quinta-feira, 20 de maio de 2010

Moçambique/HISTÓRIAS VIVIDAS - CONVERSÃO DO METICAL: FMI DUVIDOU DA CAPACIDADE

O Fundo Monetário Internacional (FMI) esteve receoso sobre a capacidade interna do Banco de Moçambique na liderança do processo de reconversão do metical da antiga família para o da nova família. Esta revelação foi feita pelo antigo Governador do Banco Central, Adriano Maleiane quando dissertava, há dias, naquele que terá sido o encerramento do ciclo de palestras denominadas “Histórias Vividas” organizadas pelo Banco de Moçambique no quadro das celebrações do 35º aniversário da sua criação que se assinala na próxima segunda-feira.

14 de Maio de 2010/Notícias

Ao todo, foram cinco sessões que levaram os trabalhadores do banco e não só a uma viagem “Dos Acordos de Lusa à Criação do BM, a Criação do Metical, Incluindo o Processo de Troca, o Processo de Reestruturação e Integração da Banca, Adesão às instituições de Bretton Woods até às Reformas do Sistema Financeiro”. Como não deixaria de ser, para este último tema foi convidado, Adriano Maleiane, antecessor do actual Governador do BM e, por sinal, quem dirigiu o processo de reformas do sector financeiro moçambicano.

Dentre os vários episódios, Adriano Maleiane recordou-se do processo de troca do metical da antiga família para a nova família tendo dito que, nalgum momento, nem o Fundo Monetário Internacional estava convicto de que os moçambicanos tinham capacidade interna para levar o processo a bom porto.

“A mudança do metical para mim foi um acontecimento histórico porque, sem comparar com a troca do escudo que quanto a mim, exigia um esforço físico muito grande, na mudança foi preciso encontrar equilíbrio, passar a informação, reduzir as expectativas, informar as pessoas e elas mesmo participarem”, referiu.

A fonte sublinhou que acima de tudo, o grande problema neste processo todo, era explicar as pessoas sobre o que era o metical da nova família. É que na altura muitas pessoas queriam perceber se era da nova família ou família nova.

Para o antigo Governador do BM esta troca coincidiu com muitos acontecimentos no cenário político e a questão que se colocava era que família era esta. Sublinhou que esta foi uma forma que se encontrou para explicar porque, realmente, tinha que ser daquela maneira e na verdade, a primeira, a segunda e a terceira geração do metical eram a mesma família.

Na ocasião, a fonte reconheceu que os trabalhadores do banco foram extremamente fulcrais no sucesso da operação, sobretudo, porque conseguiram percorrer todo o país e explicar o que era o novo metical.

“Lembro que o fmi não acreditava e dizia que isto era muito sério e vocês não vão conseguir fazer. Eu disse ao representante do FMI na altura, se precisar de apoio vou pedir e não vai me negar, mas até lá deixa me trabalhar”, explicou.
Em poucas palavras, Maleiane também se referiu a um outro processo que é o da informatização do Banco como tendo sido um dos pontos que, igualmente, o marcou durante a direcção daquela instituição monetária.

É que segundo ele, muitas pessoas não imaginam o drama vivido pela introdução do processo que era de certo modo novo. E como se não bastasse decidiu fazer migração de dados em finais de Novembro. Então, há poucos dias do final do ano, e isso era um problema.

“Mas aí também tenho que reconhecer uma vez que no dia 3 de Dezembro estava com um problema porque o extracto não saia e isso exigiu um enorme esforço do nosso pessoal, numa altura em que algumas pessoas mostravam-se incrédulos ao novo sistema”.

POR QUÊ ERAM NECESSÁRIAS REFORMAS?
Para explicar as razões das reformas, o antigo Governador preferiu, primeiro, fazer um enquadramento histórico, considerando que já nos finais da década de 80, o mundo não estava assim tão estável, mas em 1991, quase todos eram pró-liberalização.

A essas alturas, o mundo já estava a caminhar para um mercado cada vez mais dinâmico pelo que era preciso fazer com que Moçambique não ficasse de fora. Nesse momento surgiram os dez mandamentos de John Wiliamson que, entre várias coisas, defendia que para fazer funcionar e dar financiamento às economias da América Latina era preciso ter, no mínimo, uma receita que se resumia em dez regras.

Dentre as regras figurava, por exemplo, a disciplina fiscal, ter no orçamento mais despesas para os sectores primários e infra-estruturas, ter uma taxa de câmbio flexível, fazer qualquer coisas para aumentar a base tributária, liberalizar o comércio, haver a protecção dos direitos de propriedade, liberalizar-se a entrada e saída de capitais bem como privatizar as empresas do Estado.

O que sucedeu, segundo Maleiane é que os gestores das instituições de Bretton Woods gostaram da ideia e assumiram-na como uma orientação que tinha de abranger a todos. Mais tarde, a forma como estes mandamentos eram aplicados não teve consenso a partir da própria vice-presidência do Banco Mundial.

Adriano Maleiane entende que o grande problema é que as instituições de Bretton Wods põem às pessoas, um chapéu e que depois se torna muito difícil sair ou ajusta-lo às suas necessidades.

“Então, o vice-presidente do Banco Mundial foi o primeiro a dizer, não, esta forma fundamentalista de colocar os problemas não pode ser e temos que ver outra forma de fazer as coisas e ele acabou se retirando do Banco Mundial”.

Mas, mais crítico do que isso, é que, porque estavam a faltar exemplos bons daqueles que tivessem aplicado as regras e tivessem saído da pobreza começou, entre as pessoas, a se apontarem e dizer que esse é neo-liberal, ou é capitalismo selvagem.

“Começou a haver várias designações consoante a frustração de cada um e muitas vezes, aqueles que estavam a trabalhar nas finanças, no Banco Central, eram os visados porque por vocação, estavam a ser conotados como aderentes às regras de John Wiliamson. Mas para alguns estas regras não chegavam. Era preciso mais dez regras para se poder ter a certeza de que a economia vai melhorar”.

Foi então que surgiu a necessidade de se ter uma governação coorporativa. Portanto, não se olhar apenas para aspectos cambiais, monetários, mas também para esta componente da governação coorporativa. A legislação anti-corrupção era precisa. O código de regras fiscais, portanto, um conjunto de regras que no conjunto deviam perfazer 20 regras.

O QUE VISAVAM AS MUDANÇAS
Adriano Maleiane explicou que ao nível do Banco de Moçambique a primeira reforma foi no sistema legislativo e atingiu a própria lei orgânica da instituição. É que com base na lei vigente desde a altura da independência, o Banco tinha dois órgãos, um que era o Governo do Banco composto pelo Governador, Vice-Governador e depois tinha os Administradores que eram nomeados pelo Governador.

A pressão sobre necessidade desta mudança, segundo Maleiane vinha desde 1976.
“Portanto, havia pressão para mudarmos a lei orgânica, uma vez que estávamos a dever desde 1976”, sustentou.

O outro aspecto é que havia todo o funcionamento do sistema que estava baseado num Decretro Lei de 1943. Depois tínhamos a resolução 11/80 que disciplinava a política de crédito e que já estava desfasado dos parâmetros que se pretendia.

Foi assim composto um grupo do qual também fazia parte o Governador do BM e outros técnicos do Ministério das Finanças. Foi elaborado um documento que se chamou Linhas Gerais para a Reforma do Sector Financeiro, isso em 1990. Esse documento preconizava, primeiro, separar funções transformando-se o BM num verdadeiro Banco Central sem aquela carga que tinha um pouco depois da sua criação.

Depois era preciso também, criar condições para que o banco que saísse dessa separação e o BPD tivessem as contas em condições de serem auditáveis. Era necessário contratar uma consultoria para esse fim. Depois era preciso dividir o BPD em dois bancos, um que seria meramente comercial uma vez ter-se notado que até 1990 o índice de especialização do BPD era 3,17, quer dizer, não estava a dar mais crédito senão para a agricultura e uma outra coisa para a qual tivesse sido autorizado.

Mais tarde esse índice passou para 1,76. Significa que, o BPD dava crédito para todos os sectores menos para a construção. A partir daí não era um banco essencialmente de captação de poupança, mas um banco que fazia um pouco de tudo, então era preciso separar as duas funções. Uma para o Banco Comercial e a outra para fazer aquilo que o BPD estava a fazer que era deixar o banco com o nome, mas fazer a captação de poupança.

Nessa altura estávamos a ver o BPD com aquilo que chamamos postos de captação de poupança ocupando cerca de 156 balcões dum total de 203 balcões de compunham todo o sistema. Portanto, era um banco que estava muito bem instalado no terreno e era preciso maximizar essa situação.

Depois havia a Emose que tinha que ser partida em duas empresas, uma que devia ser reseguradora e outra que fazia exactamente aquilo que uma seguradora normal faz.

Nós pegamos estas linhas gerais e tornamo-las como uma orientação muito específica, mas faltava uma coisa que era; o que é que íamos fazer para motivar os trabalhadores, obreiros desta transformação.

Foi nesse sentido que sentimos que era preciso criar aquilo que chamamos de cultura institucional que foi baseada em seis princípios, nomeadamente o patriotismo, autoconfiança, confiança, solidariedade, participação e transparência.

Com base nesta estratégia e nesta cultura foi possível fazer tudo aquilo que tinha sido programado na reforma do sistema financeiro.

Adriano Maleiane reconhece que algumas coisas como é no caso do BPD não ocorreram como tinham sido programadas, mas preferiu não dar detalhes uma vez entender que as explicações, na altura, foram dadas.

“Também na Emose não foi exactamente como tinha sido programado, mas por exemplo, a separação de funções aconteceu. O que quero dizer é que separamos, criamos as condições de separação”, defendeu.

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