sábado, 6 de setembro de 2008

CPLP/Virar de página na afirmação do idioma comum

António Melo

3 setembro 2008/Revista África21

«Da minha língua vê-se o mar». A citação do escritor português Vergílio Ferreira serve de vitrina ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

Lisboa - «Da minha língua vê-se o mar». A citação do escritor português Vergílio Ferreira serve de vitrina ao Instituto Internacional da Língua Portuguesa. É um facto, o português fez-se correndo o mundo através dos mares. Quer voltar a essas rotas, decidiu a Cimeira de Lisboa (Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, realizada em Lisboa, em Julho último).

Terminou a «Guerra dos Cem Anos!». Foi o Prof. Malaca Casteleiro quem criou a expressão, a propósito do diferendo entre as grafias no Brasil e em Portugal, nascido em 1911, com a afirmação unilateral, do lado português, da reforma ortográfica da Língua.

Em Dezembro do ano passado, como realçava na entrevista que deu à ÁFRICA21, ainda estava assanhada a briga em torno da alteração da escrita de 1,6 por cento das palavras do léxico português.

Do lado brasileiro, estava aprovado o acordo negociado em 1990, sobretudo entre o brasileiro António Houaiss, entretanto falecido, e o português Malaca Casteleiro. Em Portugal o assunto agitava as opiniões e a então ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, atirava para um horizonte de dez ou mais anos a concretização prática do Acordo Ortográfico.

Nos restantes países da CPLP o assunto era visto como de somenos importância, com Cabo Verde e São Tomé e Príncipe a ratificarem o Acordo Ortográfico e os restantes a aguardar a clarificação da polémica luso-brasileira.

A 21 de Julho, a três dias do início da 7.ª Cimeira da CPLP o enguiço, ou a «guerra dos cem anos», desfez-se.

O Presidente da República portuguesa, Cavaco Silva, promulgou o segundo protocolo, que reconhece o Acordo Ortográfico, e foi aprovado na Assembleia da República apenas com quatro votos contra. Metade dos países da CPLP, representando 200 milhões de falantes, estava assim finalmente de acordo sobre o Acordo.

Pôde assim dar-se substância à agenda da cimeira, que tinha como objectivo central a promoção interna e externa da Língua Portuguesa. Se as promessas se cumprirem, em 2011 o espaço da língua portuguesa disporá de uma só ortografia, instrumento indispensável para tornar o idioma língua de trabalho nas instâncias internacionais, a começar pelo Conselho de Segurança da ONU.

O primeiro-ministro angolano, Fernando Piedade ‘Nandó’, que liderou a representação do seu país, abriu expectativas de reconhecimento após a realização das eleições de Setembro, sendo certo que a decisão deverá estar tomada em 2010, na 8.ª Cimeira, que vai realizar-se em Luanda.

Os restantes três países, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste, expostos a uma envolvente ambiental francófona e anglófona, como salientou o novo secretário-executivo, o guineense Simões Pereira, sublinharam a necessidade de um apoio por parte dos outros países da CPLP e reservaram a sua posição para a cimeira de Luanda.

O primeiro-ministro português, José Sócrates, deixou claro, em conferência de imprensa, que o seu Governo ia apoiar a escolarização e o ensino da língua no conjunto da CPLP, destinando para isso um Fundo da Língua, no valor inicial de 30 milhões de euros (47 milhões de dólares).

Do lado brasileiro a proposta de apoio foi mais direccionada para a formação de quadros superiores, através da criação da Universidade Luso-Afro-Brasileira (Unilab), para cursos de pós-graduação na saúde, física, biologia, tecnologia, engenharia, administração e agronomia. Esta universidade terá capacidade para cinco mil alunos, mas o Presidente brasileiro, Lula da Silva, não esclareceu com que fundos vai ser dotada a Universidade e quais as condições de acesso.

Em todo o caso, um instrumento já existente, o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP), criado em 2006, com sede na capital de Cabo Verde e dirigido pela angolana Amélia Mingas, viu reforçado o seu papel no seio da CPLP.

O papel do IILP

O IILP ocupa um lugar de referência na Declaração sobre a Língua Portuguesa, um documento-guia para a «efectiva mundialização da Língua Portuguesa».

Além de lhe expressar a sua «confiança», nas acções de «aplicação prática do Acordo Ortográfico, e na adopção de um Plano Estratégico» para a afirmação internacional do idioma comum da CPLP, confere-lhe tarefas específicas e com calendário a respeitar.

Na próxima reunião do Conselho de Ministros, a realizar na Cidade da Praia, provavelmente em Outubro do próximo ano, deve apresentar um plano concretizando as acções previstas na Declaração. Entre elas está a formação de tradutores e intérpretes que assegure a presença da Língua Portuguesa nos fóruns internacionais e o estabelecimento de uma rede de professores certificados da CPLP, ensinando com base em programas comuns «para o Ensino do Português como Língua Estrangeira».

Para que o IILP realize as tarefas de que fica incumbido, enfatiza a Declaração, é urgente que os governos da CPLP aí criem as suas Comissões Nacionais e que as que já existem sejam dotadas de uma real «operacionalidade». Uma questão que se levantou a propósito desta «operacionalidade» foi a da capacidade orçamental do IILP (ver caixa Orçamentos).

Com efeito, trata-se de um orçamento de funcionamento e expediente mínimos de um montante de 13 mil euros mensais (a 14 meses, segundo a regra salarial). Isto pressupõe que as comissões nacionais assegurem os seus próprios suprimentos.

O segundo documento da cimeira foi a Declaração de Lisboa, extenso documento que quase parece uma acta dos debates dos dois dias, que decorreram à porta fechada. Os temas políticos que fizeram a agenda tiveram por temática a paz e a segurança, a energia e a segurança alimentar. Mas o grande assunto da cimeira foi a Língua Portuguesa, entendida como «um património comum, num futuro global».

O primeiro-ministro português, no encontro final com os jornalistas, fez questão de citar uma figura cimeira da cultura lusa do século XX, Almada Negreiros, nascido em São Tomé. «Todas as palavras para salvarem o mundo já foram ditas. Resta fazê-lo», e é a «isso que nos propomos», acrescentou, deixando aos participantes a tarefa de levar a bom porto esta missão.

Nenhum comentário: