4 março 2016, Carta Maior http://cartamaior.com.br (Brasil)
Resistir ao golpe para construir um Brasil mais justo e soberano: essa é a tarefa para a qual a História nos convoca nesse momento.
A democracia vive horas decisivas em nosso país.
O ar empesteado de avisos da véspera, lubrificados
pelo Jornal Nacional, e pelas manchetes desta fatídica 6ª feira, 4 de março de
2016, desdobrou-se na ruptura longamente cevada, desde outubro de 2014.
Os agentes da PF chegaram a residência do
ex-presidente Lula e o levaram sob condução coercitiva. Praticamente
sequestrado: durante horas não havia notícia oficial de seu paradeiro, com a
desculpa de se evitar manifestações, ou seja, parecem temer o povo ou a
democracia.
A revanche dos interesses derrotados nas eleições
presidenciais do ano passado desfechou assim seu bote final contra a soberania
das urnas.
Dê-se a isso o nome que se quiser dar.
Dê-se a isso o nome que se quiser dar.
Os acontecimentos das últimas horas, a obscena
sintonia entre a mídia e a polícia partidarizada, falam
por si.
O pudor e as aparências foram sacrificados em nome do
que importa: a caça implacável à Lula, apontado pelo Datafolha, no início
desta semana, o melhor presidente da história deste país, por 37% dos brasileiros
É impossível levar a cabo o projeto de restauração
neoliberal preconizado pelos grandes interesses do dinheiro local e
estrangeiro, com um estorvo que detém esse trunfo na urna.
Não se trata da pessoa do ex-presidente.
O que foi sequestrado neste 4 de março de
2016 é o que ele representa em carne e osso – com todas virtudes e limitações
da carne e do osso humanos.
Os pilares erguidos desde 2003, na construção da
grande ponte de acesso dos brasileiros aos direitos da civilização
e da democracia social, estão sendo demolidos.
A caça a Lula, consumada agora, é a parte mais
explosiva dessa faina demolidora, edulcorada de cruzada ética pela
narrativa dominante.
O Fórum 21 nasceu como um espaço ecumênico de
aglutinação da inteligência brasileira.
Reúne todos aqueles empenhados em contribuir para a
construção da frente democrática e progressista em formação no país.
Não podemos subestimar o que temos pela frente a
partir de agora.
O assalto em curso visa a democracia, as lideranças
que dificultam a subordinação radical do país aos interesses rentistas e,
em última instancia, sonegar um futuro melhor ao povo brasileiro.
O ataque desfechado por José Serra esta semana às
maiores reservas de petróleo descobertas no século XXI ilustra a força motriz
desse mutirão.
Dilapidar o pré-sal e o potencial que ele representa
em direitos e autonomia econômica simboliza o modelo que eles querem vestir a
fórceps no país.
Isso não se faz sem o uso da força.
Reacende-se a velha fornalha que incinerou ou tentou
incinerar governos, soberania e direitos em 1932, 1954, 1962, 1964, 1989 …
Hoje, como das vezes anteriores, vivemos uma transição
de ciclo de desenvolvimento.
Esgotou-se um capítulo do crescimento brasileiro.
Outro precisa ser construído.
A complexidade da travessia consiste no fato de que o
velho já não atende às necessidades nacionais, mas o novo ainda não se
estruturou para servi-las.
Estamos na soleira de escolhas cruciais na vida de uma
nação.
O passo seguinte terá como bússola a solidez econômica
voltada para atender as necessidades e urgências do nosso povo? Ou o país, seu
parque fabril, seus recursos e seu gigantesco mercado de massa serão reduzidos
a um anexo de interesses dissociados das urgências nacionais?
É isso que está em jogo nas horas que rugem.
Para resistir não basta a emoção.
É preciso organização -- local, regional, nacional.
É preciso impulsionar uma espiral ascendente de
mobilizações, consistentemente preparadas.
O Fórum 21 conclama seus integrantes, o mundo
acadêmico e todos os intelectuais brasileiros a cerrarem fileira ao lado da
democracia.
Não apenas para resistir.
Mas para fazer dessa resistência uma ponte de
repactuação da nossa riqueza e do nosso potencial, com o potencial e a riqueza
do nosso povo.
Esse é o sentido das reuniões que o Fórum 21 convocará
em seguida, para discutir o novo degrau do golpe, a crise econômica, a
partidarização da justiça e a manipulação do discernimento social pela mídia.
Essa maratona não se confunde com uma tertúlia
acadêmica.
Trata-se de aglutinar a inteligência brasileira para
refletir e agir.
E isso significa, entre outras coisas, levar a
círculos amplos da população a verdadeira natureza do embate que se acirra e se
acelera.
O embate entre um projeto de sociedade para 30% de sua
elite; ou a árdua luta pela construção de uma verdadeira democracia social no Brasil.
Em breve, a agenda de encontros do Fórum 21 nas
universidades e capitas brasileiras será divulgada.
Todos nós sabemos de que lado devemos marchar.
Trata-se agora de exercer integralmente esse
discernimento juntando forças na trincheira ecumênica do Fórum 21 e de outras
iniciativas democráticas em curso.
Resistir ao golpe para construir um Brasil mais justo
e soberano: essa é a tarefa para a qual a História nos convoca nesse momento.
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