Emir Sader *
Agência Adital/Do blog do Emir/5 outubro 2007
O Equador não existia para nós. A única referência que me lembro, da escola - além da capital, Quito -, era quando sistematicamente caía nas provas a perguntinha: Quais os dois únicos países da América do Sul que não têm fronteira com o Brasil?
Só aí entrava o Equador, junto com o Chile, com o sentido de que, eram países tão longínquos - para não dizer exóticos -, que nem fronteira tinham com um país continente como o nosso. Nem isso tinham. O que se poderia esperar de países assim?
O Chile pelo menos tinha times de futebol, como o Colo Colo - que nem sabíamos que era o nome de um cacique da resistência mapuche aos colonizadores -, tinha Elias Figueroa. Nem música conhecíamos desses países. A linha do Equador era insuficiente para despertar nossa atenção sobre o Equador, mesmo se andaram ganhando de nós no futebol.
De repente começamos a saber que mobilizações populares - tivemos que ficar sabendo que os movimentos indígenas tem um grande peso ali - haviam derrubado sucessivamente três presidentes que insistiam em manter programas de governo neoliberais. O terceiro deles - Lucio Gutierrez - foi eleito com apoio dos movimentos indígenas, mas antes mesmo de tomar posse, foi aos EUA e assinou acordos com o governo daquele país que contradiziam frontalmente sua própria plataforma de campanha.
No ano passado, o vice-presidente de Gutierrez tentou assinar um Tratado de Livre Comércio com os EUA, mas foi impedido por nova onda de manfestações populares, que desembocaram nas novas eleições presidenciais. Rafael Correa, um economista cristão, apresentou sua candidatura como expressão desse movimento de questionamento do neoliberalismo e da subordinação às politicas dos EUA - que, entre outras conseqüências, havia tido a dolarização e a instalação de uma base militar estadunidense no país, em Manta.
Alinhado com a proposta de refundação dos Estados latino-americanos, Rafael Correa assumiu essa reivindicação, junto com o fim da dolarização, a retirada da base militar dos EUA, a integração na Alba, a superação do neoliberalismo, entre outras. Rafael Correa venceu quatro eleições sucessivamente, em poucos meses: o primeiro e o segundo turnos da eleição presidencial, uma consulta popular sobre a convocação da Assembléia Constituinte e, agora, ganhando a maioria absoluta na composição deste.
Vitorioso na eleição presidencial, Rafael Correa fez duas declarações significativas: "Terminou a longe noite do neoliberalismo" e "Vivemos não uma época de mudanças, mas uma mudança de época". Com essas duas referências, Correa está conduzindo o Equador para o pós-neoliberalismo. Um país que teve mais de um milhão de emigrantes, quando sua economia foi dolarizada. Um país que tem 700 mil equatorianos só na Espanha. Que produz, mas não refina petróleo, até que o governo da Venezuela financia a construção de uma usina para fazê-lo no Equador.
Rafael Correa afirma que o Equador está disposto a sair do dólar, mas para isso precisa de uma moeda forte, não o retorno ao sucre, mas uma moeda regional, uma moeda do Mercosul. Também por isso ele é o maior adepto do Banco do Sul, em que os países da região deixarão de depositar suas reservas em bancos estadunidenses, recebendo magros juros e pagarão juros altos quando pedem esse mesmo dinheiro emprestado. Um banco que passará a financiar, com juros subsidiados, o desenvolvimento econômico e social da região, um Banco do Sul para o Sul.
Já nunca mais poderemos desconhecer o Equador, nem seu presidente, seu povo, seu processo político e sua história, porque agora o Equador faz fronteira com todos os países da região, irmanados na construção de um continente justo, soberano e solidário.
* Cientista político, UERJ
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