5 maio 2010/Vermelho EDITORIAL http://www.vermelho.org.br
A hipocrisia das potências atômicas em relação à não proliferação nuclear ficou mais uma vez à mostra na conferência Desarmamento Agora, realizada dia 2 em Nova York, às vésperas do início da 8ª Conferência Mundial de Revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), que reúne até o final do mês representantes dos 189 países-membros da ONU.
O exemplo maior da hipocrisia foi o reconhecimento, feito por Barack Obama, de que os EUA mantém um estoque de 5113 bombas atômicas ativas que, juntas com as mais de 4.600 desativadas que se estima existirem nos EUA, somam quase 10 mil artefatos nucleares. O Pentágono apresentou aquele número como demonstração do engajamento na desativação do arsenal nuclear. Mas o mundo vê de outra maneira e encara com preocupação tamanha capacidade destrutiva nas mãos de uma única potência imperialista, à margem de qualquer fiscalização internacional, e base da ameaça de ataque nuclear feita recentemente por Obama contra nações como a República Popular da Coréia e o Irã. Além disso, aquele estoque - que representa cerca da metade das mais de 20 mil bombas atômicas que se estima existirem no mundo - continua tendo a capacidade de destruir mais de 10 vezes a vida na Terra.
Além da não proliferação, o Tratado de Não Proliferação, que tem a adesão de 188 países, inclui o desarmamento nuclear das potências e reconhece o uso pacífico da energia nuclear. Mas a ênfase das potências, hoje, é a defesa de seu monopólio na área: elas querem a não proliferação das armas e da tecnologia nuclear, como fica claro na pressão pela adesão ao chamado Protocolo Adicional, uma ferramenta que dá à AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) poderes para bisbilhotar todos os países (exceto, claro, as potências nucleares) e estabelecer limites à pesquisa, mesmo nos signatários do TNP e que não detêm armas atômicas.
Nesse sentido, como disse o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, o foco da questão está deslocado. “O grande déficit do TNP não é na área de não proliferação, e sim no desarmamento”, afirmou, considerando também errada a insistência no Protocolo Adicional. "O foco tem que ser o desarmamento", insistiu. E o desarmamento inclui principalmente as potências nucleares, que precisam demonstrar uma real disposição para "caminharmos para um mundo livre de armas nucleares". Ele foi além e acusou o Tratado de injusto e desigual devido justamente à disparidade no tratamento entre os direitos que as potências pretendem para si, negando aos demais o direito de manter atividades nucleares pacíficas.
Opinião semelhante foi manifestada pela comunista brasileira Socorro Gomes, presidenta do Conselho Mundial da Paz que defendeu o desarmamento e a “eliminação de todas as armas nucleares da face da terra". "Associamo-nos", disse, "a todos aqueles que lutam por uma nova ordem internacional, pela solução pacífica das controvérsias e conflitos", pela "igualdade de direitos, a autodeterminação dos povos, a igualdade soberana dos Estados nacionais e a boa fé no cumprimento das obrigações internacionais, que deve estar na base de todos os governos e organismos multilaterais".
A hipocrisia das potências (dos EUA particularmente) foi confrontada pela exigência feita pelo presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, de punição das nações que ameaçam usar armas nucleares contra outros países, numa menção clara aos EUA. Outra medida dessa hipocrisia é a concordância notória dos EUA com a manutenção de um estoque de bombas atômicas por Israel, que nem signatário do TNP é. E que foi confrontada pela exigência feita pelos países árabes de um Oriente Médio sem armas nucleares, investindo diretamente contra essa distorção que favorece Israel.
O jogo vai além do alegado "pacifismo" geralmente atribuído à questão. Seu centro são as relações de poder no mundo, e o controle dos instrumentos bélicos que o sustentam. Nesse sentido, a resposta da diplomacia dos EUA - Hillary Clinton à frente - foi a esperada. A secretária de Estado de Barack Obama reafirmou as ameaças contra o Irã e defendeu um TNP mais rígido, reforçando o poder das potências nucleares e dando a elas a capacidade de agir contra os países "insubordinados" à margem da diplomacia e da negociação. Em bom português, o governo Obama quer carta branca para agir contra as nações que se recusem a aceitar suas imposições.
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