segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

CPLP/400 anos de padre Vieira assinalam defesa do humanismo

Lisboa, 2 fevereiro 2008 - Antônio Vieira foi um padre jesuíta do século 17, missionário e diplomata, que passou parte da vida no Brasil e ficou para a história como precursor na defesa dos direitos humanos e grande prosador da língua portuguesa.
Há quatro séculos, e ao longo de 89 anos de vida, atravessou sete vezes o oceano Atlântico e percorreu milhares de quilômetros no Brasil, Amazônia incluída, tendo deixado uma vasta obra literária, composta por 200 sermões, 700 cartas, tratados proféticos e dezenas de escritos filosóficos, teológicos, espirituais, políticos e sociais. Fernando Pessoa chamou-lhe “Imperador da Língua Portuguesa”.
Nasceu no dia 6 de fevereiro de 1608 na Freguesia da Sé, em Lisboa, primogênito de quatro filhos de Cristóvão Vieira Revasco, um escrivão de origem alentejana cuja mãe era negra, e de Maria de Azevedo, lisboeta, e partiu para o Brasil com a família aos sete anos de idade.
Em Salvador, freqüentou o Colégio dos Jesuítas e entrou para a Companhia de Jesus em 1623.
Antes de ser ordenado padre, em 1634, já proferira os primeiros sermões e rapidamente adquiriu fama de notável pregador, começando a catequizar indígenas e tornando-se seu defensor, depois de ter aprendido as respectivas línguas - estes chamavam-lhe “Paiaçu”, que significa “Pai Grande”.
Em 1641, após a restauração da independência de Portugal, regressou a Lisboa, onde conquistou a amizade e confiança do rei D. João IV que, ao longo de 11 anos, o incumbiu de difíceis e perigosas missões em França, Holanda e Itália.
Acreditava veementemente na vocação expansionista portuguesa, tendo escrito num dos seus sermões: “Por isso nos deu Deus tão pouca terra para o nascimento e tantas terras para a sepultura. Para nascer, pouca terra, para morrer, toda a terra; para nascer, Portugal, para morrer, o mundo”.
Nunca deixou, no entanto, de seguir estritamente as regras da retórica e de se subordinar aos interesses da Companhia de Jesus, afirmando-se sempre como um homem de fé.
“Nenhuma coisa quero senão acertar com a vontade de Deus, pelos meios que ele deixou neste mundo para a conhecermos”, declarou, numa carta enviada do Estado do Maranhão ao padre André Fernandes, em 1654.
Todavia, quando os interesses da Coroa se sobrepunham aos dos Jesuítas, defendem os estudiosos que Vieira privilegiava os da Coroa.
Assim se entende que, nas suas missões pela Europa ao serviço de D. João IV, além de ter negociado a aquisição de Pernambuco aos holandeses, tenha também angariado fundos para a guerra contra Castela e para financiar as Companhias Comerciais do Ocidente e do Oriente, comprado munições e recrutado mercenários.
Para Antônio Vieira, Portugal era um instrumento da providência divina, fundador de uma nova era da cristandade e estava destinado a ser, depois dos caldeus, persas, gregos e romanos, aquilo que designava como Quinto Império - e a dinastia de Bragança era a escolhida para difundir o catolicismo nos novos territórios, entre as novas gentes.
Em 1652, regressou ao Brasil, mais precisamente ao Maranhão, e tornou-se missionário, mas acabou por ser perseguido e expulso pelos colonos, por combater ferozmente a escravatura dos índios nas plantações de cana do açúcar.
De regresso a Portugal em 1661, cinco anos após a morte de D. João IV, e sem a sua proteção, Antônio Vieira foi finalmente apanhado pela Inquisição, que o perseguia há uma década, e condenado como herege por ter usado um texto não-canônico para fazer profecias, numa carta pessoal que lhe foi confiscada.
Passou cinco anos na prisão do Santo Ofício em Coimbra antes de partir para Roma para tentar que a sua sentença fosse revista, aí permanecendo durante seis anos, em que pregou à Corte Pontifícia e à exilada rainha Cristina da Suécia, de quem se tornou confessor.
Apesar do êxito alcançado com os seus sermões em italiano, assim que obteve, em 1669, o perdão do Papa - que o livrou para sempre da jurisdição da Inquisição - regressou a Lisboa.
Em 1681, com 73 anos, rumou novamente ao Brasil, na sua sétima viagem transatlântica, e aí viveu, na Bahia, até ao fim, em 1697, aos 89 anos.
Tolerância, convicções humanistas e um forte sentido patriótico caracterizaram o homem que se bateu, há 400 anos - em língua portuguesa - pelo respeito das diferentes culturas que falam a mesma língua, a defesa do direito a diferentes religiões e às liberdades, opondo-se à opressão e à escravatura, e a luta pela identidade própria e respeito da dos outros.
Em suma, lutou pela construção de uma cidadania global, numa época em que, em conseqüência das mudanças culturais resultantes de uma primeira globalização, todos os povos e culturas passaram a estar em contato uns com os outros.
Em pleno século XXI, os estudiosos consideram que é essa a atualidade da vida e obra do Padre Antônio Vieira: vive-se novamente uma época de globalização e, como ele escreveu, “a história é aquele espelho em que olhando para o passado se antevêem os futuros”.
Em Portugal, a maioria identifica-o apenas como o autor do “Sermão de Santo Antônio aos Peixes”, uma obra que pertence há anos ao programa da disciplina de português do Ensino Secundário e que é invariavelmente encarada com bocejos de desinteresse.
No Brasil, chamam-lhe “Antônio” Vieira e consideram-no um escritor brasileiro.
Em ano de efeméride, 400 anos vividos sobre o seu nascimento, o homem de Deus e do mundo será relembrado de ambos os lados do Atlântico. (Lusa)

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