13 março 2016, Pátria Latina
http://www.patrialatina.com.br (Brasil)
Pepe Escobar, RT
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
“BRICS” é a sigla mais amaldiçoada no eixo av. Beltway
[onde ficam várias instituições do governo dos EUA em Washington]-Wall Street,
e por razão de peso: a consolidação dos BRICS é o único projeto orgânico, de
alcance global, com potencial para afrouxar a garra que o Excepcionalistão
mantém apertada no pescoço da chamada “comunidade internacional”.
Assim sendo, não é surpresa que as três potências
chaves dos BRICS estejam sendo atacadas simultaneamente, em várias frentes, já
faz algum tempo. Contra a Rússia, a questão é a Ucrânia e a Síria, a guerra do
preço do petróleo, o ataque furioso contra o rublo e a demonização ininterrupta
da tal “agressão russa”. Contra a China, a coisa é uma dita “agressão chinesa”
no Mar do Sul da China e o (fracassado) ataque às Bolsas de Shanghai/Shenzhen.
O Brasil é o elo mais fraco dessas três potências
emergências crucialmente importantes. Já no final de 2014 era visível que os
suspeitos de sempre fariam qualquer coisa para desestabilizar a sétima maior
economia do mundo, visando a uma boa velha ‘mudança de regime’. Para tanto
criaram um coquetel político-conceitual tóxico (“ingovernabilidade”), a ser
usado para jogar de cara na lama toda a economia brasileira.
Há incontáveis razões para o golpe, dentre elas: a
consolidação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o impulso concertado entre
os países BRICS para negociarem nas respectivas moedas, deixando de lado o
dólar norte-americano e visando a construir outra moeda global de reserva que
tome o lugar do dólar; a construção de um cabo submarino gigante de
telecomunicações por fibra ótica que conecta Brasil e Europa, além do cabo
BRICS, que une a América do Sul ao Leste da Ásia – ambos fora de qualquer
controle pelos EUA.
E acima de tudo, como sempre, o desejo pervertido
obcecado do Excepcionalistão: privatizar a imensa riqueza natural do Brasil.
Mais uma vez, é
o petróleo.
Peguem esse Lula, ou…
WikiLeaks Já expôs há muito tempo, em 2009, o quanto o
Big Oil estava ativo no Brasil, tentando modificar, servindo-se de todos os
meios de extorsão, uma lei proposta pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, conhecido também como Lula, que estabelece que a estatal Petrobrás
(lucrativa) será a única operadora de todas as bacias de petróleo no mar, da
mais importante descoberta de petróleo desse jovem século 21: as reservas de
petróleo do pré-sal.
Lula não só deixou à distância o Big Oil –
especialmente ExxonMobil e Chevron –, mas também abriu a exploração do petróleo
no Brasil à Sinopec chinesa – parte da parceria estratégica Brasil-China (BRICS
dentro de BRICS).
O inferno não conhece fúria maior que a do
Excepcionalistão descartado. Como a Máfia, o Excepcionalistão nunca esquece;
mais dia menos dia Lula teria de pagar, como Putin tem de pagar por ter-se
livrado dos oligarcas cleptocratas amigos dos EUA.
A bola começou a rolar quando Edward Snowden revelou
que a Agência de Segurança Nacional dos EUA (ing. NSA) andava espionando a
presidenta do Brasil, Dilma Rousseff, e vários altos funcionários da Petrobrás.
Continuou com o fato de que a Polícia Federal do Brasil coopera, recebe
treinamento e/ou são controladas de perto por ambos, o FBI e a CIA (sobretudo
na esfera do antiterrorismo). E prosseguiu via os dois anos de investigações da
Operação Car Wash, que revelou vasta rede de corrupção que envolve atores
dentro da Petrobrás, as maiores empresas construtoras brasileiras e políticos
do partido governante Workers’ Party.
A rede de corrupção parece ser real – mas com “provas”
quase sempre exclusivamente orais, sem nenhum tipo de comprovação documental, e
obtidas de trapaceiros conhecidos e/ou neomentirosos seriais que acusam
qualquer um de qualquer coisa em troca de redução na própria pena.
Mas para os Procuradores encarregados da Operação Car
Wash, o verdadeiro negócio sempre foi, desde o início, como envolver Lula em
fosse o que fosse.
Entra o neo-Elliott Ness tropical
Chega-se assim à encenação espetacularizada, à moda
Hollywood, na 6ª-feira passada em São Paulo, que disparou ondas de choque por
todo o planeta. Lula “detido”, interrogado, humilhado em público (comentei
esses eventos em “Terremoto no Brasil”).
O Plano A na blitz à moda Hollywood contra Lula era
ambicioso movimento para subir as apostas; não só se pavimentaria o caminho
para o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (q seria declarada “culpada por
associação”), como, também, já se neutralizaria Lula, impedindo-o de
candidatar-se à presidência em 2018. E não havia Plano B.
Como não seria difícil prever que aconteceria – e
acontece muito nas ‘montagens’ do FBI – toda a ‘operação’ saiu pela culatra.
Lula, em discurso-aula, master class em matéria de
discurso político, reproduzido ao vivo por todo o país pela internet, não só se
consagrou como mártir de uma conspiração ignóbil, mas, mais que isso, energizou
suas tropas de massa. Até respeitáveis vozes conservadoras condenaram o show à
moda Hollywood, de um ministro da Suprema Corte a um ex-ministro da Justiça,
que serviu a governo anterior aos do Workers’ Party, além do conhecido
professor e economista Bresser Pereira (um dos fundadores do PSDB, que nasceu
como partido da social-democracia do Brasil, mas virou a casaca e é hoje
defensor das políticas neoliberais do Excepcionalistão e lidera a oposição de
direita).
Bresser disse claramente que a Suprema Corte deveria
intervir na Operação Car Wash para impedir novos abusos. Os advogados de Lula,
por sua vez, requereram à Suprema Corte que detalhasse a jurisprudência que
embasaria as acusações assacadas contra Lula. Mais que isso, um advogado que
teve papel de destaque na blitz hollywoodiana disse que Lula respondeu a tudo
que lhe foi perguntado durante o interrogatório de quase quatro horas, sem
piscar – eram as mesmas perguntas que já lhe haviam sido feitas antes.
O professor e advogado Celso Bandeira de Mello, por
sua vez, foi diretamente ao ponto: as classes médias altas no Brasil – nas
quais se reúnem quantidades estupefacientes de arrogância, ignorância e
preconceito, e cujo maior sonho de toda uma vida é alcançar um apartamento em
Miami – estão apavoradas, mortas de medo de que Lula volte a concorrer à
presidência – e vença – em 2018.
E isso nos leva afinal ao juiz mandante e carrasco
executor de toda a cena: Sergio Moro, protagonista de “Operação Car Wash”.
Ninguém em sã consciência dirá que Moro teve carreira
acadêmica da qual alguém se orgulharia. Não é de modo nenhum teoricista peso
pesado. Formou-se advogado em 1995 numa universidade medíocre de um dos estados
do sul do Brasil e fez algumas viagens aos EUA, uma das quais paga pelo
Departamento de Estado, para aprender sobre lavagem de dinheiro.
Como já comentei, a chef-d’oeuvre da produção
intelectual de Moro é artigo antigo, de 2004, publicado numa revista obscura,
nos idos de 2004 (“Considerações sobre Mãos Limpas”, revista CEJ, n. 26,
Julho-Set. 2004), no qual claramente prega a “subversão autoritária da ordem
judicial para alcançar alvos específicos” e o uso dos veículos de mídia para
envenenar a atmosfera política.
Quer dizer, o juiz Moro literalmente transpôs a famosa
operação da Justiça italiana de 1990s Mani Pulite (“Mãos Limpas”) da Itália
para o seu próprio gabinete – e pôs-se a instrumentalizar os veículos da grande
mídia brasileira e o próprio judiciário, para alcançar uma espécie de “deslegitimação
total” do sistema político. Mas não quer deslegitimar todo o sistema político:
só quer deslegitimar o Workers’ Party, como se as elites comprador que povoam
todo o espectro da direita no Brasil fossem querubins.
Assim sendo, não surpreende que Moro tenha contado com
a companhia solidária, enquanto se desenrolava a Operação Car Wash, do
oligopólio midiático da família Marinho – o império midiático O Globo –,
verdadeiro ninho de reacionários, nenhum deles particularmente inteligente, que
mantiveram íntimas relações com a ditadura militar que, no Brasil, durou mais
de 20 anos.
Não por acaso, o grupo Globo foi informado sobre a
“prisão” hollywoodiana que Moro aplicaria ao presidente Lula antes de a
operação começar, e pode providenciar cobertura que efetivamente tudo encobriu,
ao estilo CNN.
Moro é visto por muitos no Brasil como um sub Elliot
Ness nativo. Advogados que têm acompanhado o trabalho dele dizem que o homem
cultiva a imagem de que o Workers’ Party seria uma gangue que viveria a
sanguessugar o aparelho do Estado, com vistas a entregar tudo, em cacos, aos
‘sindicatos’.
Segundo um desses advogados, que falou com a mídia
independente no Brasil, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Moro é
cercado por um punhado de Procuradores fanáticos, com pouco ou nenhum saber
jurídico, que fazem pose de Antonio di Pietro (mas sem a solidez do Procurador
milanês que trabalhou na Operação Mãos Limpas).
Ainda pior, Moro não dá sinais de preocupar-se com a
evidência de que depois que o sistema político italiano implodiu, ali só
prosperaram os Berlusconi. No Brasil, certamente se veria a ascensão ao poder
de algum palhaço/idiota de bairro, elevado ao trono pela Rede Globo – cujas
práticas oligopolistas já são bastante berlusconianas.
Pinochets digitais
Pode-se dizer que a blitz à moda Hollywood contra Lula
guarda semelhanças diretas com a primeira tentativa de golpe de Estado no
Chile, em 1973, que testou as águas em termos de resposta popular, antes do
golpe real. No remix brasileiro, jornalistas globais fazem as vezes de
Pinochets digitais. Mas as ruas em São Paulo já mostram graffiti que dizem “Não
vai ter golpe” e “Golpe militar – nunca mais.”
Sim, porque tudo, nesse episódio tem a ver com um
golpe branco – sob a forma de impeachment da presidenta Rousseff e com Lula
atrás das grades. Mas velhos vícios (militares) são duros de matar: vários
jornalistas próximos da Rede Globo e ativos agora na Internet já ‘conclamaram’
os militares a tomar as ruas e “neutralizar” as milícias populares. E isso é só
o começo. A direita brasileira está organizando manifestações para o próximo
domingo, exigindo – e o que mais exigiriam? – o impeachment da presidenta.
A Operação Car Wash teve o mérito de investigar a
corrupção, a colusão e o tráfico de influência no Brasil, país no qual
tradicionalmente a corrupção corre solta. Mas todos, todos os políticos e todos
os partidos políticos teriam de ser investigados – inclusive e sobretudo –
porque em todos os casos esses são corruptos conhecidos há muito tempo! – os
representantes das elites comprador brasileiras. A Operação Car Wash não opera
igualmente contra todos. Porque o projeto político aliado aos Procuradores do
juiz Moro absolutamente não está interessado em fazer “justiça”; a única coisa
que interessa a eles é perpetuar uma crise política viciosa, como meio para
fazer fracassar a 7ª maior economia do mundo, para, com isso, alcançarem seu
Santo Graal: ou aquela velha suja ‘mudança de regime’, ou algum golpe branco.
Mas 2016 não é 1973. Hoje já se sabe quem, no mundo, é
doido por golpes para mudar regimes.
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