24 abril 2014,
Rádio Moçambique http://www.rm.co.mz (Moçambique)
Em Moçambique, o ritmo de crescimento anual tem
rondado os 8% nos últimos anos, em parte devido à descoberta de reservas
energéticas. Porém, metade dos 23 milhões de habitantes vive na pobreza.
Contrastes abordados pela euronews com o Presidente Armando Guebuza, durante a
cimeira recente cimeira UE-África, em Bruxelas e só agora tornada pública.
Euronews:Esta cimeira União Europeia-África quer passar de um
modelo de ajuda para um modelo de investimento e comércio, nomeadamente com o
sector privado. No que é que isso se vai traduzir?
Armando Guebuza: Um dos nossos sectores tradicionais é o da
agricultura, onde a produtividade está a aumentar. Isso já é um passo
importante e gera a necessidade de criar agroindústria. Isso gera, ainda com
mais acuidade, a necessidade de termos infraestruturas para
poder alimentar
esses processos. E também há o turismo. África é um centro turístico
importante, não só pelas praias, mas sobretudo pela natureza, pela fauna
bravia, etc.
Euronews:E qual seria o papel dos europeus, nomeadamente nesta
nova pareceria de comércio e investimento? Qual é o modelo que seria desejável
para otimizar esse crescimento?
Armando Guebuza:O que a Europa pode e deve continuar a fazer é
apoiar-nos, sobretudo, nas infraestruturas, na formação e no combate às doenças
perigosas. Em Moçambique está-se a trabalhar, numa fase ainda pouco avançada,
na pesquisa da vacina contra a cólera para as crianças. A mão da Europa tem
sido muito forte no apoio à criação das instituições. Moçambique tem hoje mais
de 40 instituições de ensino superior distribuídas por todas as províncias.
Euronews:O facto é que a taxa de pobreza não tem decrescido
como seria de esperar. Metade da população ainda vive na pobreza. Os
transportes, o acesso à água e à eletricidade é algo para a elite. Ora se há
mais dinheiro disponível, porque é que não há mais serviços?
Armando Guebuza:A atitude das pessoas não muda só porque houve um
crescimento repentino de 10% ou 15%. A distribuição de riqueza não se faz em
termos aritméticos nem matemáticos, faz-se criando empregos, hospitais,
infraestruturas, etc. Cada uma dessas coisas leva muito tempo a construir.
Apesar do crescimento que África está tendo, ainda necessita, por exemplo, para
fazer uma estrada asfaltada de 100 ou 200 quilómetros, de grandes investimentos
que não estão a seu dispor. Mesmo na Europa e noutros países desenvolvidos a
crise tem a ver com falta de emprego. Não pode dizer-se que é falta de
dinheiro, de recursos! Tem os recursos mas não a ponto de absorver toda a
mão-de-obra. Nós, que estamos a começar a crescer, obviamente não podemos ver
de um ano para o outro esse desenvolvimento.
Euronews:Vemos também uma grande onda migratória vinda de
África, apesar da ideia de que a Europa é uma fortaleza. Muitas pessoas ainda
morrem no caminho para a Europa e há muitas redes de tráfico de seres humanos.
Como pensa que deve ser resolvido esse problema?
Armando Guebuza:O problema é socioeconómico. O que se deve fazer é
criar mais empregos, investir no melhoramento das condições de vida, continuar
o reforço na formação técnico-profissional, na formação universitária e nas
infraestruturas. Isso vai travar as pessoas de saírem de África para a Europa
ou para qualquer outro continente à procura de melhores condições de vida.
Euronews:Voltando à questão dos recursos naturais como uma
fonte de riqueza. Moçambique é muitas vezes apontado como um novo “Eldorado” devido
às recentes descobertas energéticas. Mas essa “bênção” transforma-se, em muitos
países, num “presente envenenado” que leva à escalada da corrupção, mais
conflitos armados, devastação ecológica. Como é que Moçambique e outros países
que fazem estas descobertas podem evitar esse cenário? E podem as parcerias com
os europeus ajudar a evitá-lo?
Armando Guebuza:O problema dessas descobertas de recursos mostra, na
essência, que temos insuficiências grandes na área do conhecimento, tecnologia
e ciência porque já as deveríamos ter descoberto antes. Também temos grandes
deficiências no acesso ao capital porque já poderíamos ter feito uso dele há
mais tempo. O que temos de fazer agora é usar essas descobertas – apoiados em
investimentos da Europa -, para criar mais recursos que possamos investir. O
que se ganhar em termos de impostos e oportunidades de negócio deve ser
utilizado para enriquecer o orçamento.
Euronews:Queria falar agora sobre a paz no continente africano.
A UE é um dos maiores contribuintes para missões de pacificação, de que são
exemplo recente a República Centro-Africana e o Mali. Ao longo de 10 anos foram
transferidos 1200 milhões de euros para a chamada “Facilidade de Apoio à Paz”
em África, mas o continente parece incapaz de prevenir e de resolver os
conflitos armados.
Armando Guebuza: A África tem consciência de que há problemas, a África
move-se quando há problemas e tenta antecipar e prevenir os problemas que
surgem mas, obviamente, trata-se de questões humanas ligadas a problemas
socioeconómicos e culturais, ligadas a conflitos seculares entre certos setores
da população. Não se resolvem porque se dá mais um bilião de dólares!
Euronews: Mas estas missões são úteis?
Armando Guebuza:Fazem parte da solução, mas não são a solução. Sim,
precisamos de continuar a ter o apoio da Europa. Mas não pensemos que o apoio
da Europa é uma varinha mágica que resolve todos os problemas! Oxalá
fosse!
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