2 maio 2010/Rádio Moçambique (RM)
(Esta entrevista foi concedida por Armando Guebuza presidente de Moçambique, aos jornalistas portugueses João Marcelino (Diário de Notícias) e Paulo Baldaia (TSF) durante a sua visita a Portugal, de 29 e 30 de abril passado. Fonte: Rádio Moçambique )
Pergunta – Está satisfeito com as relações económicas entre Portugal e Moçambique, ou esperava que os dois Governos e as duas comunidades empresariais tivessem feito melhor nestes 30 anos?
AGuebuza – Estou satisfeito. Naturalmente, há espaço para se fazer mais, mas as relações, a nível político, diplomático e de cooperação, estão muito boas. Neste momento, temos entendimentos que vão elevar o nível de cooperação, para permitir que essas relações possam produzir os resultados que esperamos.
Pergunta - Mas ao nível económico - dir-me-á se estes números estão certos ou não - Portugal exporta um pouco mais de cem milhões de euros para Moçambique; Moçambique retribui com 50 milhões. O que pode fazer-se, na sua perspectiva, para equilibrar esta balança?
AEGuebuza – O que pode fazer-se é o que está a fazer-se agora mesmo: muitos investimentos portugueses em Moçambique, investimentos na área de infra-estruturas e na área produtiva. Isso vai permitir que possamos ter mais comércio e que possamos aumentar a capacidade produtiva do nosso país. Penso que estamos exactamente nesse caminho. Com Portugal, estamos a trabalhar na criação de infra-estruturas, na expansão de infra-estruturas e na área de investimento produtivo.
Pergunta - É verdade que o arrastar da solução para Cahora Bassa impediu que se dessem passos mais largos nessa cooperação? Se tivesse sido Cahora Bassa resolvida muito mais rapidamente, estaríamos hoje...
AEGuebuza – Com muitos "ses" é complicado. Não se faz história com "se". Prefiro acreditar que, a partir do momento em que resolvemos o problema de Cahora Bassa, podemos aproveitar esta ocasião para avançar.
Pergunta - Uma pergunta concreta, sem "ses", em relação à parte que o Governo português ainda tem em Cahora Bassa, cerca de 15%. Moçambique vai tomar essa fatia de Cahora Bassa? Preferia vê-la nas mãos de investidores portugueses? Nas mãos de investidores moçambicanos?
AEGuebuza – Temos um acordo para ficarmos com 7,5%, portanto, metade. A outra metade dependerá do Governo português. Naturalmente, depende de Portugal e nós, perante uma informação da parte portuguesa, vamos reagir positivamente. Porque queremos que haja alguma coisa, nesses 7,5%, que ajude a estimular o nosso relacionamento económico.
Pergunta - Está também a ser ouvido por empresários portugueses e a ser lido no DN por empresários portugueses. Em que áreas precisa Moçambique que Portugal invista?
AEGuebuza – Infra-estruturas é uma delas, mas também na agricultura, particularmente florestas. Nós temos a Portucel, que está interessada e está quase para começar um projecto lá, encorajamos para que haja mais investimentos dessa natureza e na área da agricultura em geral. Assim como no turismo, que é algo que vai fazer a diferença, na medida em que estimula a produção local e, ao mesmo tempo, permite que haja muitas divisas para o país.
Pergunta - Moçambique é um país particularmente interessante para um investidor estrangeiro, na medida em que o Governo concede isenção fiscal aos grandes projectos. Isso é para manter ou pretendem mudar alguma coisa no sentido de arrecadarem mais receitas?
AEGuebuza – Naturalmente, queremos aumentar as receitas. É preciso ter em conta que, quando negociamos os grandes projectos que estão agora a desenvolver-se em Moçambique, isto é, no início dos anos 1990, o que nos interessava era atrair, chamar uma atenção positiva para Moçambique. Isso foi realizado, hoje temos a Sasol… Mas não agimos da mesma maneira em relação aos novos grandes investimentos. Nestes queremos ter mais receitas.
Pergunta - Dos dois maiores países africanos que fizeram parte do mundo português, Angola, apesar da guerra, emergiu como uma potência regional; Moçambique, com menos recursos, ficou mais para trás. É só uma questão de recursos naturais ou há outras questões que explicam o actual estado de desenvolvimento da economia de Moçambique face a Angola? Faço essa comparação só para ser melhor compreendido em Portugal.
AEGuebuza – São situações diferentes. Angola está no Atlântico, Moçambique está no Índico. Angola tinha recursos que eram explorados já no período da guerra, o petróleo. São recursos que sabemos que dão muito em termos de retorno para as economias de um país. Moçambique não tinha, pelo menos a explorar, esse tipo de recursos. É por isso que Moçambique se virou mais para as áreas em que possa dar mais emprego: agricultura, turismo e outras, naturalmente sem deixar de procurar explorar, ou pelo menos procurar recursos que possam permitir criar uma mais-valia o mais rapidamente possível. Não temos petróleo ainda, esperemos que um dia chegue, mas temos gás. Temos carvão e temos muitos recursos que estão por explorar.
Pergunta - Como está o combate à pobreza em Moçambique 35 anos após a independência?
AEGuebuza – Ainda somos pobres. Esse é o nosso inimigo. Mas a estratégia que definimos, de transportar a capacidade de decisão nas questões económicas, sociais e políticas para os distritos, para o mundo rural, está a funcionar. Hoje em dia, as prioridades no distrito, numa sede distrital, num território relativamente grande, são decididas pelas pessoas que vivem nesse distrito. E isto faz com que possam participar mais na escolha dos meios que permitam acelerar o desenvolvimento no distrito. Por outro lado, sentimos que existe hoje maior participação em termos de investimento, há muitos investimentos estrangeiros que são importantes na procura de emprego. Temos de ter emprego para resolver o problema da pobreza, e hoje há mais investimento no país.
Pergunta - Ao dizer que Angola está no Atlântico e Moçambique no Índico, queria dizer que as relações comerciais e políticas são mais fáceis com a Índia?
AEGuebuza – Serão mais fáceis, neste caso, Angola-Portugal. Será mais fácil, é só descer. Se formos ver o mapa, é assim mesmo. Mas Moçambique está exposto a outra situação diferente. Nós estamos a meio caminho, praticamente, dos grandes mercados da América Latina e da Ásia. Mas só agora é que esta realidade está a despertar.
Pergunta - Está satisfeito com os portugueses que residem em Moçambique e com o trabalho que fazem?
AEGuebuza – Estou satisfeito.
Pergunta - Sente que a comunidade moçambicana que reside em Portugal está integrada? Quais são os principais problemas que se colocam nesse campo?
AEGuebuza – Penso que a comunidade moçambicana em Portugal sente-se bem. Os problemas que se colocam são apenas a nível dos vistos e das autorizações de residência. Temos de resolver esse problema em termos burocráticos para que os moçambicanos possam ter facilidade de estar cá.
Pergunta - A aproximação de Moçambique à Commonwealth, de que é membro, significa falta de confiança na CPLP?
AEGuebuza – Não. Significa que um país como Moçambique, que tem vários interesses, deve levar em conta todos os seus interesses e valorizá-los, não deve excluir. Não somos um país que anda à procura de inimigos, ou de fazer inimigos. Somos um país que procura fazer e desenvolver amizade com todos. Isto não quer dizer, obviamente, que porque estamos na Commonwealth já não queremos estar na CPLP. A história prova exactamente o contrário: que nós continuamos a desempenhar um papel importante na CPLP, como donos da CPLP, situação que partilhamos com os outros países, e nada nos afasta da CPLP.
Pergunta - Mas há muitas críticas à CPLP em todos os países - que é pouco operacional, pouco eficiente. É possível ultrapassar este défice?
AEGuebuza – Nós somos parte da CPLP - as críticas que se fazem nós fazemos a nós mesmos. Nós conhecemos as causas: é porque centramos muito a nossa relação no cultural, que é importante, e não estamos a dar a atenção suficiente na área económica. Pois bem, há um ou dois anos para cá sentimos que isso está a mudar. Por exemplo, quando falo das excelentes relações que existem com Portugal, os investimentos portugueses em Moçambique são enormes, os investimentos brasileiros em Moçambique são enormes, os investimentos angolanos em Moçambique estão enormes. Isto prova que a distância não impede que haja investimento económico.
Pergunta - Pedimos-lhe que dispa por breves minutos as vestes de Chefe do Estado e vista as de líder da Frelimo para abordarmos a política moçambicana. A Frelimo reforçou posições nas últimas eleições e a Renamo quase desapareceu do mapa político. O país não corre o risco de desembocar num sistema monopartidário?
AEGuebuza – Para começar, quem me ouvir não vai dizer que este é só o presidente da Frelimo, que não é Chefe do Estado. Quanto à pergunta, não penso que haja absolutamente algum problema. O problema existe numa sociedade em que as pessoas estejam manietadas, em que as instituições funcionem sem regras democráticas. Para começar, a Frelimo é um partido que tem regras democráticas e se existe profunda democracia no nosso partido, e nos outros partidos esperamos que também haja democracia, não vejo razão para que se maniete a opinião pública, acabando assim com o pluripartidarismo.
Pergunta - Daviz Simango, ex-Renamo, teve muita popularidade na Beira. A Frelimo receia que este possa ser um concorrente a nível nacional?
AEGuebuza – Qualquer concorrente é sério, é por isso que ganhamos como ganhamos. Tomamos a sério qualquer campanha eleitoral.
Pergunta - Está convencido de que a democracia está consolidada?
AEGuebuza – Não tenho dúvidas de que a democracia está consolidada em Moçambique!
Pergunta - Como acontece em muitos países de África, em Moçambique não há razões para que essa democracia possa estar em causa num futuro próximo?
AEGuebuza – O que estou a dizer é que existe um profundo sentido de liberdade mesmo nos partidos, ao nível da direcção dos partidos que existem no país. Incluindo o partido Frelimo. Nele, as decisões que são tomadas são-no depois de profundamente analisadas. Refiro-me a decisões fundamentais. E vou mesmo ao nível de dizer: na Frelimo, o secretário da célula - que é parte mais pequena do partido, com três a 15 membros - é eleito por voto secreto. Isto acontece da base até ao presidente da Frelimo, e não é por acaso: é que tem sido sempre assim ao longo do tempo!
Pergunta - Tanto quanto julgo saber, e esse dado surgiu-me na preparação da entrevista, esteve cerca de cinco meses preso pela PIDE. Até que ponto essa experiência pessoal marcou as suas relações com o povo português?
AEGuebuza – Eu nunca vi a PIDE como representante do povo português, nunca vi isso.
Pergunta - Foi torturado?
AEGuebuza – Fui torturado pela PIDE, sim, senhor. E saí de lá mais convencido de que a única maneira de sermos independentes é lutando. E lutámos. E ao lutarmos definíamos claramente quem era o nosso inimigo, e dizia-se: o inimigo não é o povo português, o inimigo é o colonialismo, as suas instituições, os seus agentes. Foi isso que fizemos.
Pergunta - A sociedade moçambicana está pacificada? Estão longe os anos da guerra?
AEGuebuza – Eu não penso em extremos. Governar é prever e é trabalhar para que não haja conflitos, para que haja tranquilidade, é esse o processo. Não pode dizer-se que a situação está completamente sem problemas. Estes existem e por isso mesmo governamos como o fazemos. A sociedade é suficientemente democrática e está aprofundando e ampliando esse grande ganho.
Pergunta - Na Constituição de Moçambique está inscrito que este terá de ser o seu último mandato. Tem havido rumores de que poderia passar pela sua cabeça um terceiro e último mandato, havendo até quem refira uma revisão da Constituição.
AEGuebuza – Isso é dito por fora de Moçambique, não é?
Pergunta - Por fora, mas os rumores existem.
AEGuebuza – Se esses rumores passaram, passaram por fora.
Pergunta - São apenas rumores? Qual é a sua intenção?
AEGuebuza – Eu disse já noutras ocasiões que este é o meu último mandato.
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