13 setembro 2015, Pátria Latina
http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Por Susan George, no site
Outras Palavras:
Sempre otimista, não acreditei que
os bancos sairiam da crise de 2007 a 2008 mais fortes que antes, sobretudo em
termos políticos. É verdade que alguns pagaram
multas que os fizeram cambalear -- um total de 178 bilhões de dólares para os
bancos norte-americanos e europeus -- mas consideram que tais desembolsos são
“o preço de fazer negócios”. Nenhum líderes do setor que quebrou a economia mundial
passou uma só noite na prisão, nem teve que pagar, pessoalmente, uma única
multa.
Ainda não superamos os efeitos do
terremoto financeiro vivido em 2007-2008, mas os políticos e os próprios
banqueiros já estão preparando o cenário para a próxima crise. Estudos
matemáticos mostraram a densa teia interconectada dos atores financeiros
mundiais, na qual a falha de um deles poderia desencadear o colapso de todos.
Nos colocaram no fio da navalha, e temos boas razões para ser pessimistas:
-- Os
governos e as instituições financeiras internacionais não demonstraram nenhuma
intenção de regular os bancos, o que nos expõe ao perigo de ter que suportar
uma repetição da jogada. Os bancos e os banqueiros não só são grandes demais
para falir -- ou para ser presos --, mas também para ser desafiados. Por isso, permitem-se
fazer o que
lhes dê vontade.
-- A
adoção de dispositivos de segurança no setor financeiro foi sistematicamente
sabotada. Não
se produziu a separação necessária entre os bancos comerciais e os bancos de
investimento (o que impediria que o dinheiro dos depositantes continuasse a ser
usado para especular). Durante mais de sessenta anos, a lei norte-americana
Glass-Steagull, aprovada durante o New Deal do governo Roosevelt separou-os,
protegendo o sistema financeiro norte-americano. Foi
revogada, em 1998, sob o mandato do presidente Bill Clinton -- com um grande
empurrão de seu secretário do Tesouro, Robert Rubin, ex-executivo do banco
Goldman Sachs. Foi necessário menos de uma década para produzir-se a
quebra devastadora do Lehman Brother e do mercado. Os políticos não atendem a
razões, mas sim ao lobby bancário. Por isso, as exigências de reservas
(capital) dos bancos continuam baixos demais. Não se aprovou nenhum novo
imposto sobre as transações financeiras. Um imposto debatido por onze paízes da
União Europeia ainda está em debate.
-- Os
volumes diários de transações com derivativos e moedas cresceram 25% ou 30% em
comparação com os níveis de antes da crise, e somam trilhões a cada dia. As operações anuais totais com
derivados somam em torno de cem vezes o Produto Mundial Bruto. O surgimento de
transações automatizadas, impulsionadas por algorítimos, move este crescimento,
mas até as máquinas e os nerdsmatemáticos podem cometer erros perigosos.
-- Grandes
quantidades de empréstimos convertidos em bônus de risco poderiam inundar uma
vez mais as carteiras de investidores institucionais. Desta vez não estariam
associados às hipotecas subprime, mas a lotes de outras categorias de dívida,
como os empréstimos a estudantes ou consumidores.
-- Em
2008, a especulação desenfreada nos mercados de matérias primas causou uma dramática
alta dos preços dos alimentos, acrescentando 150 milhões de pessoas às listas
dos famintos mundiais. Estas cifras não se repetirão nem nesse ano, nem no
próximo: os preços dos grãos despencaram e 150 trilhões de dólares procedentes
de Wall Street foram retirados desses mercados nos últimos dois anos. Contudo,
outras leis protetoras do New Deal também foram revogadas e os mercados poderão
mais uma vez ser alvo de apostas sem limites, quando as mudanças climáticas e a
falta de alimento fizerem com que sejam rentáveis.
-- Os paraísos fiscais triunfaram.
Eles não beneficiam apenas o 1% mais rico. Especializaram-se também na evasão
fiscal corporativa. As maiores corporações deixaram de pagar os impostos que
lhes correspondem. Por exemplo, as empresas francesas sonegam anualmente de 60
a 80 bilhões de dólares. As corporações beneficiam-se de serviços públicos como
a polícia e os bombeiros, a energia, a água, o saneamento, o transporte, a
saúde, a educação e a formação para seu pessoal, e o Estado de direito, mas não
contribuem para mantê-los, de maneira que estes se deterioram. Quem perde são
os cidadãos e cidadãs, e a rede de infraestrutura. O
escândalo Luxleaks – que desmascarou a evasão fiscal de mais de 300 empresas --
demonstra que os Estados-membros da União Europeia fazem intencionalmente
vistas grossas, com a cumplicidade das quatro grandes “agências de risco”,
quando as empresas transferem contilmente seus lucros para Luxemburgo, onde
quase não pagam impostos. Os paraísos fiscais das Ilhas Britânicas também
contribuem para essa prática. Estima-se que 25% ou mais do faturamento dos
maiores bancos da União Europeia está em “centros off-shore”; ninguém conhece
ao certo esta cifra.
--
Pesquisas realizadas pelo Banco Central Europeu sobre os 130 maiores bancos da
União Europeia descobriram que estes não apoiam a economia real - onde as
pessoas vivem, trabalham, produzem e consomem. As pequenas e médias empresas da União
Europeia oferecem 80% ou 90% de todo o emprego disponível, mas continuam tendo
muitos problemas para receber empréstimos. Desde 2008, os bancos endureceram
suas condições de concessão de crédito. O Finance Watch - um think tank
progressista de Bruxelas - afirma que só 28% de toda atividade bancária vai
para a economia real; o que sobra infla o setor dos produtos financeiros que
multiplicam o dinheiro sem passar por fases tão “incômodas” como a produção e a
distribuição…
-- É
verdade que os Estados Unidos têm vivido crescimento econômico e criação de
emprego, porém mais de 90% do valor de tal crescimento tem sido abocanhado pelo
1% mais rico. O
desemprego europeu continua crescendo, e em vez de crescer, a União Europeia
escorrega rumo à deflação.
-- Já em
2011, os lucros dos bancos norte-americanos haviam chegado aos níveis recorde
de antes da crise. E ainda antes, em 2009, os nove maiores bancos desse país
distribuíam gratificações de um milhão de dólares ou mais, a mais de cinco mil
banqueiros e operadores financeiros, usando para isso o dinheiro público dos
empréstimo que receberam dos Estados. Ao menos 5 bilhões de dólares
provenientes do dinheiro dos contribuintes norte-americanos foram para
indivíduos da indústria financeira. Seus colegas britânicos receberam 20
bilhões de dólares por meio de gratificações em 2010 e 2011, e os banqueiros
franceses receberam outro tanto.
-- As
robustas gratificações contribuem para o grande salto adiante da desigualdade. São conhecidas as comparações
chocantes entre a parte da riqueza mundial que é apropriada pelos
multimilionários e o que sobra para o resto do mundo. Estão sintetizadas num
relatório da Oxfan ou nos informes sobre a riqueza mundial que falam sobre as
alturas douradas, onde moram não o um por cento — pobres perdedores! — mas um
em cada dez milhões.
-- A lista
de bilionários da Forbes, de 2014, enumera os 1542 terráqueos que ultrapassaram
a marca, com um volume total de 6,5 bilhões de dólares. A desigualdade não é obscena em
termos monetários. Em Desigualdade: uma análise da (in)felicidade coletiva,
Richard Wilkinson e Kate Pickett demonstraram de maneira indiscutível que a
desigualdade tem correlação necessária com todos os fenômenos sociais
desagradáveis e custosos, de doenças à violência, à obesidade e as populações
carcerárias. Mas as finanças estão organizadas agora de tal maneira que ao
chegar ao status de bilionário, é muito difícil perdê-lo.
Recompensas, recompensas
Os banqueiros aprenderam também
como organizar as instituições internacionais para que estas os recompensem
tanto nos momentos bons como nos maus, por investimentos financeiros geniais ou
desastrosos. Desta maneira, governos da zona do euro como Alemanha e França
trazem dinheiro ao Mecanismo Europeu de Estabilidade Financeira; este dá
dinheiro ao governo grego (irlandês, espanhol…) que, por sua vez, o entrega aos
bancos gregos (irlandeses, espanhois…) com a intenção de que estes devolvam os
empréstimos recebidos dos bancos franceses e alemães.
A maioria
das pessoas não se dá conta que os enormes “empréstimos” concedidos à Grécia
pela “Troika” (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário
Internacional) entre 2010 e 2012 não se destinaram a “ajudar os gregos”, mas
sim a canalizar dinheiro aos bancos que haviam comprado títulos gregos. E por que compraram? É uma boa
pergunta: porque estes valiam em euros, mas pagavam juros mais altos, por
exemplo, que os títulos alemães, igualmente denominados em euros.
O trabalho
da Troika é, portanto, garantir que se devolva o dinheiro aos bancos, desde os
planos de “regate” sejam associados a condições drásticas da austeridade. Os bancos podem perder algo em
seus investimentos nos países do Sul da Europa ou da periferia - mas não no
nível em que isso ocorreria sem a porta giratória da Troika.
Os povos --
que não criaram a crise -- devem, contudo, sofrer com ela. Até certo ponto, isso pode ser
medido em fome crescente, fechamento de hospitais e escolas, violência e
migração dos jovens. Mas as verdadeiras consequências para incontáveis seres
humanos que não têm responsabilidade pelos problemas econõmicos não podem ser
quantificadas. Sustento: minha afirmação de que os bancos aprenderam que podem
fazer o que quiserem não era um recurso retórico…
E chegamos
ao ponto em que o leitor diz: “sim, mas o que podemos fazer?” Em geral, as respostas são
conhecidas, e muitas delas consistem em fazer o contrário do que se resumiu
acima. Separar os bancos comerciais dos de investimento, cobrar imposto das
instituições financeiras, proscrever os paraísos fiscais, obrigar Luxemburgo a
desmantelar sua proteção às empresas sonegadoras, negar-se a assinar os novos
acordos de “livre” comércio.
Mudar as
regras do Banco Central Europeu (BCE), que não empresta aos países, mas apenas
aos bancos privados. Estes pedem créditos ao BCE a menos de 1% de juros ao
ano, para em seguida emprestar os mesmos recursos aos países com os maiores
juros possíveis - às vezes mais de 6% - o que constitui outro presente à banca.
O BCE deveria emprestar diretamente aos países, cobrando os mesmos 1% ou menos,
e os governos europeus deveriam poder emitir títulos em euros.
As políticas
de “austeridade” devem ser descartadas, porque não funcionam, nem humana nem
economicamente. Os europeus do norte entendem isso: a palavra em alemão
para dívida é Schuld, que significa também pecado ou culpa; mas a crise
persistente não tem a ver com moralidade. Necessitamos de menos golpes no peito
(o dos outros) e mais economia inteligente. Nas palavras de um economista
alemão que escrevia no Financial Times: “Existem dois tipos de economistas
alemães: os que não leram Keynes e os que não entenderam.”
É preciso
lembrar primeiro que a dívida os países não se parece, em absoluto, com a de
uma família. Na
verdade, ao longo da história, a maior parte da dívida soberana era perdoada;
em todo caso, como disse o economista e acadêmico norte-americano Paul Krugman:
“é preciso vigiar os fluxos, não as ações.”
Enquanto
os países continuarem obrigados ao pagamento de juros elevados, terão dúvidas
eternas. As
nações não desaparecem. A Grécia, por exemplo, tem um superávit orçamentário,
quando levam-se em conta apenas a arrecadação de tributos e os investimentos e
despesas não-financeiras. Deveria estar qualificada para pagar juros de 1% do
ano. O país deveria também reduzir drasticamente seu orçamento militar,
tributar a igreja — o maior proprietário de terrenos e imóveis - e como disse o
partido governante Syriza, “perseguir a oligarquia”.
Se a
próxima crise for de fato deflagrada, será imensa e mortalmente perigosa para
as pessoas comuns, que poderiam perder sua poupança, seguros, aposentadorias e
mais. Não estou propondo que se criem refúgios antiaéreos ao estilo de 1950,
construam-se depósitos de alimentos e se autorize a posse de uma arma por casa --
mas não faria mal começar a desenvolver sistemas sociais mais resistentes e uma
autoconfiança maior. As pessoas trabalham bem quando cooperam entre si, e o
fazem instintivamente ou por necessidade quando têm que enfrentar um colapso
econômico, como fizeram os argentinos há quinze anos ou fazem os gregos hoje.
Organizam cantinas populares, hortas comunitárias, clínicas de saúde
solidárias, creches, moedas sociais, soluções habitacionais e assim por diante.
Sobretudo,
precisamos enfrentar a mortífera ideologia neoliberal que contaminou o
pensamento e a ação, enquanto os bancos podem fazer o que lhes der na telha.
* Tradução de Gabriela Leite.
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