Fonte: Geledés Instituto da Mulher
Negra http://www.geledes.org.br (Brasil)
Publicado há 12 meses -- em 1 de abril de 2015
Maria
Aparecida de Aquino
é professora titular aposentada da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente,
colabora com o Programa de Pós-Graduação em História Social da mesma
instituição. Durante a carreira, se dedicou ao estudo da repressão política
durante o período da ditadura civil-militar no Brasil, especialmente a censura
exercida sobre os veículos de comunicação.
Por Rafael
Tatemoto Do Brasil de Fato
Nesta entrevista à Agência
Brasil de Fato, ela aborda os motivos que levaram ao golpe de Estado,
o papel exercido pela imprensa e faz comparações com o atual cenário da
política nacional. Segundo a historiadora, há um elemento em comum entre
passado e presente: “Uma das coisas que persistem é o comportamento das elites.
Ainda é muito parecido com o que era em 1964.”
Brasil de
Fato: Quais foram os motivos que levaram ao golpe de 1964?
A gente precisa
levar em consideração que no golpe estão presentes diversas forças dentro do
Brasil, bem como existiu apoio internacional – mais especificamente, apoio dos
Estados Unidos. Quando a gente pensa quais seriam os motivos que levariam essas
forças internas e externas a embarcarem numa aventura, que foi o golpe de 1964
– aventura essa ilegal e ilegítima sobre todos os aspectos – existem razões
bastantes diversas. Se tivéssemos que centralizar essas razões eu diria que,
basicamente, foi o programa de reformas, as chamadas reformas de base do então
presidente João Goulart, o elemento detonador dessa questão. Essas reformas
atingiriam todos os setores: penetrariam na educação, no mundo agrícola, na
indústria. Era uma proposta para mudar o Brasil.
Mas não se
tratavam de reformas feitas em outros países? Por que aqui não foram aceitas
pela elite?
Sim, era um projeto
reformista, não revolucionário, mas “há elites e há elites”. Ela não aceitou
porque
não suporta partilhar, essa é a característica da nossa elite. Não
apenas da elite do nosso país. É uma marca das elites dos países que eram
consideradas subdesenvolvidas.
Enquanto você tem
nos países considerados avançados, como Inglaterra, França, Alemanha, uma
determinada caracterização das elites, na medida em que não existe um
distanciamento tão grande entre aquele que pertence à elite e aquele que está
alijado na sociedade, no Brasil e em outras nações, você tem uma distância
imensa. Existem nações em que o menor salário e o maior não ultrapassa dez
vezes. Aqui não dá para mensurar quantas vezes ultrapassa. Consequentemente
esse distanciamento tão grande faz com que essa elite nossa não seja tão
permissiva.
Ela não admite, ela
não é democrática. Ela é cruel, mesquinha. No momento em que ela diz “não podem
se sentar à mesa”, ela está negando o próprio desenvolvimento. Porque é do
acesso dessas pessoas a bens que elas não teriam, e a possibilidade que elas
teriam que, inclusive, você tem o maior desenvolvimento do país. Quanto mais
gente consumindo, partilhando, mais o país será desenvolvido. Nossa elite nega
inclusive o desenvolvimento. O seu próprio desenvolvimento. É predatória,
talvez seja o melhor adjetivo para ela.
Hoje se
fala muito do papel de resistência à ditadura que os órgão de imprensa
desempenharam. Como eles atuaram antes do golpe?
Têm um papel de
protagonismo. Eles foram conspiradores. Toda a grande imprensa estava na
conspiração contra a democracia. Vai ser uma das articuladoras mais importantes
do golpe. O único veículo que não apoiou o golpe e se manteve ao lado do regime
deposto foi o jornal “Última Hora”, do Samuel Wainer. Por conta disso, ele
ganhou um inimigo total, que vai destruir o jornal. Demora pelo menos quatro
anos até ele perder a posse do jornal em 1968, mas é destruído. Também ocorreu
com o “Correio da Manhã”, que apoia o golpe, mas que dois dias depois já está
contra, se colocando na oposição, já que percebeu o monstro que ajudou a criar.
Por conta disso, também será destruído, pelo mesmo grupo que comprou o “Última
Hora”.
Então como
se explica que parte da grande impressa, após esse momento inicial, passa a
resistir à ditadura?
A maior parte dos
órgãos de divulgação de notícias tem um tendência absolutamente liberal. Faz
parte dos objetivos do liberalismo a defesa da liberdade de expressão e de
opinião. Então, a liberdade de imprensa é um elemento central no interior da
plataforma liberal. A imprensa tem essa plataforma. Não é o tipo de coisa que
eles queriam que acontecesse. Embarcou numa terrível aventura, descobriu que a
canoa era furada, num determinado momento a canoa deles também fura. O exemplo
lapidar é o jornal que eu estudei, “O Estado de S. Paulo”. Foi um grande
conspirador. Os Mesquita [família dona do jornal] assumem que estavam na
conspiração, dois anos antes do golpe eles já faziam parte das reuniões que
discutiam como seriam o Brasil depois do apocalipse. Mas três anos depois do
golpe já está na linha de tiro, tanto que vai receber a censura. Talvez o
único, ao lado da revista “Veja” órgão da grande imprensa que tem censura
prévia no interior da redação.
Com o fim
da ditadura, é possível dizer que há uma contradição entre democratização
política e a ausência de democratização da mídia?
Os grandes blocos
de comunicação, o Brasil tem meia dúzia, se chegar a tanto, você observa que
eles não tem como seu ideal a defesa da democratização das comunicações. Porque
democratizar significa, ao fim, que você dará liberdade para as pessoas se organizarem
em pequenos jornais que nasceriam, que passariam a ter direito à luz do sol.
Para grande imprensa isso não interessa.
Quando você pega “o
grande jornal A” versus “o grande jornal B” você vai ver manchetes idênticas,
até a fotografia de capa muito parecida. O mesmo para as grandes revistas,
parece tudo a mesma coisa. É bom esse mundo, né? Esse mundo entre “iguais”
agrada a grande imprensa, o mundo da diversidade não.
Na realidade se
está na defesa do oligopólio. Há grupos enormes que dominam fatias gigantescas
do mercado das comunicações. É uma defesa cooperativista. Não quer que outros
entrem. Para eles o “mesmismo” é bom. De forma alguma tem a ver com liberdade
imprensa. Liberdade de imprensa, inclusive, seria lutar pela diversidade.
Você vai em uma
cidade do Acre, tem uma concessionária dos grandes veículos. É isso que está em
jogo. Por isso que está jogo, a perda de domínio. No Brasil, antes mesmo de se
colocar em pauta, se faz o discurso de dizer que está se ameaçando a liberdade
de imprensa.
Nesse
sentido, qual sua avaliação mais geral sobre o papel da imprensa no
fortalecimento da democracia?
Fortalece enquanto
defensora das liberdades democráticas, dentre elas a liberdade de expressão e
imprensa. Tem um papel importante sim, mas não se pode dizer que ela seja fiel
à democracia no sentido de que a democracia também significa conviver com o
diferente, com o antagônico. O que se vê hoje é a incapacidade de viver com o
antagônico. “Vocês estão de um lado, eu de outro, não quero diálogo”. Hoje cumpre
um papel péssimo, nesse sentido.
Eu fico muito
chateada e entristecida quando eu comparo as manchetes que antecedem o golpe de
1964 e o que se faz hoje na grande imprensa. Só é comparável o que se faz hoje
em relação ao governo. A grande imprensa está fazendo isso de novo, não
aprendeu com a censura, com o fechamento com o empastelamento, não aprendeu
nada, repete a mesma coisa. Só a semelhança com a destruição que hoje se faz do
governo com o processo de destruição de que foi alvo o governo de João Goulart.
Quando você
acompanha as manchetes, as primeiras páginas, os editoriais daquela época, eles
são devastadores. Não é “queremos um Brasil melhor”, mas sim “o que está aí não
nos serve”, independente de ser democrático ou não, então partiram pro ataque.
Está acontecendo o pior que pode ocorrer, não se está dando possibilidade de
defesa para alguém que você colocou no chão. Usa-se todo seu potencial e
destrata cada um dos pontos do governo. “Nada é bom”.
“O Brasil teve
coisas negativas, mas cresceu o nível de emprego”. O “mas cresceu o nível de
emprego” é o mais importante, mas aparece no rodapé da página. É clara a
iniciativa para quem quiser ver e estiver prestando atenção.
Na sua
opinião o que permaneceu intocado mesmo com o fim da ditadura?
Hoje pouca coisa.
Uma das coisas que persistem é o comportamento das elites. Ainda é muito
parecido com o que era em 1964. As elites não evoluíram, não avançaram.
Enquanto o Brasil mudou muito, para melhor, um país que inclui muito mais
pessoas, e não só por causa dos últimos anos, vem num processo de inclusão
muito importante. A realidade que vivemos hoje está a léguas de diferença da
realidade de 50 anos atrás. Talvez a única que que persista é uma atitude
semelhante das elites, infelizmente.
Então as
elites ainda se comportam do mesmo jeito?
Quando você analisa
as elites que estavam posicionadas em 1964 elas são claramente golpistas. Elas
querem a derrubada do regime democrático. Elas não sabem e não conseguem
conviver com o Estado democrático. Portanto, partem, para sua destruição e
dissolução, que ocorre através do golpe, ilegal e ilegítimo.
Hoje você tem uma
elite que tem um pouco de receio. Ela tem um pouco de receio de dizer “para nós
acabou a brincadeira, a bola é minha e não brinco mais” e assumir uma
caracterização abertamente golpista. Não que ela não flerte. Não que ela não
seja capaz de embarcar em um aventura terrível, pela forma como age, pelas
considerações que ela faz.
Um exemplo foi
quando a presidenta Dilma se elegeu. Ela teve uma capacidade eleitoral bastante
grande no Nordeste. Quando você olha as redes sociais falando dos nordestinos,
você vai ver a cara dessa elite. Ela é exatamente aquilo. Ela começa a dizer:
“é esse tipo de gente que elegeu, e nós somos melhores”. Ela tem condições,
desejo e vontade de flertar abertamente [com o autoritarismo].
Ou seja, hoje você
tem um processo ou uma proposta de inclusão social, que de uma maneira ou de
outra dá o acesso às pessoas que não teriam a determinadas instâncias, desde a
casa própria até o ensino universitário.
Essa proposta
descontentava, como descontenta hoje. A proposta de inclusão. Se o Brasil vive
um momento de crise, se é que existe a crise, se ela não é fabricada pelos
meios de comunicação, essa crise se deve fundamentalmente a esse
descontentamento. São os mesmos grupos, a mesma raiz, que não aceita que as
pessoas que não têm nem acesso às migalhas passem a se sentar na mesa.
Como a
senhora analisa os protestos pedindo impeachment, os “panelaços”?
Quem bateu panelas?
Foi a grande elite? Eu sou capaz de entender o porquê. Tem o que perder, e é só
por isso que está batendo panela. Eu não tenho dúvida que essa gente está em
defesa de seus privilégios. Existiu a tentativa de puxar um fio de corrupção
que envolveria o PSDB, mas foi engavetado. Então por que se diz que só existe
um criminoso, o PT?
O Paulo Francis, há
mais de vinte anos já falava de corrupção na Petrobras. Faleceu porque veio um
processo judicial que ele não conseguiu arcar. A corrupção é exclusiva desse
governo?
Mas o
consevadorismo, atualmente, não se resume à elite…
Uma coisa é
pensarmos no Brasil como um país jovem, que está vivendo um processo de
ascensão das chamadas classes médias, quanto a isso não há dúvida, mas é um
erro achar que nesse mesmo processo progressivo também terá o mesmo processo no
sentido de qual leitura eles terão da realidade brasileira. Infelizmente, a
leitura que se tem, na média, é conservadora.
Isso se deve à
formação do Brasil, uma escolarização muito baixa. Teve o acesso das pessoas ao
ensino, mas é um ensino transformador? Quando se pega a escola pública, que
atende à vasta maioria, essa educação transforma sua mentalidade, prepara para
os novos tempos? Se tivesse uma imprensa que fosse muito mais plural, também
contribuiria para que tivéssemos esses debates ampliados.
O que você
diria para alguém que defende o retorno da ditadura?
Pensa, raciocina e
observa o que o regime militar produziu. Um mundo sem luz. A desigualdade se
ampliou enormemente nesse período, os ricos mais ricos e os pobres mais pobres.
É isso que você quer para a sociedade brasileira? O remédio para a sociedade
brasileira é uma aventura antidemocrática? Para combater a corrupção é
necessário acabar com a democracia?
Para pessoas que
pensam nisso, eu aconselharia a ver as contas da Transamazonica. Ou as contas
nunca fechadas da Ponte Rio-Niterói. Ninguém falou, porque naquele momento não
podia falar. Se você levantar, você vai trazer uma quantidade de coisas
irregulares que arrepia os cabelos de qualquer um. Hoje, graças ao caminho que
a sociedade brasileira trilhou, nós temos liberdade de falar. O autoritarismo
corre ao lado da irregularidade, porque ele abafa a irregularidade.
Leia a matéria completa em: “As elites não evoluíram. Ainda é muito
parecido com 1964”, afirma historiadora - Geledés http://www.geledes.org.br/as-elites-nao-evoluiram-ainda-e-muito-parecido-com-1964-afirma-historiadora/#ixzz439JWmtPT
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