Dom Moacyr Grechi - Arcebispo de Porto Velho
Conselho Indigenista Missionário (CIMI) http://www.cimi.org.br
27 agosto 2008/
Os povos indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, protagonizam uma luta de mais de 34 anos em busca do reconhecimento e demarcação de suas terras tradicionais. Durante esse período contaram com o decidido apoio da Igreja local, notadamente seus bispos, a Missão Consolata e os missionários do Cimi. No dia 2 de julho último, o próprio Papa Bento XVI afirmou a representantes indígenas: "faremos o possível para manter a sua terra", prometendo apoio à sua reivindicação para que a demarcação seja mantida sob a forma de terra contínua. A Terra Indígena Raposa Serra do Sol passou por todo o processo de estudo antropológico e histórico, teve os questionamentos dos invasores devidamente respondidos durante o processo de demarcação, foi finalmente demarcada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, em 2002, e homologada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva em abril de 2005. Os invasores de boa fé, pequenos e médios, foram retirados e reassentados em outras áreas de Roraima, devidamente indenizados por suas benfeitorias. Quem se recusa a deixar a área é o grupo de cinco (os indígenas falam em seis) grandes arrozeiros, apoiados por políticos, militares e pelo governador do estado. Em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal mandou suspender a Operação da Polícia Federal que visava retirar os grandes invasores daquela terra indígena e irá decidir nesta semana a respeito da constitucionalidade da homologação feita. É de grande importância este julgamento porque, como o caso ganhou notoriedade nacional e internacional, uma eventual anulação da homologação faria retroceder décadas de lutas dos povos indígenas e abriria um sério precedente, levando a insegurança a todas as terras indígenas já demarcadas e homologadas no país, com repercussão também nas terras quilombolas, de outras comunidades tradicionais, de agricultores familiares e, inclusive, em áreas de proteção ambiental, já reconhecidas (Pedro A. Ribeiro, Pe.Antonio Abreu, Bernard Lestienne, J.Ernanne Pinheiro, P. Maldos e Thierry Linard, na Analise de Conjuntura desse mês).
A decisão sobre a homologação da terra indígena Raposa Serra do Sol, está prevista para o dia 27 de agosto; os ministros do Supremo Tribunal Federal devem decidir se irão seguir o que está definido no Decreto de Homologação, publicado em 2005, que determina a demarcação contínua da área; a decisão do STF sobre a retomada da operação da Polícia Federal chamada de Upatakon 3, que retirava não-indígenas da reserva, também é aguardada. A ação foi suspensa no dia 9 de abril deste ano após o governo e senadores de Roraima terem movido uma Ação Popular pedindo a nulidade da Portaria nº 534, de abril de 2005, que definiu os limites da terra indígena.
A Igreja Católica, apoiando os povos indígenas da Terra Raposa Serra do Sol, publicou no dia seguinte, 10 de abril, a seguinte Nota: “Reunidos na 46ª Assembléia Geral da CNBB, solidarizamo-nos, mais uma vez, com a Diocese de Roraima e os povos da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. No último dia 4, através da “Nota de Esperança”, tornamos público nosso apoio à Operação Upatakon 3, que estava sendo realizada pelo Governo Federal para a retirada dos ocupantes não indígenas da referida terra. Na tarde de ontem, 9 de abril, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal, concedeu medida liminar na Ação Cautelar proposta pelo Governo de Roraima. Desta forma, ficam suspensos todos os atos de desocupação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol até o julgamento do mérito da primeira ação contra a demarcação desta terra, que também tramita no STF. Em nosso entendimento, a demora na retirada definitiva dos não índios que insistem em permanecer na terra homologada tem contribuído para o agravamento do quadro de violência a que estão submetidos os povos Ingarikó, Macuxi, Wapixana, Patamona e Taurepang. Não podem ser premiados os que violam sistemática e impunemente a Constituição, invadindo e ocupando de maneira ilegal terras que não lhes pertencem a nenhum título, promovendo ali o garimpo, a extração ilegal de madeira, a pecuária e plantações de arroz, ao arrepio da lei, e afrontando a Constituição Federal. No aguardo de que o STF possa julgar em breve o mérito da primeira ação contra a demarcação, pedimos ao Deus da Vida que oriente os caminhos a serem trilhados pelos povos habitantes do Estado de Roraima, para que não percam a esperança e possam alcançar a Paz e Justiça”.
Na “Nota de Esperança” afirmamos que “em nosso País, já temos feito uma caminhada muito significativa no reconhecimento e conquista dos direitos. Precisamos pagar essa dívida histórica que temos com os povos indígenas, os mais sofridos ao longo da nossa história. É hora de vislumbrarmos um novo horizonte, onde a pluralidade dos povos indígenas e seus direitos originários sejam definitivamente reconhecidos. Com a Diocese de Roraima, queremos manifestar nosso respeito, solidariedade e apoio aos Povos Indígenas que habitam a terra demarcada e homologada. O Evangelho anunciado e acolhido por estes povos faz deles, cada vez mais, sujeitos da sua própria história”.
Temos o compromisso de defender a vida em todas as suas manifestações, especialmente a vida humana (CF 2008). Fiéis à nossa missão, não fiquemos surdos nem sejamos indiferentes aos gritos de nossos irmãos indígenas da Raposa Serra do Sol: “Nossa Terra-Mãe, Raposa Serra do Sol, está situada no estado de Roraima, ao norte do Brasil, na fronteira com Venezuela e Guiana. Nela vivem 18.992 indígenas dos povos Macuxi, Wapixana, Taurepang, Patamona e Ingarikó, distribuídos em 194 comunidades. Nossa terra ocupa 7% da extensão do estado; antigamente era 100% habitada pelos povos indígenas. As comunidades da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e nossas organizações pedem o apoio e a solidariedade frente à invasão de nossas terras e violação de nossos direitos fundamentais conquistados, ao longo destes anos, com muito sofrimento e sangue, com 21 indígenas assassinatos. Solicitamos urgentemente que apóiem nosso pedido ao Supremo Tribunal Federal, para que ratifique e faça cumprir o decreto de Homologação de nossa terra, assinado em abril de 2005, e determine a retirada dos invasores da Nossa Terra Mãe. A luta pela Terra Indígena Raposa Serra do Sol é emblemática para todo o Brasil. Por isso, é importante destacar que se a decisão do Supremo Tribunal Federal for a favor dos invasores, abre-se um precedente gravíssimo na legislação brasileira. Todas as terras indígenas do Brasil, já demarcadas, homologadas e registradas, poderão ser contestadas e revisadas. Isto seria um grande retrocesso nos direitos indígenas, conquistados e consagrados pela Constituição Federal, direito internacional: Convenção 169 da OIT e declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas” (trecho da Carta das Comunidades Indígenas da Raposa Serra do Sol).
Conscientes de que a situação em Roraima não é apenas um conflito entre invasores de terras indígenas e povos indígenas que requerem a demarcação das terras que tradicionalmente ocupam (terras, aliás, reconhecidas pelo Estado brasileiro como “terras indígenas”), mas se configura como uma situação flagrante de agressão aos Direitos Humanos, portanto, crime contra os direitos dos povos indígenas, crime contra a humanidade, apelamos ao Supremo Tribunal Federal, que ratifique o decreto de homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, retirando os invasores e fazendo assim a justiça esperada pelos povos indígenas há 34 anos de luta e de sofrimento.
A ratificação do decreto de homologação da Terra indígena Raposa Serra do Sol, é fundamental para os povos indígenas de Roraima e do Brasil, uma vez que já harmonizou vários interesses públicos nacionais.
http://www.cimi.org.br/?system=news&action=read&id=3395&eid=247
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