25 abril 2014,ODiário.info http://www.odiario.info (Portugal)
Acredito que as sementes de Abril germinarão após a sua longa
hibernação. Os trabalhadores não esqueceram as prodigiosas conquistas da
geração revolucionária, nos dias em que Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves -- dois
grandes portugueses do século XX - deram uma contribuição fundamental para o
avanço da revolução democrática e nacional. A maré da resistência enche a cada
semana.
Transcorreram 40 anos desde o 25 de Abril de 1974.
O povo português festejará hoje em todo o país o aniversário do
derrubamento do fascismo.
O golpe militar daquela madrugada foi concebido para pôr fim à
guerra colonial. Mas a participação torrencial do povo alterou em poucas horas
o rumo e o objetivo do movimento. As massas, tomando as ruas, empurraram os
capitães de Abril para uma revolução na qual a aliança Povo-MFA desempenhou
papel decisivo.
Foi uma revolução diferente de tudo o que se conhecia. Em 18 meses,
no contexto de uma luta de classes exacerbada, permanente, Portugal avançou
mais na História do que nos três séculos anteriores. Não há precedente na
Europa Ocidental desde a Comuna de Paris para conquistas sociais tão
importantes como as da breve Revolução de Abril. Reforma Agrária tão ambiciosa
não acontecera antes.
Até onde iria essa revolução?
A pergunta perde sentido porque a rutura da aliança Povo-MFA,
ideada e provocada pelo Partido Socialista e apoiada pelo PSD (e o CDS, seu
apêndice), abriu a porta à contrarrevolução vitoriosa em Novembro de 1975.
Não era, porém, previsível que a destruição da herança
revolucionária fosse tão rápida e profunda.
Quatro décadas depois, a classe dominante, que fora varrida do
poder, está novamente nele encastelada. O governo que a representa, chefiado
por um político de vocação neofascista, impõe ao Pais medidas que em alguns
casos são tão reacionárias que nem Salazar as aplicou.
Como foi possível a mudança da correlação de forças que inverteu o rumo da História, empobreceu dramaticamente o País e o fez regredir décadas?
Muitos anos passarão até que a pergunta tenha uma resposta
rigorosa.
Mas é a amargura nascida da rejeição do presente e o sentimento de
repúdio à política do atual governo fascizante que imprimirá hoje às
gigantescas manifestações de Lisboa e do Porto um carater de protesto massivo
do povo português.
Muitos dos militares e civis que tiveram participação relevante nas
inesquecíveis jornadas de Abril de 74 já faleceram. Não podiam imaginar que
Portugal projetaria hoje no mundo a imagem de um país surreal, uma ditadura da
burguesia de fachada democrática no qual a política é um pântano.
O bando que desgoverna o país criou uma linguagem adequada à sua
estratégia devastadora. É um estranho léxico que visa anestesiar a consciência
das vítimas. Ao roubo dos salários chamam «sacrifícios», «contribuição de
solidariedade» a um brutal imposto, e a indignação do povo é farisaicamente
transformada em «compreensão dos portugueses».
Numa comunicação social submissa, os comentadores retomam e
vulgarizam essa linguagem. A maioria critica o acessório para fazer a apologia
da «austeridade» como mal necessário. Alguns cumprem com devoção e habilidade a
tarefa de confundir o povo.
No heterogéneo governo Passos & Portas as contradições são
permanentes, refletindo a incapacidade do timoneiro, que se comporta como um
pajem da chanceler Angela Merkel.
Uma corrupção desenfreada instalou-se nos Ministérios, na cúpula da
alta Administração e na banca. Favores e prémios escandalosos aos epígonos do
poder são a contrapartida das punições impostas aos trabalhadores, reformados e
pensionistas. Não surpreendeu a notícia de que Gaspar vai ter no FMI um
vencimento mensal de 23 000 euros. É uma recompensa pelos serviços prestados ao
grande capital pelo ex- ministro das Finanças. Ampliar a desigualdade tem sido
aliás, quase uma obsessão para Passos & Portas. Hoje, as fortunas dos 46
portugueses mais ricos representam l0 % do PIB nacional (in «Correio da Manhã»,
4.04.14).
Ao avaliar o gabinete, admito que alguns ministros e secretários de
estado terão sido cidadãos comuns, acima de suspeita, antes de ingressarem no
Governo. Mas hoje, pela sua participação e cumplicidade na obra criminosa em
curso, não há um só que possa ser merecedor de respeito. Palavras como
hipocrisia, ambição, incultura, ignorância, egoísmo, crueldade, cobardia são
insuficientes para qualificar os atos e o caracter dessa gente.
Nas vésperas do aniversário da Revolução os partidos que controlam
a Assembleia da Republica demonstraram com clareza a sua ideologia reaccionária
opondo-se a que na sessão comemorativa da efeméride usasse da palavra um
representante dos capitães de Abril.
Um dia, espero que não muito distante, ficará transparente que a escória humana que hoje exerce o Poder político se comportou coletivamente como inimiga do povo português.
O que fazer?
A velha e pertinente pergunta leninista é atualíssima neste
Portugal saqueado e humilhado, no qual até as Forças Armadas, as Polícias e a
Guarda Nacional Republicana expressam já o seu descontentamento nas escadarias
da Assembleia da Republica.
Acredito que as sementes de Abril germinarão após a sua longa
hibernação. Os trabalhadores não esqueceram as prodigiosas conquistas da
geração revolucionária, nos dias em que Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves - dois
grandes portugueses do século XX - deram uma contribuição fundamental para o
avanço da revolução democrática e nacional.
A maré da resistência enche a cada semana, apesar da alienação de
grande parte da população. Essas lutas, agora permanentes, diárias, ampliam-se
com destacada participação da CGTP e dos comunistas. Mas é ainda insuficiente o
protesto popular. A resposta à intolerável opressão social e económica terá de
assumir uma amplitude muito maior.
Já Locke, no seculo XVII, na sua Teoria do Estado Liberal, defendia
o direito à rebelião quando a tirania ofende a condição humana.
A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em l948, abre também a porta à rebelião dos povos quando os direitos por ela enunciados e garantidos são violados.
É o que o governo de Passos & Portas faz, impune, com
arrogância desafiadora. Até quando?
Vila Nova de Gaia, 25 de Abril de 2014
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