sábado, 4 de outubro de 2008

ENTREVISTA COM O PRESIDENTE PARAGUAIO

Amy Goodman *


[ADITAL] Agência de Informação Frei Tito para a América Latina
www.adital.com.br


Fernando Lugo fala sobre as relações dos Estados Unidos com a América Latina, a guerra no Iraque, a teologia da Libertação e sua experiência como "bispo dos pobres".

Os líderes mundiais reuniram-se em Nova York para participar na 63º Assembléia Geral das Nações Unidas. Seu membro mais recente é Fernando Lugo, que foi empossado no mês passado como Presidente do Paraguai. Fernando Lugo é sacerdote e tem muito conhecimento sobre a Teologia da Libertação. Denominado "o bispo dos pobres", era conhecido por organizar manifestações contra o governo e por lutar pelos direitos dos camponeses. Após renunciar ao seu cargo de bispo, no final de 2006, participou na campanha eleitoral e ganhou as eleições com uma plataforma orientada para a reforma agrária e para a luta contra a corrupção.

23 de setembro de 2008

AMY GOODMAN: Presidente Lugo, bem vindo a Democracy Now! E bem vindo aos Estados Unidos. O senhor é o mais novo presidente do mundo. Qual é a mensagem que o senhor traz à comunidade mundial nas Nações Unidas?

FERNANDO LUGO: Obrigado por esse convite. Creio que o Paraguai está renascendo como uma nova República a uma nova visão do mundo. O Paraguai está mudando porque a cidadania paraguaia em sua maioria, no dia 20 de abril, decidiu mudar o rumo político da história em nosso país. Digo à comunidade mundial que o Paraguai se integra totalmente a essa comunidade.
Desejamos uma comunidade integrada, sem exclusões; e também nossa comunidade nacional recupera sua dignidade. Sentíamos vergonha ao escutar que o Paraguai era um dos países mais corruptos do mundo. Hoje em dia, no Paraguai daremos mostras evidentes de que será um dos países mais transparentes e honestos em sua administração pública.

JUAN GONZÁLEZ: Obviamente o senhor enfrenta muitos desafios, por exemplo, 70% da área cultivável é controlada por apenas 1% da população. O que pensa fazer quanto à reforma agrária, sobretudo quando não conta com a maioria no legislativo nacional?

FERNANDO LUGO: Creio que a sociedade paraguaia e os estratos da sociedade paraguaia chegaram a uma certa maturidade. Creio que chegou o momento em que nos sentemos ao redor de uma mesa e possamos definir nosso presente e nosso futuro. Em referência à reforma agrária, já tivemos uma primeira reunião entre camponeses sem terra, instituições estatais, técnicos e proprietários de terra. Nos sentamos para dialogar, sem ressaltar muito as diferenças. As diferenças e o dissenso não nos assustam.
Creio que enquanto exista vontade para nos sentarmos a conversar com a ferramenta do diálogo e elaborar consenso é possível que nós mesmos possamos desenhar uma reforma agrária integral que favoreça a essa grande maioria de sem terra que existe no Paraguai.

AMY GOODMAN: O senhor é conhecido como "o bispo dos pobres". Pensa em ser o "presidente dos pobres"?

FERNANDO LUGO: O presidente de todos os paraguaios, em primeiro lugar, sem exclusões. Porém, sim, temos que ter preferências: serão os indígenas e os mais pobres do país, que sempre estiveram excluídos de todos os projetos e programas da Nação.

JUAN GONZÁLEZ: Pouco depois de que o senhor tomou posse, houve informações de uma tentativa de golpe, uma tentativa de derrubá-lo por parte de alguns líderes chave do governo e das forças armadas. O que aconteceu? O senhor teme alguma outra tentativa contra sua pessoa?

FERNANDO LUGO: Creio que, atualmente, ninguém, em nenhum país da América Latina, vai ter a idéia de tentar um golpe de Estado e menos ainda com a participação militar. É fundamental a experiência da Unasul (União de Nações Sul-americanas), uma experiência nova, uma experiência solidária entre países que vivemos ao Sul do continente, reagindo com agilidade diante de eventos dessa natureza dentro da região.
A classe política paraguaia foi acostumada a conspirar constantemente e aqueles que detiveram o poder durante mais de 60 anos têm dificuldade, hoje, de entender que já não estão no poder. Custa-lhes perder o privilégio e, por isso, tentaram, de alguns modos... Porém, recuperar a institucionalidade e, ao mesmo tempo, fortalecer a democracia no país é o grande objetivo de nosso governo.

AMY GOODMAN: Falando de tentativas de golpe, Presidente Lugo, um de seus primeiros atos depois de assumir a presidência foi viajar ao Chile e, junto com os presidentes de toda a América Latina, lidar com a situação que acontece na Bolívia. O que está acontecendo? O que deve acontecer? O que o senhor tem a dizer sobre o papel dos Estados Unidos na América Latina?

FERNANDO LUGO: Creio que os Estados Unidos são conscientes de seu papel, não somente para a América Latina, mas para o mundo. Continua sendo um país muito importante, um país poderoso, economicamente, politicamente… Tem dado mostras de democracia mesmo com suas falências, com suas luzes e sombras, e creio que os países da América Latina, hoje, obtiveram sua maturidade para poder dizer "somos livres". Depois de 200 anos de autonomia, de independência política, hoje podemos dizer que estamos recuperando o valor da soberania, o valor da independência. E creio que o papel dos EUA deve ser de relacionamento eqüitativo, justo, de igual para igual tanto com os países pequenos quanto com os grandes países do continente e do mundo.

JUAN GONZÁLEZ: O senhor enfrenta, obviamente, não somente ao país gigantesco que são os Estados Unidos; mas também tem um país muito grande como vizinho, o Brasil, com quem teve conflitos no passado, concretamente na questão da energia hidrelétrica (Itaipu) e os tratados entre Paraguai e Brasil que o senhor considera desiguais. O que o senhor pensa fazer em relação a isso? Pensa que é possível chegar a um acordo com o presidente Lula e com o governo do Brasil?

FERNANDO LUGO: Nosso afã não é enfrentar nenhum país pequeno ou grande. Nosso afã e nossa tarefa é simplesmente relacionar-nos com todos os países de igual para igual. Há uma semana, conversamos com o Lula, com sua equipe de técnicos, de diplomatas e, de igual para igual, nos sentamos e colocamos sobre a mesa todas as dificuldades, os problemas, os questionamentos em referência a Itaipu. Da mesma forma agiremos com qualquer país, de qualquer parte do mundo quando notarmos que existam diferenças.
Ao Brasil nos unem relações históricas. Cremos que a América Latina e, sobretudo, o Paraguai, está recuperando a sua dignidade como Nação, tem a capacidade de relacionar-se de igual para igual e de solucionar diplomaticamente, com as ferramentas do diálogo franco, aberto e sincero todas as diferenças que possamos ter com qualquer país do mundo.

AMY GOODMAN: Presidente Lugo, quando nós entrevistamos o presidente Evo Morales, da Bolívia, pouco depois que o senhor foi eleito, perguntamos a ele o que teria a lhe dizer; a resposta foi: "Bem vindo ao eixo do mal"; bem, na verdade, ele disse: "Bem vindo ao eixo da Humanidade". Qual é a sua resposta?

FERNANDO LUGO: Creio que existem expressões como "eixos do mal" que não são muito apropriadas para serem usadas em referência a países irmãos. Devemos olhar o presente e o futuro com otimismo e esperança porque a maioria dos cidadãos que povoam nossos países, os indígenas, os mais pobres, os camponeses não falam dessa confrontação; eles falam da construção de um mundo muito mais igualitário, muito mais eqüitativo, muito mais digno, muito mais humanitário. Bem vindos, pois, todos os mandatários do mundo que devemos continuar a construir. E por isso vimos às Nações Unidas, porque queremos construir juntos o planeta em que merecemos viver.

JUAN GONZÁLEZ: Já que falamos sobre temas controvertidos, também tem havido muita controvérsia em relação à Teologia da Libertação (TdL). O senhor chegou a ter consciência política como sacerdote e foi um bispo que abraçava a TdL, que não é bem vista pela hierarquia da Igreja Católica. Qual é o papel da Igreja Católica hoje em dia na América Latina? Ela faz parte da mudança para o progresso ou todavia, está limitando o progresso?

FERNANDO LUGO: A Teologia da Libertação é uma teologia que nasce na América Latina. É uma teologia pastoral que não pode ser julgada em uma perspectiva doutrinária, nem dogmática. Há controvérsias? Sim, porque existe liberdade de pensamento. Fazer teologia é elaborar um pensamento aberto; não tem que estar de acordo com todos os outros pensamentos da Igreja. A TdL tomou uma ferramenta filosófica, sociológica importante para a análise da realidade.
E mais, a TdL foi considerada por João Paulo II. Na carta que ele escreveu aos bispos do Brasil, diz que a TdL, nascida na América Latina já é parte do patrimônio teológico da Igreja Universal. Há um reconhecimento dessa teologia. Pode haver diversas tendências e, dentro delas, algumas podem ser questionadas e outras criticadas.

AMY GOODMAN: Sei que o senhor tem poucos minutos, Presidente Lugo, porém, quero perguntar-lhe sobre o efeito da guerra no Iraque sobre o Paraguai, sobre a crise econômica global e seu conselho para o presidente Bush quanto ao tratamento aos demais países.

FERNANDO LUGO: Alguns pensam que a guerra no Iraque está muito longe da América Latina; porém, os efeitos que ela produz são planetários. Creio que é mal um país provocar a guerra em uma parte do mundo e querer provocar a paz em outra parte. Os líderes mundiais que ultrapassam os limites de nossos países nos exigirão coerência na política tanto interior quanto exterior... Nesse sentido, creio que essas contradições, essas controvérsias, esses espaços de diálogos, de confrontação -como são as Nações Unidas- têm que ser suficientemente esclarecidos e demarcar uma linha, a linha da humanidade, da paz, da verdade, da justiça, como a linha que temos que construir no planeta, no mundo moderno.

JUAN GONZÁLEZ: E, finalmente, senhor Presidente, quero perguntar-lhe sobre as grandes mudanças que têm acontecido na América Latina, mudanças políticas... O senhor esperava, em algum momento, quando era pároco, que haveria acontecimentos tão progressistas, tantos líderes de esquerda, rebeldes, chegando ao poder na América Latina?

FERNANDO LUGO: Creio que a América Latina está mudando. Mais do que governos progressistas ou de esquerda, como se diz, existe uma consciência cidadã que cresceu, que questiona e que marca a direção que devem ter os líderes nacionais. É uma grande força... Dizemos em nossa Constituição no Paraguai que a soberania reside no povo e que esse grande poder popular de alguma maneira está organizado, deve marcar o rumo dos países. Creio que isso é o que está acontecendo na América Latina: a grande consciência de homens e mulheres, a grande consciência negra em alguns países, a consciência dos indígenas, dos jovens; o tema do meio ambiente são eixos fundamentais que atualmente marcam a política dos líderes na América Latina.

AMY GOODMAN: O presidente Chávez lhe deu a espada de Bolívar. Qual foi o significado desse gesto? E, finalmente, o que os Estados Unidos estão fazendo no Iraque?

FERNANDO LUGO: Depois de duzentos anos de termos conquistado a independência no Paraguai o tema volta a ter importância significativa. Creio que o mesmo acontece com Bolívar. Quando muitos de nossos países se dividiram, apareceu uma pessoa que quis unir a América Latina e sonhou com uma pátria grande.
Essa espada de Bolívar é uma questão simbólica porque hoje ninguém pensa em usar a espada para decapitar os demais... Vamos usar essa espada para decapitar a corrupção, a injustiça, a pobreza, de forma simbólica.
Voltando ao tema da guerra no Iraque, rechaçamos qualquer tipo de violência, venha de onde vier. A violência nunca trouxe solução a nenhum problema da humanidade e isso os líderes temos que entender definitivamente.

AMY GOODMAN y JUAN GONZÁLEZ: Muito obrigado.

FERNANDO LUGO: A vocês.

[Tradução: ADITAL]

* Presentadora de Democracy Now!, noticiero internacional diario emitido en más de 700 emisoras de radio y TV en Estados Unidos y el mundo

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