne não há de ser assim tão fácil.
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