Por Tom O'LincolnMR Zine/19 fevereiro 2008/Fonte e tradução: Timor Online
A última crise de Timor-Leste é a mais estranha de todas. O tiroteio que deixou o presidente José Ramos Horta nos cuidados intensivos e matou o carismático amotinado Major Alfredo Reinado, não está ainda explicado.
Primeiro disseram-nos que era uma tentativa de golpe pelas forças de Reinado, ex-soldados dissidentes que tinham vindo dos seus esconderijos nas montanhas para cercar a casa de Horta e depois para balearem o carro do Primeiro-Ministro Xanana Gusmão. Supostamente isto acontecera depois dum encontro entre o Presidente e o Major que tinha “acabado azedamente”.
Depois emergiu que Reinado morreu primeiro: "vizinhos e pessoal da casa de Ramos Horta disseram ao Australian que não foi Reinado quem disparou o primeiro tiro. Pelo contrário, disseram que ele apareceu ao portão a perguntar pelo Presidente e que foi quase imediatamente baleado num olho."
A seguir o cunhado de Ramos Horta, João Carrascalão, afirmou que ambos o Presidente e o Major tinham sido tramados, parece que por secções das forças armadas. Carrascalão diz que alguém baleou o Presidente pelas costas quando ele subiu um monte a pé em direcção aos homens de Reinado. Entretanto o Ministro da Economia João Gonçalves revela que o encontro entre Horta e Reinado fora um grande sucesso, e que estava a caminho um acordo de amnistia para ambos o Major e os seus seguidores. Então porque é que os amotinados iam atacar?Ramos Horta pode recuperar ou não o suficiente para retomar as funções. Reinado foi-se, mas, pelo menos por agora, reforçou-se o seu culto entre sectores da população a oeste de Dili. Os amotinados continuam ao largo, e os Australianos levaram um enorme golpe no seu prestígio ao terem permitido que tudo isto acontecesse mesmo debaixo dos seus narizes.
30,000 pessoas continuam a viver em campos depois da violência de 2006, enquanto as inundações e uma praga de gafanhotos torna a vida miserável. Agências falam de "fadiga de dadores" enquanto a imagem heróica de Timor-Leste se dilui e a ONU se apresta a cortar rações aos habitantes dos campos. O governo tem um plano para ajudar os deslocados a regressarem a casa, mas leis de propriedade confusas atrapalham o caminho.
Podia-se esperar conversa de acção para responder às necessidades das pessoas, mas a resposta do novo governo Australiano do Labor ecoa a do seu predecessor da ala direita -- botas no terreno. O Primeiro-Ministro Kevin Rudd tinha criticado o regime de Howard por se apoiar em soluções militares, mas mandou rapidamente novas forças armadas para Timor, elevando o total para cerca de um milhar, fazendo o grosso da chamada Força Internacional de Estabilização. Estes incluem comandos SAS que falharam uma tentativa para capturar Reinado apesar de terem helicópteros Blackhawk e "todo o tipo de aparelhagem moderna."
Eles enfrentaram críticas ferozes depois do tiroteio. "Não há nenhuma necessidade de enviarem mais tropas," disse o líder da Oposição Mari Alkatiri. "Já têm tropas suficientes aqui para fazerem o trabalho." disse o chefe das forças militares de Timor-Leste, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, que estava "chocado" por as forças de Reinado poderem ter alcançado a casa de Horta no desconhecimento dos Australianos.
A situação está carregada. Há uma relação simbiótica entre o governo Horta-Gusmão que conseguiram o cargo com muita dificuldade o ano passado e a presença Australiana (e da Nova Zelândia). O governo está efectivamente escorado por tropas estrangeiras, ao mesmo tempo que os planos Australianos para estabilizar o país assentaram no prestígio pessoal de Gusmão e nas capacidades políticas de Ramos Horta. Agora as tropas são um motivo de risota. Horta está ferido com gravidade, a versão dos eventos de Gusmão parece desacreditada e um chateado antigo partido do governo, a Fretilin, aguarda a sua vez no fragmentado parlamento. Todos os planos de Canberra podem-se desconjunturar.
Os estrategas Australianos estão a fazer perguntas nervosas acerca do plano de jogo a longo prazo de Rudd e da estratégia económica do governo de Timor-Leste.
Como o poderoso comentador do jornal Australian Greg Sheridan realça, o espalhar destes eventos pode cruzar-se com tumultos noutras partes do "mundo da Melanésia" -- um ponto que Rudd fez durante a eleição. Isso é as ilhas Estados etnicamente relacionadas que correm desde o leste de Timor até às Fiji. Sheridan quer que a Austrália comece com energia para durar e actue com mais agressividade.
"A Austrália é uma força separada e poderosa na política de Timor-Leste e quanto mais depressa reconhecer isso, melhor. A Canberra nunca devia ter autorizado que Timor-Leste tivesse desenvolvido ambas uma força armada e uma polícia, por exemplo." E diz que a crise corrente "sublinha a necessidade dumas forças armadas Australianas maiores."
Mas essas forças armadas cada vez são menos populares em Timor-Leste. Na semana antes de Ramos Horta ter sido atacado, o seu filho Loro escreveu que os Australianos estavam "a abusar da hospitalidade," citando uma série de ultrajes, por exemplo o incidente de Outubro de 2006 quando a ADF estabeleceu postos de controlo à volta do quartel das forças armadas de Timor-Leste. "Taur Matan Ruak foi prevenido sob armas apontadas de sair do seu próprio quartel" até ter sido revistado, o que deixou um trave amargo desta "humilhação às mãos dum soldado adolescente Australiano."
Uma das razões porque a "Força de Estabilização" se estampou ao comprido é por falta de raízes na sociedade local. Reinado escapou ao seu poder porque tinha uma fonte próxima dos Australianos. Contudo parece que ninguém contará nada aos Australianos.
À primeira vista parece que o governo devia ser capaz de fazer um plano económico. No fim de contas há os rendimentos do petróleo e do gás, com mais de um bilião de dólares num fundo especial em Nova Iorque. Horta e Gusmão foram para as eleições do ano passado a prometerem canalisar esses fundos mas pouco fizeram sobre isso. Isto acontece em parte porque a estratégia deles parece ser a de um regime neo-liberal de desregulamentar com impostos mínimos para os negócios e a máxima confiança no espírito empresarial. Mesmo se isso não pusesse em risco de acabar nas mãos de capitalistas predadores a maioria dos recursos, a realidade é que os empresários não arriscam nada no pesadelo de segurança que Timor-Leste é hoje.
Depois do assalto falhado contra Reinado, multidões fizeram barricadas nas ruas de Dili, queimaram pneus e gritaram "Australianos vão-se embora!" A raiva explodiu outra vez quando as tropas atacaram um campo de deslocados perto do aeroporto em 23 de Fevereiro, usando tanques, gás lacrimogénio e balas e mataram duas pessoas. Mas é preciso uma força social mais coerente para desafiar tropas imperialistas. O candidato mais provável é a Fretilin, mas este partido parece mais ansioso para reganhar o controlo parlamentar do que para construir um movimento social mais amplo.
Há uma outro golpe no horizonte para Kevin Rudd, contudo: outras forças do exterior que gostam de se intrometer. Portugal eatá a tentar recuperar algum do seu antigo poder. A bem conhecida estratégica diplomática de China está a construir mega-estruturas para bajular o governo, incluindo o novo edifício do Ministério dos Estrangeiros que de acordo com uma revista é "o maior edifício do país – obscenamente grande – muitas vezes o tamanho do Hospital de Dili Hospital." Eles têm esperança de influência no retorno.
Talvez o mais surpreendente é a re-emergência da Indonésia. Yanto Soegiarto, um jornalista próximo dos militares Indonésios, oferece uma solução para os problemas de Timor-Leste. "Dêem aos militares Indonésios uma oportunidade para restaurar a segurança e a estabilidade em Timor e a situação melhorará. . . . a Indonésia e Timor-Leste têm agora uma relação fraternal. Os Timorenses verão as tropas Indonésias mais como os seus novos irmãos comparados com o estilo Ocidental, dos soldados brancos pesadamente armados que tentam sempre parecer superiores."
Isto não é tão absurdo quanto parece, dadas as multidões que aplaudiam o Presidente Indonésio Yudhoyono quando da sua visita em 2005. O governo de Jacarta, ainda muito intimamente ligados aos militares, não está contente com a visão de um milhar de tropas Australianas ao pé da sua porta e procurará bastante novos caminhos para reganhar peso em Timor-Leste.
Tom O'Lincoln tem sido activo na esquerda desde 1967, no German SDS, na UC Berkeley, e durante muitos anos em Melbourne Australia. É autor ou editor de cinco livros sobre história e políticas Australiana (Into the Mainstream: The Decline of Australian Communism; Years of Rage: Social Conflicts in the Fraser Era; United We Stand: Class Struggle in Colonial Australia; Class and Class Conflict in Australia; e Rebel Women in Australian Working Class History), e mantém o website de intervenções marxistas: www.anu.edu.au/polsci/marx/interventions/.
Tom é um membro da Alternativa Socialista.
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