16 setembro 2015, Jornal de Angola (Angola)
Filipe Zau*
A história da presença de estudantes angolanos em Portugal confunde-se,
em alguns aspectos, com a história do nosso povo e remonta aos primeiros
contactos entre o reino do Kongo e o reino de Portugal, quando as relações
entre lusos e africanos, isentas do espírito de conquista, obedeceram a
princípios de horizontalidade.
D. Henrique, nascido
em Nsundi, filho do Ntotila Mbemba-a-Nzinga (ou D. Afonso I do Kongo, após o
baptismo) residiu, em Portugal, no Mosteiro de Santo Eloi e cursou, com
distinção, a carreira eclesiástica. Terá sido, provavelmente, o primeiro
bolseiro, que,
em 1515, partiu de Mbanza Kongo para Lisboa, ao tempo do monarca
D. Manuel I de Portugal. Posteriormente, D. Henrique partiu depois de Lisboa
para Roma, onde recebeu, do Papa Leão X, o título de Bispo Uticense, no dia 3
de Maio de 1518. Depois de decretado o fim do tráfico negreiro (1836) e um ano antes da oficialização do fim da escravatura em todas as possessões portuguesas, bem como da constituição da colónia de Angola pela fusão do reino do Ndongo (1869), uma Portaria Ministerial, de 16 de Novembro de 1868, aprova a decisão do governador-geral de Angola, no que respeita à educação, por conta do Estado, de dois filhos do barão de Cabinda, Manuel José Puna.
A 3 de Dezembro de 1868, uma outra Portaria Ministerial comunicava que os dois educandos, Vicente Puna e João Puna, já haviam chegado a Lisboa e sido entregues a um dos melhores estabelecimentos do ensino particular da capital portuguesa da época: a “Escola Académica”. Regressaram, mais tarde, a Cabinda e exerceram as funções de professores do ensino primário. Um deles, Vicente Puna, mostrou possuir qualidades aceitáveis, ao contrário do irmão, João Puna, cujo comportamento mereceu críticas e até castigos.” Mas o próprio barão de Cabinda, Manuel José Puna, havia sido educado no Rio de Janeiro a expensas do Governo português, o que aconteceu também com outros naturais de Angola.
Quando se desenrolou a famosa “questão do Zaire”, o barão de Cabinda mostrou-se sempre muito dedicado a Portugal, que, por seu turno, ficou-lhe a dever, em boa parte, a integração das terras do Enclave e o Distrito de Cabinda no conjunto do património territorial português. Provavelmente, em 1871, o mesmo se terá deslocado de Cabinda em visita aos seus filhos em Lisboa, sendo gentilmente hospedado pelo monarca e recebido o baptismo na capital portuguesa, apadrinhando o acto o rei D. Luís e a rainha D. Maria Pia.
A Casa dos Estudantes do Império (CEI) surge por iniciativa do regime do Estado Novo e a partir da Casa dos Estudantes de Angola. Esta havia sido fundada em 1943, na Rua da Vitória, em Lisboa, e reunia estudantes angolanos, maioritariamente filhos de grandes colonos e de destacados altos funcionários em Angola que, em Portugal, vinham dar continuidade aos seus estudos. Mas, entre 1948 e 1953, a delegação da CEI, em Coimbra, tinha um grupo de estudantes africanos muito dinâmicos, destacando-se dentre os mesmos: Agostinho Neto, Lúcio Lara, Carlos Veiga Pereira, Orlando de Albuquerque, Jorge Nunes, Manuel Monteiro Duarte, João Vieira Lopes e outros. Também ligados à CEI, encontravam-se outros estudantes africanos, tais como: Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, Francisco José Tenreiro e Marcelino dos Santos, que juntamente com o grupo de Coimbra constituíam a geração dos “Mais Velhos”.
É posteriormente no seio da Casa dos Estudantes do Império, que surgem, em Lisboa, duas organizações clandestinas de luta anti-fascista e anti-colonialista, respectivamente, em 1957 e 1959: o MAC – Movimento Anti-Colonial – formado pela geração dos “Mais Velhos” e o MEA – Movimento de Estudantes Angolanos, constituído pela geração da “Nova Vaga”. Da geração mais jovem da CEI de Coimbra destacaram-se, dentre outros, os nomes de: João Vieira Lopes, Gentil Viana, Edmundo Rocha, Paulo Jorge, António Tomáz Medeiros, Fernando Costa Andrade, Rui de Carvalho, José Araújo, Carlos Pestana, Augusto Pestana, Manuel Boal, Gentil Traça, Alberto Bento Ribeiro, Augusto Lopes Teixeira (Tutu), Manuel Videira e Daniel Chipenda.
Esta segunda geração de estudantes afirma-se na CEI, a partir de 1954 e ganha protagonismo com a conhecida “fuga dos cem” estudantes, em Junho de 1961, em resposta ao apelo dos “Mais Velhos”, que dirigiam o MPLA, em Conacry. Também, no final da década de 50, surge um outro grupo de estudantes angolanos, apoiados por algumas organizações protestantes, que residiam em lares situados em Carcavelos e em Lisboa (no Lumiar), mas que pouco frequentavam a CEI. Foram os casos de Jonas Savimbi, Pedro Sobrinho, Pedro Filipe e José Lihauca.
Estes recursos humanos africanos, maioritariamente angolanos, seleccionados para a estratégica política de permanência de Portugal nas suas colónias, acabou por fugir totalmente ao controlo do Estado Novo.
* Ph. D em Ciências de Educação e Mestre em Relações Interculturais
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