31 de agosto de 2015,
Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil)
A possibilidade de envolvimento do Brasil nas negociações entre Israel e Palestina tem sido considerada. Foi mencionada, por exemplo, por Mohamed Odeh, presidente do Comitê Ibero-Americano do partido à frente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), o Fatah, durante a importante Conferência “Encontros e Diálogos entre Palestinos e Israelenses - Dilemas e Perspectivas nos Caminhos para a Paz”, que terminou neste domingo (30).
Por Moara Crivelente*, especial para o Vermelho
Pouco depois da primeira
Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), em 2005, o então chanceler
brasileiro Celso Amorim visitou Israel. Reunido com seu homólogo Silvan Shalom,
Amorim, que narra o encontro em seu livro “Teerã, Ramalá e Doha - Memórias da
Política Externa Ativa e Altiva”, entendeu que a iniciativa causou desconforto
à liderança sionista. O mesmo valia para o posicionamento do Brasil na
Organização das Nações Unidas (ONU) contra a ocupação israelense dos
territórios palestinos - que culminou com o reconhecimento do Estado da
Palestina pelo Brasil em 2010. Entretanto, a “universalidade” da política
externa brasileira buscaria um equilíbrio e poderia levar o país a desempenhar
um papel na mediação entre palestinos e israelenses.
A conferência realizada pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça do Brasil, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Fundação Getúlio Vargas reuniu líderes religiosos, políticos e estudantes israelenses e palestinos em São Paulo e
no Rio de Janeiro, entre quinta-feira (27) e domingo
(30). A ocupação israelense, aquele “elefante na sala”, foi constantemente
trazida à discussão pelos palestinos e outros participantes - inclusive esta
que escreve - incomodados com certa tendência de descontextualização da
violência.A conferência realizada pela Comissão da Anistia do Ministério da Justiça do Brasil, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e a Fundação Getúlio Vargas reuniu líderes religiosos, políticos e estudantes israelenses e palestinos em São Paulo e
Na abertura do evento, o presidente da Comissão da Anistia do Ministério da Justiça, Paulo Abrão, definiu o objetivo como um aprofundamento, no Brasil, sobre a questão israelense-palestina. O ponto de partida desta ideia, disse ele, foi a conferência “O Brasil 50 anos após o Golpe Militar de 1964: A Busca pela Democracia e pela Justiça Continua”, na Universidade Hebraica de Jerusalém, em dezembro de 2014. Na ocasião, Abrão visitou Israel e a Palestina e comentou que, “apesar de viverem tão próximos, israelenses e palestinos têm pouco espaço de diálogo”. Por isso, o Brasil foi oferecido como um cenário para este diálogo.
Enquanto a diplomacia é uma porta a ser mantida aberta, a ponderação sobre as bases desse diálogo é também fundamental. Palestinos e israelenses não são atores iguais no conflito - que já é melhor descrito como uma ocupação crescentemente enraizada, de acordo com os términos do direito internacional humanitário - e a diplomacia, ao promover o diálogo, também precisa levar em conta as responsabilidades. Afinal, não acontece no vácuo e, no caso dos palestinos, há mais de 20 anos tem como cenário a destruição gradual de uma solução internacionalmente validada, aquela resumida como a “solução de dois Estados”.
Durante a conferência, israelenses e palestinos, assim como pessoas da audiência, fizeram um pingue-pongue sobre a falta de confiança mútua para a construção da paz, mas os palestinos e alguns ouvintes -- inclusive jovens da comunidade judaica na plateia -- buscaram garantir a contextualização do “conflito”: o controle militar israelense sobre o “Estado ocupado da Palestina” -- como denominou-o Mohamed Odeh --, as violações diárias e sistemáticas dos direitos humanos que sustentam esse regime, a repetição cíclica das ofensivas militares devastadoras contra a Faixa de Gaza, a construção desenfreada nas colônias ilegais -- assim reconhecidas pela ONU, pela União Europeia e até pelos Estados Unidos -- e o aumento da violência de soldados e colonos israelenses contra os palestinos em seus próprios territórios.
Da parte israelense, apenas Nitzan Horowitz, ex-parlamentar pelo partido social-democrata Meretz (“Vigor”, em hebraico) e membro da Associação por Direitos Civis em Israel, denominou e reconheceu a gravidade da ocupação para qualquer perspectiva de paz. Horowitz foi enfático na condenação deste regime principalmente ao abordar seus impactos econômicos e políticos, mas o rabino David Shlomo Stav, enquanto dizia abrir as portas para um diálogo religioso com sua contraparte, o xeque Barakat Fawzi Hassan, insistia na necessidade de um diálogo com os colonos e em classificar o conflito como religioso. Esta, diga-se de passagem, é uma abordagem falaciosa que negligencia a base política de um processo colonialista e imperialista, sustentado na instrumentalização da religião para a construção da sua narrativa. Uma narrativa que, também de passagem, pode acabar tornando-se “fato” no imaginário de alguns sionistas, o que não deve ser menosprezado.
Horowitz condenou o posicionamento cada vez mais extremista da liderança israelense e a falta de avanços nas negociações, denunciando uma estratégia de “gestão do conflito” para evitar a solução que a liderança sionista não aceita: o reconhecimento do Estado da Palestina. Mas suas propostas foram ponderadas firmemente por um dos estudantes palestinos encarregados dos comentários sobre o debate, Essam Qadri, um graduando em Engenharia. O estudante enfatizou sua contrariedade à perspectiva do rabino Stav sobre um aspecto “religioso” preponderante - já denunciado por diversos líderes e pesquisadores como uma falácia que condena o conflito à intratabilidade, à impossibilidade de solução - e às propostas insustentáveis, como até mesmo as apresentadas por Horowitz.
Para Qadri, mais do que iniciativas conjuntas no campo econômico, a facilitação da movimentação de trabalhadores palestinos para Israel e a distribuição igualitária dos recursos aquíferos entre as cidades palestinas e as colônias -- beneficiadas de forma flagrantemente desproporcional da água roubada dos palestinos --, a solução é o reconhecimento de um Estado palestino independente, que possa criar seus próprios postos de trabalho, e o fim das colônias que, afinal, são ilegalmente construídas em territórios ocupados. O ex-parlamentar disse concordar, mas suas propostas pareciam lidar com as limitações impostas por um espectro político extremista onde suas próprias ideias superficiais e insustentáveis são já rechaçadas, onde deve convencer a sociedade - e o eleitorado - israelense de que a ocupação também lhes custa caro, que a paz poderia trazer benefícios, inclusive econômicos.
Foi frequente o apelo dos palestinos -- três estudantes, um líder religioso e um representante político -- para que os israelenses simplesmente os vissem como seres humanos. A humilhação imposta pelo regime de ocupação militar é constante, multidimensional e enraizada, e não deve ser ignorada como o pando de fundo de qualquer análise da violência que assola os dois povos há tantas décadas.
Os dois próximos artigos da série sobre os diálogos e o papel que o Brasil pode desempenhar tratará dos pontos de vista esboçados pelos convidados, do histórico recente e agudizado da ocupação israelense, das alternativas que se apresentam em contrariedade à manutenção do status quo e da necessidade de responsabilização como um passo essencial neste processo.
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*Cientista política,
jornalista e membro do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela
Paz (Cebrapaz), assessorando a presidência do Conselho Mundial da Paz
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