terça-feira, 8 de setembro de 2015

Brasil/O POVO NA LUTA PELA INDEPENDÊNCIA

5 de setembro de 2015, Vermelho http://www.vermelho.org.br (Brasil)

Por José Carlos Ruy 

De tão repetida a afirmação de o povo não teria participado das lutas pela independência do Brasil ganhou ares de verdade! Entre os historiadores mais conservadores é muito forte a convicção de que a separação com Portugal teria sido obra exclusiva do herdeiro da Casa de Bragança, o príncipe Pedro, que depois se tornou o primeiro imperador brasileiro.


O Brasil comemora, neste 7 de setembro, 193 anos daqueles acontecimentos históricos e está às vésperas do segundo centenário daquela data importante. São quase dois séculos de luta pela plena autonomia do país. No início do século XIX foi conquistada a independência política -- isso todos aprendemos nas escolas e nas datas comemorativas. Mas a soberania plena, principalmente econômica, ainda não foi conquistada.

A versão de que o povo não participou das lutas pela independência foi consturída pelos historiadores conservadores desde a obra de Francisco Adolfo de Varnhagen, o historiador palaciano e conservador, cuja obra -- publicada inicialmente em 1853 – injuriou heróis como Tiradentes e José Bonifácio, tratou qualquer rebelião popular como caso de polícia (que em sua opinião mereciam, acusa o historiador Capistrano de Abreu, este sim ligado ao Brasil e aos brasileiros, a forca e o fuzilamento!). E criou s lenda de que a Independência fora obra exclusiva de D. Pedro que teria se tornado, portanto, merecedor da gratidão dos brasileiros. 

Não foi assim que ocorreu entretanto. A independência resultou de
lutas intensas, que envolveram os brasileiros na Bahia, Pará, Piauí, Maranhão e também Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e outras províncias.

A ação popular na Independência é pouco estudada e está à espera de seu historiador. No Rio de Janeiro setores populares, plebeus, participaram da luta e publicaram jornais com seus pontos de vista. Um exemplo é a Nova Luz Brasileira, de Ezequiel Correia dos Santos e João Batista de Queirós, que circulou no Rio de Janeiro em 1829, e trazia a visão de “artesãos, comerciantes, farmacêuticos, soldados, ourives, representantes da pequena burguesia e das camadas populares urbanas”. 

Aquele jornal defendia a monarquia constitucional representativa, e condenava “a escravidão e a discriminação racial” e propunha uma limitada “emancipação dos escravos” (Costa: 1977).
Ações semelhantes de gente do povo, como artesãos, pequenos comerciantes, representantes da pequena burguesia, ex-escravos, ocorreram em grande parte das cidades brasileiras. 

No Nordeste a Revolução de 1817 foi um prenúncio dos embates que culminaram na proclamação da Independência cinco anos depois. Havia, desde o fnal do século XIX, um estado de inquietação generalizada no qual crescia a discussão sobre a obediência devia ao monarca, escreveu o historiador Carlos Guilherme Mota. E que dava, às vezes, a “sensação de que se um gritasse todos o seguiriam”. Foi nesse contexto de forte insubordinação que ocorreu a Revolução Pernambucana de 1817 (Mota: 1972).

Aquela iinquietação envolvia o povo mais pobre, como registrou o português José Lopes Cardoso Machado, em carta de junho de 1817 (citada por Mota), onde descreveu (com fúria condenatória) a insubordinação popular. Ele investiu contra os boticários, cirurgiões, sangradores, “cabras, mulatos e crioulos” que acusou de andarem “atrevidos” e pregando a igualdade. 

Na Bahia, comportamento semelhante se manifestou na guerra da Independência, vencida pelos nacionais em 2 de julho de 1823, quando as tropas portuguesas comandadas pelo general Madeira de Melo foram derrotadas e expulsas.

Houve conflitos nas ruas de Salvador, com saques e arrombamentos. Nessa luta tombou a heroina da Independência Joana Angélica de Jesus, abadessa do Convento da Lapa, assassinada por tropas portuguesas que invadiram o convento em 19 de fevereiro de 1822.

Na Bahia, Pará, Piauí e Maranhão a guerra pela independência talvez tenha sido a maior que ocorreu em toda a América do Sul. Pelo menos foram batalhas nas quais participaram mais soldados do que nas lutas lideradas por Simon Bolivar! 

O movimento pela independência envolveu dois antagonismos sociais básicos. Num nível a luta de classes repetia velhos antagonismos coloniais e opunha a aristocracia rural nativa aos mercadores portugueses. No outro nível estava a polarização mais radical, entre senhores e escravos. 

Desde 1808, com a transferência da Famíilia Real para o Rio de Janeiro (que se tornou a vedadeira capital do Império português), a influência dos grandes negociantes sediados no centro-sul (especialmente a burguesia mercantil do Rio de Janeiro) junto ao príncipe regente, D. João, foi reforçada. Eles foram financiadores interesseiros dos gastos do governo, e conquistaram cargos oficias estratégicos. Foi assim que aquela oligarquia de comerciantes, formada sobretudo por traficantes de escravos, conquistou forte ascendência sobre a nação que se formava. 

Foram seus interesses materiais, de classe, que prevaleceram no processo da Independência. Foram eles que caracterizaram a via não revolucionária para o rompimento com Portugal. Via que Euclides da Cunha, em À Margem da história (1909) classificou pioneiramente como uma “paradoxal revolução pelo alto” (Cunha: 1966).

As atitudes de D. Pedro estavam de acordo com os interesses de classe dessa elite agromercantil formada por negociantes de grosso trato, traficantes de escravos e controladores das navegações de cabotagem. Este foi o setor da classe dominante mais favorecido pela vinda da Família Real, que criou condições favoráveis à expansão da base material de sua existência.

Era uma elite que, preconizando a separação com Portugal, estava solidamente ligada à burguesia estrangeira, principalmente inglesa. O tráfico negreiro era uma das principais atividades do comércio externo devido ao grande volume de dinheiro que envolvia e ao grande número de pessoas que empregava. Os traficantes (só no Rio de Janeiro havia 65 grandes negociantes) constituiam “uns dos mais fortes grupos de pressão existentes na época” (Gorenstein: 1993).

A ideia de Independência definitiva e completa só se configurou claramente diante de duas ameaças: de um lado, a tentativa de recolonização, que vinha de Lisboa depois do retorno da Família Real a Portugal. Do outro, a radicalização democrática da luta pela Independência. 

Aquela elite agromercantil temia, escreveu a historiadora Riva Gorenstein, “que a radicalização do movimento da independência levasse à desorganização do sistema escravista de produção, do comércio interno de abastecimento e das relações mercantis do Brasil com as nações estrangeiras. Temiam que a população livre e marginalizada do processo produtivo se revoltasse, passando a exigir para si uma série de direitos políticos e sociais. Temiam principalmente que os movimentos de rua levassem à anarquia e à destruição da propriedade privada” (Gorenstein, 1993).

Este setor da classe dominante pretendia a mudança política que a Independência significava mas sem qualquer mudança que alterasse a organização social baseada no escravismo, no latifúndio e no comércio colonial. 

No conflito entre os setores plebeus, quem prevaleceu no processo da independência foram os interesses dessa oligarquia formada pelos antepassados da atual elite neoliberal em nosso país.

A história do Brasil independente tem sido marcada pelo conflito entre os interesses daquela elite, que agora é chamada de neoliberal, e os interesses de toda a nação. 

Passados dois séculos desde a independência, o mesmo conflito opõe a especulação financeira aliada ao imperialismo ao povo, aos trabalhadores e empresários da produção. 

Esse conflito foi, historicamente, resolvido à direita. José Bonifácio não conseguiu manter-se no governo, nos anos da Independência, pois entrou em choque com os antepassados dos atuais neoliberais que não aceitavam qualquer programa de desenvolvimento autônomo para o Brasil. Mais tarde, Floriano Peixoto, Getúlio Vargas e João Goulart também não conseguiram manter-se no governo pelas mesmas razões - bateram de frente com os privilégios daquela elite especuladora e anti-nacional. 

O mesmo conflito do povo contra as forças anti-nação está colocacdo hoje para os brasileiros: a luta para completar a tarefa da Independência e garantir um desenvolvimento que atenda ao bem estar de todos e fortalça a soberania do Brasil.

Referências
Abreu, Capistrano de - "Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro, in Ensaios e Estudos, 1ª Série. Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1975

As Câmaras Municipais e a Independência 
1973 - Rio de Janeiro/Brasília. Conselho Federal de Cultura/Arquivo Nacional. Departamento de Imprensa Nacional. Vol. II, 1973

Costa, Emília Viotti da. “José Bonifácio: mitos e fábulas”. In Costa, Emília Viotti. Da monarquia à República: momentos decisivos. São Paulo, Editorial Grijalbo, 1977

Cunha, Euclides. Antologia. Organizador: Olympio de Souza Andrade. São Paulo, Edições Melhoramentos, 1966

Gorenstein, Riva. Comércio e política: o enraizamento dos interesses mercantis portugueses no Rio de Janeiro (1808-1830). In: Lenira Menezes Martinho e Riva Gorenstein. Negociantes e caixeiros na sociedade da Independência. Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes, 1993.

Mota, Carlos Guilherme. Nordeste 1817. São Paulo, Perspectiva, 1972
Mota, Carlos Guilherme. 1822: dimensões. São Paulo, Perspectiva, 1972  


   

Nenhum comentário: