quinta-feira, 27 de maio de 2010

QUESTÃO NUCLEAR: BRASIL TEM DIREITO DE OPINAR, DIZ INÁCIO ARRUDA

Inácio Arruda (PCdoB-CE) é o único representante do Senado na Conferência do Tratado de Não-proliferação, que acontece até sexta-feira, 28, em Nova York. Pouco antes de embarcar, ele conversou com o Vermelho sobre o assunto e sobre o incômodo que tem causado aos países desenvolvidos a posição independente e soberana do emergente Brasil. “Os EUA já não falam mais sozinhos e também têm de ouvir os demais países. E o Brasil se coloca como um daqueles que querem e têm o direito de falar”, ressaltou.

26 maio 2010/Vermelho http://www.vermelho.org.br

Vermelho: Quais são as suas posições – como senador e como comunista – em relação à Conferência do Tratado de Não-Proliferação nuclear?
Inácio Arruda:
O evento trata da revisão do tratado internacional de não-proliferação e pelo desarmamento nuclear, documento do qual o Brasil é signatário. Quando foi assinado pelo Brasil (1998) houve um debate bastante controverso; muitos acharam que o país não deveria ter assinado porque ele levaria – como está ocorrendo hoje – a uma tentativa de impedir que as nações pudessem desenvolver tecnologia para fins pacíficos.

O uso da tecnologia para fins pacíficos é um tema discutido apenas por aqueles países com muita força no cenário internacional; hoje, os que dispõem de tal força são justamente os países que já usam, usaram ou podem vir a usar a tecnologia nuclear para fins não-pacíficos, tanto que alguns sequer assinaram o acordo. Esses países querem impor restrições draconianas contra quem quer ou pode desenvolvê-la para fins pacíficos.

O Brasil resolveu colocar em sua Constituição que o desenvolvimento e o uso da tecnologia nuclear seriam exclusivamente para fins pacíficos. Além disso, assinou acordos com esse mesmo sentido. Agora, tem a obrigação de defender que qualquer nação que queira se colocar de pé tenha direito de desenvolver a tecnologia nuclear e usá-la para fins pacíficos.

Quando resolvemos iniciar nossos trabalhos com energia nuclear, ainda no governo Jânio Quadros, os Estados Unidos ficaram de nos entregar urânio enriquecido. Eles fizeram uma única entrega e nada mais. Então, não dá para confiar em parceiros que cometem desacordos dessa ordem.

Vermelho: A partir daí, o Brasil passou a desenvolver sua tecnologia...
IA:
Sim. O país queria utilizar o urânio para usos medicinais e, sem recebê-lo, não teve alternativa senão desenvolver, com seus meios, sua própria tecnologia. O Brasil investiu, estudou e hoje se pode dizer que tem o ciclo completo do urânio, de maneira que pode fazer qualquer coisa com a energia nuclear. Inclusive, se quisesse, poderia fazer a bomba. Mas, o país não tem esse interesse e cumpre com a posição estabelecida em sua Constituição. Há uma infinidade de aplicações dessa tecnologia para melhorar a vida do povo brasileiro. Do ponto de vista da medicina, existe um número enorme de aplicações. Se não fosse a insistência e firmeza do país em investir no desenvolvimento da tecnologia nuclear, não teríamos condições de realizar esse tipo de pesquisa. Ou seja, há uma série coisas ligadas à questão nuclear que não pode ser negada às nações – e isso serve para o Irã também.

Vermelho: Uma das questões que têm sido defendidas pelo Brasil é a da paz e a luta pela não-utilização da energia nuclear para fins bélicos, que também está sendo apresentada na conferência...
IA:
É. Esta é uma posição que o governo tem defendido, de maneira bastante firme e positiva, e que é condizente com a do meu partido, o PCdoB. E é muito importante que o Senado também tenha essa visão e a leve à ONU. Essa posição é fruto de um amplo debate e, inclusive, de seminário feito na Casa (no mês de abril em parceria com o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e o Conselho Mundial da Paz). O episódio envolvendo a questão do acordo entre Irã, Turquia e Brasil demonstrou que, na verdade, as potências não querem que as demais nações tenham o mesmo direito das signatárias do tratado. Para o PCdoB, todas as nações têm o direito de desenvolver a tecnologia nuclear para fins pacíficos. Ao mesmo tempo, não se pode negar a uma nação o direito de se defender. O Brasil pode ampliar o uso da energia nuclear inclusive como geradora de energia elétrica para potencializar seu o desenvolvimento. Para isso, precisamos usar todas as fontes: hidroelétricas, de origem fóssil, eólica e nuclear, sendo esta considerada – mesmo por instituições que questionam a contaminação do meio ambiente – como uma das mais limpas. Portanto, não se pode negar ao Brasil o direito de utilizá-la.

Vermelho: Quais devem ser os pontos cruciais desse debate?
IA:
No caso do debate em torno da revisão do Tratado, há dois sentidos fundamentais. Primeiro, garantir que quem o assinou tenha o direito de desenvolver a tecnologia. O segundo é a questão do desarmamento. Para se destruir o planeta, por várias vezes, basta poucas bombas. E só os norte-americanos anunciaram ter mais de cinco mil ogivas. Hoje, a sofisticação na utilização de artefatos nucleares permite a países como os EUA e mesmo como a Rússia usar um número muito menor de artefatos com um poder muito maior de destruição. Então, para que se possa efetivamente dizer que há desarmamento, é preciso que seja como o presidente Lula colocou: zerando todos os arsenais.

Não defendemos o uso belicista da tecnologia, mas vamos pegar o exemplo do Irã. Em seu entorno estão Israel, Índia, Paquistão, todos com armas nucleares. Então, só ele não pode ter? Aí, vem aquele discurso: o problema do Irã é o sujeito que o dirige, como se os que jogaram bombas antes fossem muito tranquilos e refinados; não se dão conta da quantidade de sangue que derramaram.

Vermelho: O poder estadunidense já não é mais tão absoluto quanto antes. Hoje, há um contexto de crescente multipolaridade e há quem enxergue certo declínio da potência. Essa nova realidade influencia o diálogo pela paz e pelo desarmamento?
IA:
Com esse novo quadro internacional, os EUA ficam mais ferozes e chateados com a humanidade e precisam mostrar que ainda têm muita força e poder. Então, temos certo declínio econômico e o surgimento de outras nações com capacidade de opinar e de se manifestar muitíssimo maior do que antes. O Irã é forte em sua produção de petróleo. A demanda pelo combustível é mundialmente alta, o que faz com que seja despendido um alto grau de investimento no setor pelo conjunto das grandes nações e sua substituição por um produto mais vantajoso ecologicamente e economicamente ainda está longe de acontecer. E é exatamente essa questão que coloca os EUA no centro do Oriente Médio: a capacidade que a região tem de fornecer petróleo para o mundo. Os norte-americanos não aceitam que outros queiram opinar em uma área que eles consideram ser uma exclusividade deles.

Então, se temos por um lado certo declínio dos EUA, por outro eles se apresentam aparentemente com cada vez mais força do ponto de vista bélico. Mas, a cena política internacional se alterou completamente. Os norte-americanos já não falam mais sozinhos e também têm de ouvir os demais países. E o Brasil se coloca como um daqueles que querem e têm o direito de falar.

Vermelho: Mesmo com esse contexto de multipolaridade, parece ainda ser preponderante a visão de defender sempre os Estados Unidos nessas questões, especialmente por parte da elite brasileira e da grande mídia...
IA:
Temos dois problemas relacionados a isso. O primeiro é do ponto de vista internacional mais geral e diz respeito ao fato de que a sociedade ocidental estabeleceu que quem tem o direito a ter poder são os Estados Unidos e a Europa. Este é o pensamento de uma parte do mundo. Mas, se existe uma globalização, ela existe em dois sentidos, de maneira que os demais países também podem opinar. O grau de manipulação da informação em nosso país é gigantesco e dá a ideia de que só existe a voz dos EUA, todos estão com eles e o Brasil se isola quando opina de maneira divergente. É o que aconteceu agora com questão do Irã. Não há, portanto, unidade internacional em torno de questões centrais como essa. Todos aparentemente lutam pela paz, mas quando sentam à mesa de negociações vemos que os norte-americanos não têm possibilidade de sozinhos, quererem definir uma opinião. E a mídia brasileira dá a entender que as grandes potências estão afinadas. Quando você vai estudar a fundo, vê que não há afinação nenhuma. Na verdade, isso é uma tentativa, via mídia, de impor uma opinião.

A outra questão é a posição subordinada da elite brasileira aos interesses da potência dominante do momento. Tivemos um largo período sob o domínio inglês e era essa a opinião que prevalecia. Do início da Segunda Guerra para cá, estivemos sob o domínio norte-americano. A elite sempre foi muito subalterna e sempre que o Brasil quis dar um passinho à frente na tentativa de se colocar de pé, sofreu um grande bombardeio interno. Não há esse grau de dependência real, mas a elite sempre buscou colocar o Brasil nessa posição de alinhamento automático e permanente com os EUA. O fato de o país ter barrado a Alca e ter se aproximado mais da China, Índia e Rússia – formando o Bric – e não ter ficado amarrado aos americanos e aos europeus, foi muito ruim aos olhos desse setor. O resultado, no entanto, é que americanos e europeus entraram numa crise profunda e o Brasil se saiu muito bem. A opinião dessa elite é de que estaríamos nos afastando do nosso leito natural, nos distanciando dos americanos, ingleses, franceses...Mas, a verdade é que não estamos longe deles, estamos entre eles, opinando, participando do cenário internacional e defendendo nossa própria posição.

Vermelho: Como você vê a questão do Protocolo Adicional do TNP?
IA:
É uma completa ingerência nos assuntos nacionais e uma humilhação sem precedentes porque se trata de controlar inclusive o uso pacífico que se faz da tecnologia nuclear. O Brasil não tem que se subordinar a isso. Por exemplo: precisamos de um submarino com propulsão nuclear para vigiar o nosso mar. Temos centenas de plataformas no mar, uma capacidade de produção alimentícia e exploração mineral no subsolo marinho de valor inestimável. E quem vai vigiar isso tudo? Quem garante que isso ficará sob nosso controle? Além deste, há inúmeros outros exemplos de atividades que ficarão subordinadas a controles externos e que podem significar impedimentos variados na área da economia, da tecnologia etc. Assinar o Protocolo Adicional significaria prejuízos de toda sorte ao país. Este é um debate intenso que está sendo feito ao longo da semana e não é fácil chegar a acordos envolvendo questões como essa, já que o Protocolo é um desejo das nações ditas desenvolvidas – como EUA, Inglaterra, França e mesmo a Alemanha, outrora submetida a uma série de restrições devido às guerras que já patrocinou. Essa tentativa está ligada ao campo dos negócios porque a tecnologia nuclear é cara e sofisticada e quem pode vendê-la não quer que outro entre nesse mercado. E o Brasil, com sua capacidade, tem criado condições para também estar presente neste negócio. (De São Paulo, Priscila Lobregatte)

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