(ADITAL) Agência de Informação Frei Tito para a América Latina
12 maio 2010/http://www.adital.com.br
Karol Assunção *
Adital - De passagem por Fortaleza (CE), no Brasil, o filósofo marxista italiano Domenico Losurdo discute, hoje (12), sobre as lutas contra-hegemônicas do século XX ao XXI. O evento, promovido pela Prefeitura de Fortaleza através do projeto "Tópicos Utópicos", acontece a partir das 17h no Mercado dos Pinhões (Praça Visconde de pelotas, Centro).
Em entrevista à ADITAL, o filósofo discute sobre a política imperialista dos Estados Unidos e as mobilizações latino-americanas e caribenhas para conter o avanço hegemônico estadunidense na região.
Adital - Como o senhor analisa as lutas atuais na América Latina e no Caribe na construção de uma alternativa à hegemonia dos Estados Unidos? O senhor acredita que o avanço dos governos de esquerda nessa região é sinal que as pessoas não querem mais ficar sujeitas a este imperialismo?
Domenico Losurdo - Em 1895, o então Secretário de Estado estadunidense, ou seja, Olney, constatou triunfante que "no continente americano, os EUA, na prática, é tão soberano de modo que suas ordens são leis". Anos mais tarde, em 1904, Theodore Roosevelt assumiu e radicalizou a doutrina Monroe, atribuindo à Washington um "poder de polícia internacional" nos confrontos contra os bárbaros da América Latina. Não há dúvida que hoje tudo está em crise. Há 51 anos, foi a revolução cubana que infligiu o primeiro duro golpe à doutrina Monroe, atualmente posta em discussão (mais ou menos radical) por um número crescente de países latino-americanos: Venezuela, Bolívia, Equador, Brasil, Nicarágua, Paraguai... Para escapar ao controle dos Estados Unidos, incluindo seu plano econômico, estes países perseguiam uma política de cooperação e de integração, intensificando ao mesmo tempo as relações com o Sul do mundo e em particular com a China. É claro, a revolução anticolonialista e anti-imperialista está em marcha na América Latina, e essa é uma parte integrante do processo de emancipação que se desenvolveu no século XX sobre a primeira onda da revolução de Outubro e, após da derrota infligida do Terceiro Reich, continua com novas formas de caracterizar o nosso século e o panorama internacional dos dias atuais.
Adital - Apesar da resistência popular, desde junho do ano passado, Honduras vive uma situação de golpe. Podemos considerar que este golpe foi uma tentativa de conter o avanço contra-hegemônico na América Latina, já que houve participação dos setores conservadores e até mesmo apoio de alguns setores dos Estados Unidos?
Domenico Losurdo - Obviamente, os Estados Unidos não estão vendo. Não se trata somente de Honduras. Apesar da promessa, as belas palavras e os sorrisos, Obama se empenhou mais do que nunca para isolar, caluniar e difamar Cuba, continuando a impor um embargo mortal que também, embora nas ocasiões das anuais Assembleias Gerais da ONU, seja condenado por quase todos os países do mundo. E isso é mais para reafirmar a doutrina Monroe. Obama não hesita em exibir sua arrogância imperial e atropelar as regras mais elementares da democracia nas relações internacionais, e este seu comportamento é totalmente coerente com a tradicional política estadunidense.
Adital - Como o senhor avalia o posicionamento do presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, quem firmou um acordo com os Estados Unidos, que prevê a instalação de bases militares no território colombiano?
Domenico Losurdo - A "grande vara" (big stock) é parte integrante da doutrina Monroe. Isso está confirmado não apenas na abertura de novas bases militares na Colômbia, mas também do ressurgimento da frota militar estadunidense nas águas da América Latina. Depois do triunfo conseguido na guerra fria, os EUA acreditam poder estender a doutrina Monroe a nível global. A chamada emenda Platt introduziu com a força de Washington no momento em que Cuba conquistou sua independência da Espanha, esta emenda (em base a aquela que aos EUA foi reconhecido o direito de intervir sempre que na ilha eram considerados em perigo à liberdade e da propriedade), deveria valer para todos os países do mundo. É porque a luta em curso na América Latina é de importância crucial, bem além das suas fronteiras geográficas. A fim de reafirmar a doutrina Monroe no continente americano, os Estados Unidos estão prontos para recorrer à força militar, por uma outra operação mais sofisticada de desinformações e provocações políticas a darem não somente contra Cuba, mas também de todos aqueles países aquelas forças empregadas nas lutas de emancipação da América Latina.
Adital - A crise econômica que se abateu sobre os Estados Unidos foi uma prova que o país norte-americano não é uma nação "resistente a tudo" e "escolhido" para governar o mundo?
Domenico Losurdo - A infligir um novo golpe as ambições imperiais dos EUA é superveniente a crise econômica. Em 1989 os campeões da ideologia dominante prometiam o fim do flagelo que sempre acompanhou o desenvolvimento do mundo capitalista, na realidade, o mesmo final da história: as receitas do neoliberalismo, o "Consenso de Washington" resolveria todos os problemas. Esta artificiosa construção ideológica, hoje, desmoronou.
Ao mesmo tempo a crise econômica acentua a mudança geopolítica. O processo, que foi iniciado no século XX e que havia visto ressurgir as civilizações sujeitadas ou esmagada do Ocidente colonialista e ocidental e imperialista, conhece agora uma aceleração. Isto não vale apenas para América Latina, mas também para Índia e, sobretudo, para a China: um país de civilização antiguíssima, por tanto tempo desprezado pela ideologia racista, enquanto senil e moribundo, ressurge agora com força juvenil e já com seu prodigioso desenvolvimento econômico e tecnológico, perturba o sonho de Washington de construir um império global.
Adital - Logo após tomar posse, Barack Obama disse que fecharia a prisão de Guantánamo. No entanto, até agora, essa e outras promessas não foram cumpridas. Como o senhor analisa o mandato de Obama com relação à política imperialista?
Domenico Losurdo - Não há dúvida. Obama não manteve a promessa de fechar Guantánamo, e nem sequer parece que tenham sido fechadas as prisões do Afeganistão e os campos de concentração de jornalistas ocidentais, mesmo em comparação à Auschwitz. Além disso, não mudou a política hegemônica tradicionalmente perseguida por Washington nos confrontos da América Latina e do resto do mundo. Obama alcançou o poder não com o objetivo de liquidar o império mas de restaurar o seu brilho e vitalidade, apesar da situação difícil.
Temos alguns dados sobre os quais convém refletir: com 5% da população mundial, os EUA consomem os 20% das reservas do planeta e representam os 50% da despesa militar mundial. E para acrescentar, que os EUA sempre estão convencidos que são a "nação eleita" por Deus, com a tarefa de guiar o mundo. Tudo isso não promete nada de bom, com ou sem Obama...
* Jornalista da Adital
Ao publicar em meio impresso, favor citar a fonte e enviar cópia para: Caixa Postal 131 - CEP 60.001-970 - Fortaleza - Ceará - Brasil
Para receber o Boletim de Notícias da Adital escreva a adital@adital.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário