sábado, 20 de setembro de 2008

Timor-Leste/CORRUPÇÃO: AMEAÇA AO DESENVOLVIMENTO NACIONAL

Qualquer tipo de corrupção provoca efeitos nefastos no desenvolvimento nacional – Dr. Mari Alkatiri

(Foto de arquivo)


Intervenção de Dr. Mari Alkatiri, ex-Primeiro Ministro, na conferência sobre «Fortalecimento do Papel do Parlamento Nacional na Promoção de Transparência, Responsabilidade e Combate à Corrupção Através do Estabelecimento de uma Rede Nacional de Anticorrupção em Timor-Leste», Dili, 18 e 19 de Setembro de 2008

TEMA: «Corrupção: Ameaça ao Desenvolvimento Nacional»

Excelências!

Começo por agradecer o Senhor Presidente do Parlamento Nacional pelo convite que me foi endereçado para, na minha qualidade de ex-Primeiro Ministro deste país, dirigir-me a esta Conferência carregada de muito actualidade pelos temas que pretende abordar. Para mim, foi-me proposto o tema: “Corrupção: Ameaça ao Desenvolvimento Nacional”.

Começo por dizer: Corrrupção e desenvolvimento nacional negam-se e combatem-se mutuamente. São duas situações que se relacionam de uma forma contranatura. Diriamos mesmo que se apresentam, muitas vezes, como um permanente assédio entre as partes que resulta, normalmente numa espécie de casamento por conveniência e, como tal, prenhe de conflitualidades de toda a espécie.

A corrupção é um conceito que integra tipologias de actos e práticas das mais diversas com os mais diferentes objectivos a atingirem – politicos, económicos, sociais, eleitorais, etc. Por isso, reduzir a sua explicação numa simples definição em nada ajuda a compreensão do fenómeno. Fugindo a isso, muitos tentam discriminar os actos e as práticas que pensam poder subsumir no conceito genérico conhecido por corrupção.

Hoje, por falta de tempo, vamos falar da corrupção política, corrupção praticada pelo poder público.

Neste domínio, se tivermos em consideração os objectivos motivadores da corrupção, podemos distribuir o fenómeno em quatro grandes grupos:

1. Objectivos económicos : suborno, extorsão, desvio de fundos (embezzlement), recebimento de luvas (kickback), entre outras. Aqui, à excepção da extorsão, o corruptor e o corrompido concorrem ambos para atingir objectivos económicos. No caso da extorsão, i é, abusar do poder para obrigar o outro a efectuar pagamentos ilícitos o corruptor e o corrompido se confundem numa mesma pessoa;

2. Objectivos politicos: Clientelismo: para se manter no poder, o Líder faz-se rodear de elementos que dele necessitam para partilhar dos benefícios da governação, sem olhar para as suas competências. Nestes casos, muitas vezes, o Líder feixa os olhos a toda uma situação de corrupção anárquica, ou, outras vezes, porque sente a necessidade de ir alargando o número de pessoas integrantes do seu roll de clientes admite a organização de todo um sistema que favorece a corrupção. Quando isto acontece, quem se sente prejudicado e protesta é imediatamente assediado para fazer parte do grupo recebendo projectos para também retirar benefícios económicos. O Líder pode não ter objectivos económicos. Tudo o que quer é manter-se no poder e, algumas vezes, manter o gozo de um estatuto . Odeia sentir-se reduzido à condição um cidadão ordinário ou de um entre um número determinado de pessoas pertecentes a uma certa elite. Quer estar sempre destacado nos seio dos demais. Para tal, usa várias estratagemas, sendo a primeira de todas a de corromper. A segunda, a perseguição. A terceira, a repressão contra aqueles que não se deixarem corromper. E assim sucessivamente.

3. Objectivos sociais: Nepotismo e Cronismo, isto é, respectivamente, favorecer familiares e amigos. Existe favorecimento a familiares ou amigos quando, comprovadamente, uns ou outros têm acesso a participar em projectos ou outras actividades económicas, não por mérito próprio, através de concursos públicos transparentes, mas sim, por recomendação/decisão de quem está no poder, graças a favores deste;

4. Outros objectivos: O caso de uma investigação sobre um dado crime: O investigador perde a objectividade e vicia toda a sua investigação porque foi instruido a produzir um resultado determinado. Só o pode fazer, distorcendo os factos, eliminando algumas evidências, encontrando bodes expiatórios. Produz o resultado desejado por outros que nada tem a ver com a verdade material. Depois, o Juiz que julga o caso, na mesma linha, conduz o processo de julgamento e decide erradamente. Nem o investigador e nem o Juiz têm objectivos económicos. Só que ambos fazem parte do mesmo sistema. Finalmente, ainda o caso de fraude eleitoral para usurpar o poder.

Uma outra questão de grande dificuldade é saber qual o ponto de partida do processo de corrupção – daquele que corrompe, ou daquele que é corrompido?

É hábito dizer-se que não há corruptos sem corruptores. Assumindo esta máxima como verdadeira, a pergunta que se põe é: pode-se dizer que os corruptores não são também corruptos? Poderá haver corruptores sem corruptos? Não serão ambos as duas faces da mesma moeda? Claro que sim.

Então, qual é a razão da existência do corruptor e do corrupto como dois elementos separados? Qual deles aparece antes e qual depois? Estas perguntas pouco ou em nada difere daquela bem conhecida da relação causal entre o ovo e a galinha. Qual deles apareceu primeiro? A resposta é difícil porque as situações reprodutoras do fenómeno corrupção variam de lugar para lugar em função do ambiente politico e sistémico determinados.

Independentemente da importância ou não de se desvendar este mistério e saber se foi a galinha ou o ovo a aparecer primeiro, o mais importante é reconhecer como verdade que ambos co-existem no dia a dia. Nenhum sobrevive sem o outro. O memso em relação à corrupção. Corruptores e corruptos co-existem. E por que existem e co-existem não podemos ignorá-los. Devemos sim combatê-los.

A corrupção pode surgir de um modo anárquico ou organizado. Neste caso aparece como uma parte informal mas intrínsica e entranhada no sistema.

Há aqueles que se atrevem a comparar entre um tipo e outro de corrupção e concluir até que a corrupção organizada, parte informal do sistema é melhor ou vice versa.

Na perspectiva do operador económico, em particular o operador privado, talvez esta comparação possa ser feita na medida em que uma corrupção organizada facilita a vida ao operador e, enventualmente, encurta os caminhos que contornam as leis e os procedimentos. Numa corrupção organizada, o operador conhece a pessoa chave a quem deve corromper e esta, por sua vez, abre todas as portas e facilita a operação. É o equivalente a uma “janela única” num sistema transparente e responsável.

Mas, na perspectiva do país, qualquer tipo de corrupção provoca efeitos nefastos no desenvolvimento nacional. Isto porque os operadores económicos ao verem-se obrigados a pagar subornos, luvas, prémios, terminam incluindo tudo isso nos custos operacionais o que, no final, encarece a operação. Quem vai acabar por custear tudo isso é o herário público. Os recursos que deviam ser utilizados para o desenvolvimento nacional são desviados ilegalmente para benefiar os Agentes do Estado de diferentes escalões.

Os efeitos provocados são de vários tipos, a saber:

1. Ineficiência nos processos e distorções do sistema e dos valores;

2. Aumento de custos nos negócios privados com: i. pagamentos ilícitos, ii. riscos de serem detectados, mordomias, etc.

3. Facilita a destruição do ambiente com mega-projectos;

4. Atenta contra direitos sociais dos trabalhadores, dos sindicalistas;

5. Favorece a exploração do trabalho infantil;

6. Favorece o tráfico humano, o tráfico ilegal de armas, de droga, etc.;

7. Favorece a falta de transparência nos negócios públicos, em particular, na área dos recursos não renováveis e outros mega-projectos;

8. Distorce o funcionamento da economia e do Mercado;

9. Mina o crescimento económico sustentado;

10. Favorece a inflação;

E como a inflação é a mãe reprodutora da pobreza,

Aumenta o número de pobres

porque

Concentra a riqueza nas mãos de uma minoria, normalmente a um número não superior a quinze ou vinte por cento da população.

Como ultrapassar esta situação? Só há um único caminho e ele é:

O Reforço da Transparência e da Responsabilização nos Actos Públicos e Privados.

No caso vertente, o reforço do papel do Parlamento Nacional (PN) na fiscalização dos actos do Governo e das instituições do Estado em geral.

Para que isso possa acontecer, é necessário que o PN saiba dar o exemplo na adopção dos seus próprios actos e começar por repelir:

1. Actos e normas inconstitucionais;

2. Projectos atentatórios do equilíbrio social, económico, ambiental e moral;

3. Projectos que atentam contra a segurança e soberania nacionais;

4. Actos despesistas que abrem caminhos para todo o tipo de corrupção;

O PN deve igualmente tomar inciciativas legislativas para o reforço:

1. De todo o sistema de Justiça;

2. De todo o sistema da fiscalização dos actos públicos;

3. De combate a todo o tipo de corrupção;

4. De introdução no Curricula das Escolas de matérias sobre a corrupção e os seus efeitos.

5. De exigência de mais transparência nos actos públicos.

Tenho dito.

Muito obrigado.

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