quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

BRASIL E ÁFRICA (I e II)

Brasil planeja ampliar programa de cooperação eleitoral com a África, diz Itamaraty

Ana Luiza Zenker/Agência Brasil

Brasília, 5 fevereiro 2008 - Diretor-Geral do Departamento da África no Itamaraty, ministro Fernando Simas Magalhães, fala à Radiobrás

Brasília - O Quênia vive desde o final do ano passado uma crise social, política e humanitária detonada pela eleição presidencial, em que Mwai Kibaki foi reeleito em meio a acusações de fraude. Seu adversário era Raila Odinga, que não aceitou a derrota. O conflito já deixou mais de mil mortos e de 250 mil a 300 mil deslocados, segundo informou hoje (5) a Agência Lusa.

Para saber a posição da diplomacia brasileira sobre a questão, a Agência Brasil ouviu o chefe do Departamento da África do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas. Ele disse que uma participação direta não está prevista no momento, porque o Brasil concentra suas ações no Haiti. Mas afirmou que o Itamaraty pretende desenvolver, juntamente com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), um programa mais amplo de cooperação eleitoral com a África, que pode ser implantado através da União Africana.

Agência Brasil: Qual é a posição do Brasil em relação ao conflito no Quênia? Falava-se que o Brasil ajudaria nas eleições e acabou não participando...
Fernando Simas: A nossa preocupação é com a violência pós-eleitoral. A nota [divulgada pelo Itamaraty para a imprensa] não entra em consideração sobre a condução do processo eleitoral, até porque nós não fizemos parte dele. De maneira que nos dias de maior violência, logo depois da eleição, e com as manifestações das diferente facções políticas, nossa preocupação tinha mais um cunho humanitário e um pouco no sentido de que a situação se tranqüilizasse e que pudesse haver alguma forma de diálogo entre as forças de governo e as forças de oposição em torno do resultado.


ABr: Mas então não há nenhuma expectativa de participação brasileira para colaborar com o diálogo?
Simas: Uma participação direta no momento não está prevista. Mas, naturalmente, no contexto específico de iniciativas nesse sentido, seja das Nações Unidas, seja da União Africana, nós certamente apoiaríamos o desenvolvimento de conversações com vistas a que a situação interna queniana, conduzida pelos quenianos, possa chegar a uma situação de maior tranqüilidade. (O ex-secretário-geral da ONU Kofi Annan tem mediado o diálogo entre governo e oposição e pediu hoje que os dois lados evitem declarações “provocadoras”)

ABr: E por que o Brasil não colaborou na realização das eleições?
Thomaz Guedes (assistente da Divisão da África 3, que participou da conversa): O governo tem tentado ampliar a sua cooperação eleitoral com a África, tem prestado cooperação. Mas o programa ainda não contempla a possibilidade de prestar cooperação eleitoral a um número tão amplo de países. Nós já prestamos a muitos países, como a República Democrática do Congo.
Simas: No momento, o país tem prestado cooperação, seja de tecnologia eleitoral, seja de resolução de conflitos pós-eleitorais, essencialmente através do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, e os dois programas que estão em curso de forma mais intensa são com Guiné-Bissau e a República Democrática do Congo. O Quênia não está ainda dentro desse esforço de cooperação eleitoral. Mas o Ministério das Relações Exteriores tem a intenção de desenvolver juntamente com o Tribunal Superior Eleitoral um programa de abrangência mais ampla, que possa ser levado à frente através da União Africana.

ABr: Por falar em União Africana, como está a relação do Brasil com ela?
Simas: Muito bem e se desenvolvendo. Nós recebemos a visita aqui do Alpha Konare [presidente da Comissão da União Africana], no primeiro trimestre de 2007, e uma série de possibilidades de cooperação foi estudada. A nossa embaixada em Adis Abeba já está participando de alguns dos projetos, outro quadro de cooperação foi assinado e nós temos algumas iniciativas na área de saúde, de agricultura. O embaixador do Brasil é vice-presidente de um grupo de trabalho sobre governança e há algumas conversações em curso também sobre os campos militar e de segurança.

ABr: E qual é a importância do Quênia, para o Brasil, nos debates sobre o Conselho de Segurança da ONU, sobre a questão de biocombustíveis e a disputa com a OMC (Organização Mundial do Comércio)?
Simas: OMC não é a minha especialidade, mas certamente, como um país africano de base agrícola, o Quênia tem alguns interesses que devem ser convergentes com os nossos na questão dos subsídios agrícolas e da política agrícola da União Européia e dos subsídios agrícolas norte-americanos. (...) É claro que interessa ao Quênia, tanto quanto interessa ao Brasil, que haja uma resolução dos problemas ainda existentes na negociação da Rodada Doha e que possa haver flexibilização na questão agrícola. Isso é um interesse comum nosso. Agora não é tanto a importância do Quênia para ao Brasil. Acho que se devia pensar de uma forma mais clara quanto à importância do Quênia para a África, porque é um país que foi, desde a época da sua independência, um propulsor de uma certa estabilidade institucional e de uma certa prosperidade econômica, com grande influência na África Oriental e na região dos Grandes Lagos. (...) Ele abriga as duas únicas agências das Nações Unidas sediadas num país em desenvolvimento, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e o Habitat (Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos). (...) Claro que para nós é preocupante que num período pós-eleitoral, logo após mais uma rodada do exercício democrático no Quênia, que é um país pluripartidário, onde as eleições vêm se realizando regularmente, haja uma polarização tão forte da sociedade.

ABr: Foi até uma situação inesperada, porque o dia das eleições em si foi bem tranqüilo...
Simas: Foi tranqüilo, mas é verdade que no final da jornada eleitoral, quando começou a haver uma demora na publicação dos últimos resultados, a situação já começou a se alterar um pouco. E como havia, segundo as contagens iniciais de votos e segundo as primeiras notícias circuladas pela grande imprensa, uma dianteira do candidato de oposição, o Raila Odinga, é claro que a virada final, com 200 mil votos de diferença, provocou essa insatisfação popular muito forte no campo da oposição. É preciso compreender também isso. Houve insatisfação de uma expectativa que foi gerada pela própria dinâmica da campanha eleitoral e pelo dia da jornada eleitoral nas primeira horas. Inclusive em virtude de manifestações feitas por observadores internacionais que estavam presentes no Quênia.

ABr: Ainda em relação à pergunta anterior, o senhor não deixou clara a questão do Conselho de Segurança e dos biocombustíveis, especialmente porque existe um interesse do Brasil em ampliar o mercado de biocombustíveis. Qual é a importância do Quênia dentro do contexto africano em relação a isso?
Simas: De um ponto de vista de volume de escala, eu não saberia te responder. Mas certamente do ponto de vista do desenvolvimento de políticas, tenho certeza que é importante. Porque o Quênia é um país que nos procurou com vistas ao desenvolvimento da indústria de biocombustíveis. Do ponto de vista da projeção do nosso programa de biocombustíveis, certamente o Quênia é muito importante no contexto africano. Mas é preciso qualificar a questão da expansão desse mercado, porque não é uma expansão elástica, pelo menos no curto prazo. Há considerações, inclusive ambientais, a serem levadas em conta. Nós temos no Brasil uma grande quantidade de áreas agricultáveis, que permitem uma expansão da cultura da cana e de milho com vistas à produção de etanol, que não pode ser assemelhada à situação de outros países, onde não há essa extensão de áreas disponível e onde a questão da indústria alimentar é fundamental na base econômica e produtiva do país. Então, de um ponto de vista tecnológico e de um ponto de vista ambiental do problema energético, certamente o Quênia é importante. Mas faço essa qualificação apenas porque não há uma analogia imediata e automática entre a situação do Brasil, a do Quênia e a de outros países africanos.

ABr: E em relação ao Conselho de Segurança da ONU?
Simas: Nós estivemos em 2005 bastante próximos de uma solução e de certa forma pesava muito na balança o que viriam a decidir os países-membros da União Africana. Dentro do contexto específico da União Africana, também não havia uma posição única. O Quênia provavelmente desenvolveu uma aspiração de participar do Conselho de Segurança como membro permanente africano. E como a União Africana chegou a um consenso de que a África deveria ter dois assentos permanentes, e com direito a veto, criou-se uma separação entre o que era o projeto do chamado Grupo dos 4 (Brasil, Índia, Japão e Alemanha) e o consenso africano propriamente dito. Essa separação, que de forma nenhuma tem características permanentes, foi o que impediu em 2005 que houvesse uma decisão definitiva. O Quênia faz parte desse processo negociador porque a posição do Quênia teve um grande impacto sobre o que foi o consenso africano.

http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/02/05/materia.2008-02-05.9875024420/view

BRASIL E ÁFRICA (II)


Brasil/Fiocruz vai se instalar em Moçambique, afirma responsável pela África no Itamaraty

Ana Luiza Zenker/Agência Brasil

Brasília - Na segunda parte da entrevista sobre os conflitos pós-eleitorais no Quênia, o chefe do Departamento da África do Ministério das Relações Exteriores, Fernando Simas, comentou a corrupção no continente africano, as políticas de saúde, a crise humanitária no Sudão e a relação do Brasil com os países de língua portuguesa. Ele contou que está em fase final de tramitação a abertura de um escritório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em Maputo, capital de Moçambique.

Agência Brasil: Na África, a gente sabe que existem alguns governos autoritários e corruptos. Como o Brasil tem se posicionado no relacionamento com esses governos?
Fernando Simas: Em primeiro lugar, você mesma lembrou que nós também saímos de um processo autoritário, portanto, conhecemos um pouco o que é viver um processo autoritário e o que implica sair de um processo autoritário. A nossa relação com países onde há governo de corte mais autoritário e centralizador certamente não é a de pretender dar lições. Nós, mais do que ninguém, entendemos que democracia é processo, democracia é construção, democracia é negociação política dentro de cada um desses países. Então, o que nós podemos e fazemos é mostrar como a sociedade brasileira, havendo saído de um processo autoritário, pôde resolver as suas divergências e construir um modelo de convivência política e de progresso, de desenvolvimento econômico, baseado na liberdade de expressão, no pluralismo político e na alternância do poder. A relação do Brasil com esses países não estabelece condicionalidade. O que nós buscamos é que se valorize a importância de uma convergência em torno de valores que são universais e que nós pregamos e praticamos.

ABr: Como está se desenvolvendo o intercâmbio de políticas de saúde e de segurança alimentar?
Simas: Está muito bem e também se ampliando. Eu vou dar um exemplo concreto. Está em fase final de tramitação a abertura de um escritório da Fiocruz [Fundação Oswaldo Cruz] em Maputo, Moçambique. Isso na seqüência da abertura de um escritório da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] em Gana. Esses dois braços são muito importantes para a atuação do Brasil de forma geral no contexto africano. No caso de Maputo, por exemplo, além de a Fiocruz participar do desenvolvimento da Escola Nacional de Saúde de Moçambique, através inclusive de um mestrado em saúde pública, a Fiocruz e a Fiotec [Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde], conjuntamente, estão levando à frente um projeto de construção de uma fábrica de anti-retrovirais [medicamentos que combatem o vírus HIV] na cidade de Maputo, o que representa simbólica e efetivamente uma importante virada em termos de políticas de combate ao vírus HIV no contexto desse país e com uma irradiação para os demais países também. Da mesma forma, o [laboratório] Farmanguinhos tem um projeto também de uma fábrica de anti-retrovirais e de outros medicamentos na Nigéria. O escritório da Embrapa vem mapeando e levando à frente importantes projetos de cooperação, de tecnologia agrícola e de segurança alimentar, em alguns casos, desenvolvimento de sementes, adequação de culturas aos micro-sistemas ambientais de cada um desses países, em alguns deles com grande semelhanças ao nosso. Há toda uma faixa africana que tem um micro-clima muito parecido com o cerrado, por exemplo.

ABr: Outra questão é o Sudão. Por que o Brasil não deve participar da missão de paz em Darfur? Fomos informados de que o Brasil tem observadores no país, mas não na área do conflito em si (sul do país).
Simas: Acaba de entrar em operação a missão híbrida das Nações Unidas e da União Africana, e o pedido feito ao Brasil era de meios materiais, que infelizmente não pudemos atender. Por outro lado, o Brasil é um tradicional contribuinte das missões de paz das Nações Unidas. Nossa visão não é específica para o conflito em si nem a natureza dele, ela é apenas uma resposta de possibilidades de atendimento à solicitação recebida. Nós temos observadores em alguns casos. Temos observadores, por exemplo, na missão entre Etiópia e Eritréia e em Guiné-Bissau. Lideramos a missão de paz no Haiti e somos um contribuinte tradicional das missões de paz das Nações Unidas. A questão da resposta na Unamid [força de paz em Darfur] não tem nenhuma seletividade de nossa parte, apenas responde um problema de cunho técnico.

ABr: E as relações com os países de língua portuguesa, têm avançado?
Simas: Têm avançado e bem. Na recente reunião do Conselho Ministerial da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) que se realizou em Lisboa, no início de novembro, nós demos alguns passos importantes à frente, sobretudo através do reforço do ensino da língua portuguesa em Timor Leste e do reforço do Instituto da Língua Portuguesa, sediado em Cabo Verde. Além disso, temos um volume importante de recursos colocados pelo Brasil à disposição dos projetos de cooperação técnica da CPLP. Apenas no final de 2007, transferimos para o Fundo Especial da CPLP recursos da ordem de US$ 1 milhão, para continuar implementando os diferentes projetos da Comunidade.

http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2008/02/05/materia.2008-02-05.5280184178/view

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