2 março 2015, ADITAL Agência de Informação Frei Tito para
América Latina
http://www.adital.com.br (Brasil)
Pré-Sal deve ser
prioridade para a reestruturação
da companhia. Foto: Reprodução.
A Operação Lava Jato continua se desdobrando, diversos
executivos das empreiteiras permanecem presos. As delações premiadas –
veiculadas como verdade absoluta – só beneficiarão os réus caso hajam provas
materiais. Todo o país aguarda que o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, divulgue a lista dos políticos envolvidos no esquema, evento mais uma
vez adiado na última sexta-feira, 27 de fevereiro. Enquanto isso, a oposição
foi tomada por um súbito desinteresse pela
CPI (Comissão Parlamentar de
Inquérito) da estatal reinstalada.
O Ministério Público rechaça os acordos de leniência e
deseja declarar as empreiteiras inidôneas. A Advocacia-Geral da União, por sua
vez, teme os impactos que a paralisação das obras contratadas possam causar na
economia e nos empregos ligados ao setor.
Continuando a série de matérias sobre a mais
importante estatal brasileira, o Blog dos Desenvolvimentistas publica uma
entrevista com Paulo César Ribeiro Lima, consultor legislativo da Câmara dos
Deputados. Lima diz que se a empresa fosse privada jamais teríamos descoberto o
Pré-Sal, pede aos brasileiros que saibam separar a Petrobras dos infratores que
a saquearam, e teme que decisões irresponsáveis no âmbito das investigações
tenham efeito "catastrófico” sobre o país.
Confira a íntegra da entrevista.
Qual sua opinião sobre o novo presidente da Petrobras,
Aldemir Bendine? O que esse nome indica em termos de gestão?
Por não ser um funcionário de carreira da Petrobras,
não o conheci quando trabalhei na companhia. O aspecto favorável é que, pelo
menos, ele é um funcionário de carreira do Banco do Brasil. O aspecto
desfavorável é que ele é proveniente do mercado financeiro.
Por ter trabalhado em um banco, espero que não faça
uma gestão "financista”, mas que tenha uma visão estratégica de longo
prazo, ao mesmo tempo conciliando com as dificuldades de curto prazo relativas
à publicação de um balanço auditado para o ano de 2014.
Que diretrizes seriam as mais adequadas, dado o atual
contexto, para fortalecer a empresa?
Depois de publicado o balanço de 2014, as diretrizes
devem ser: certificação das reservas, principalmente da província do Pré-Sal,
verticalização e integração das atividades, manutenção dos investimentos e dos
compromissos que a Petrobras tem com a sociedade brasileira. Agora, é tempo de
colher os frutos dos grandes investimentos e das descobertas ocorridas nessa
província de 2006 a 2014. A Petrobras tinha tudo para entrar em uma era de
grandes resultados financeiros, não fosse a operação Lava-Jato.
O propinoduto descoberto pela Lava-Jato influi no
preço das ações da Petrobras? Como explicar esta considerável baixa?
Os problemas de superfaturamento e de propinas
afetaram muito a imagem da empresa no "mercado”, com forte impacto no
preço das ações.
A maior parte dos investidores no mercado acionário
tem uma visão de curto prazo e não vê com bons olhos os grandes investimentos
estabelecidos nos planos de negócio da Petrobras, pois objetivam receber
dividendos o mais rápido possível. Os investimentos consomem os dividendos.
Essa visão, absolutamente inadequada, associada aos escândalos da Operação
Lava-Jato provocaram essa considerável baixa. Existe um erro histórico de se
misturar monopólio no setor petrolífero com mercado de ações.
Como se dá o impacto da atuação do judiciário na
economia? A Lava-Jato pode afetar a atividade produtiva?
A atuação impensada do Poder Judiciário e de
instituições de outros poderes pode ter um efeito devastador na economia
nacional.
Se as empresas envolvidas na Lava-Jato forem
consideradas inidôneas e não puderem ser contratadas pela administração
pública, haverá uma grande retração no PIB [Produto Interno Bruto] nos próximos
anos. Apesar de pequeno, os investimentos estatais e públicos são fundamentais
para a atividade econômica no Brasil.
A AGU propõe um acordo de leniência com as
empreiteiras a fim de não inviabilizá-las, enquanto o Ministério Público
rechaça a proposta e deseja impor uma multa de mais de R$ 4 bilhões juntamente
com a declaração de inidoneidade dos acusados.
O que dizer desse conflito? Que medida seria mais
vantajosa ao interesse nacional?
Esse conflito é falso. A Lei nº 12.846, de 1º de
agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de
pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública,
estabelece que, na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas
consideradas responsáveis pelos atos lesivos multa no valor de 0,1% a 20% do
faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo
administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem
auferida.
A aplicação dessa multa não exclui, em qualquer
hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado. No âmbito do Poder
Executivo federal, a Controladoria-Geral da União – CGU terá competência
concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de
pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados, para exame de sua
regularidade ou para corrigir-lhes o andamento. A CGU poderá celebrar acordo de
leniência com as pessoas jurídicas que colaborem efetivamente com as
investigações e o processo administrativo.
A celebração desse acordo isentará a pessoa jurídica
da publicação extraordinária da decisão condenatória e da proibição de receber
incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos da área pública. Além
disso, a celebração do acordo de leniência poderá reduzir em até dois terços o
valor da multa. Observa-se, então, que o acordo de leniência não afasta a
cobrança de multa, apenas permite a redução do valor. Ressalte-se, ainda, que o
dano integral tem que ser ressarcido, não sofrendo impacto da existência ou não
do acordo de leniência. O que tem sido publicado pela imprensa sobre o acordo
de leniência são verdadeiras aberrações.
Seria muito vantajosa ao interesse nacional a
celebração de acordos de leniência, de modo a poder isentar ou atenuar as
sanções previstas nos artigos 86 a 88 da Lei 8.666/1993 (advertência, multa,
suspensão temporária para participar de licitações e contratar com a
Administração e declaração de inidoneidade para contratar com a Administração).
Dessa forma, combate-se a corrupção, não se impede que a investigação avance na
esfera penal, evita-se o fechamento das empresas e mantêm-se os investimentos
com recursos materiais e humanos nacionais.
O interesse do Estado não é a descontinuidade
operacional, mas o cumprimento das regras por parte das empresas. Como o número
de empresas envolvidas na Operação Lava-Jato é grande, a declaração de
inidoneidade, nesse caso, teria reflexos em outros setores e em toda a cadeia
produtiva; seriam punidos os trabalhadores, a economia e a engenharia nacional.
Os dirigentes devem ser punidos, as empresas devem pagar as multas cabíveis e
demonstrar a mudança de conduta.
Decisões irresponsáveis podem gerar consequências
catastróficas para o País. O risco da interrupção de obras em andamento, como,
por exemplo, aquelas relativas ao Programa de Aceleração do Crescimento – PAC,
bem como de novos investimentos na área de infraestrutura, propulsora do
desenvolvimento nacional, deve ser eliminado.
É possível afirmar que há interesses estrangeiros se
aproveitando da operação Lava-Jato?
Na Lava-Jato propriamente dita não posso afirmar, mas
pode haver interesses estrangeiros na exploração dos grandes reservatórios do
Pré-Sal. O enfraquecimento da Petrobras e do Estado facilita o acesso dos
estrangeiros ao Pré-Sal.
Ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso tentou
mudar nome da Petrobras
na tentativa de
privatizá-la. Foto:
Reprodução.
Diversos analistas afirmam que a Petrobras não tem
capacidade de arcar com os investimentos necessários para a exploração do
Pré-Sal e por isso defendem a revisão do modelo de partilha em prol do
anterior, de concessão. É verdade que a estatal tem limitações nesse quesito?
Ela dá conta de ser operadora única?
As primeiras questões a serem analisadas são o ritmo
de exploração dos volumes recuperáveis do Pré-Sal e o conteúdo nacional. Se o
objetivo do País é ser exportador de petróleo, e com isso formado de preço, não
faz sentido se falar em concessão, pois nesse regime a produção é definida pelo
contratado.
Ao contrário do que se divulga, o modelo de concessão
como o do Brasil é raríssimo. Muitos "especialistas” citam que a Noruega,
Venezuela, Rússia etc utilizam o modelo de concessão, o que não é verdade. De
fato, nenhum país exportador de petróleo utiliza um modelo de concessão como o
do Brasil. O mais próximo seria o modelo dos Estados Unidos na sua porção do
Golfo do México.
Registre-se, contudo, que os Estados Unidos são importadores
de petróleo, daí o grande incentivo à produção pelo setor privado. As
exportações de petróleo, obviamente, afetam os preços no mercado internacional
e, por isso, são controladas pelo Estado. Em países exportadores a produção de
petróleo é controlada por meio do monopólio, como na Arábia Saudita; por
contratos de partilha de produção, como em Angola; por meio de joint venture
como na Venezuela e Noruega; ou por contratos de prestação de serviço, como no
Irã.
Como tudo indica que o Brasil será exportador de
petróleo, o retorno do modelo de concessão em áreas estratégicas não faz o
menor sentido. Outra limitação ao crescimento da produção de petróleo não diz
respeito propriamente à Petrobras, mas ao conteúdo nacional. Se abrirmos mão
dos atuais patamares de conteúdo nacional, podemos acelerar o ritmo do
crescimento da produção. Julgo, entretanto, ser importante manter a atual
política de conteúdo nacional, mesmo gerando certa restrição ao aumento do
ritmo do crescimento da produção.
De fato, a Petrobras tem hoje uma grande carteira de
áreas a serem desenvolvidas, o que exige altíssimos investimentos. A extração
petrolífera dos reservatórios do Pré-Sal apresenta elevada rentabilidade. Os
custos de extração são inferiores a US$ 20 por barril, mas o valor da produção
é superior a US$ 50 por barril. Tem-se, então, uma margem de mais de 100%.
Sendo assim, o Estado poderia passar a ser investidor
no Brasil, a exemplo do que ocorre na Noruega, onde a empresa de propriedade
exclusiva do Estado, chamada Petoro, é parceira nos investimentos. Por isso,
nas áreas estratégicas da plataforma continental da Noruega existe um regime de
joint venture. Caso haja dificuldades de investimento por parte da Petrobras,
que inclusive recentemente perdeu o grau de investimento na avaliação de
determinada agência de risco, o Estado poderia passar a ser investidor e
parceiro da Petrobras por meio, por exemplo, da empresa pública Pré-Sal
Petróleo S.A. – PPSA.
Poderia nos explicar a relevância estratégica da
Petrobras na economia nacional? Quais são os benefícios que esta empresa traz a
população?
A Petrobras é a empresa líder no mundo em tecnologias
para produção de petróleo em águas profundas. Talvez essa seja a única área
tecnológica em que o Brasil está na liderança mundial. A alta capacitação dos
técnicos da Petrobras permitiu a descoberta e o desenvolvimento de grandes
reservatórios do Pré-Sal, o que exigiu e ainda exige vultosos investimentos.
Também estratégicos são os investimentos da Petrobras
na área de refino, com destaque para a Refinaria Abreu e Lima e para o Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro. O Plano de Negócios e Gestão – PNG 2014-2018,
alinhado ao Plano Estratégico 2030 e com foco no curto e médio prazo, totaliza
investimentos da Petrobras de US$ 220,6 bilhões.
Estima-se que as atividades das petrolíferas no
Brasil, capitaneadas pela Petrobras, representam próximo de 10% do PIB. Isso
evidencia a importância dessas atividades. A partir de 2003, a Petrobras passou
a estar alinhada aos interesses estratégicos do País. A empresa investiu, em
média, cerca de 0,8% do PIB de 2003 a 2006; investiu 1,3% em 2008 e 1,9% em
2009. Houve, no País, o ressurgimento da indústria naval, com aumento de 2 mil
empregados para 85 mil.
Além dos benefícios econômicos para o País, a atuação
da Petrobras permite que a alta volatilidade dos preços dos combustíveis no
mercado nacional não seja repassada para os consumidores. As figuras abaixo
mostram que a Petrobras praticou preços no mercado interno, na média, pouco
abaixo dos preços do mercado internacional.
De 2005 a 2014, o preço médio de realização da
gasolina nas refinarias da Petrobras foi de R$ 1,085, enquanto no porto de Nova
Iorque foi de R$ 1,207. Para o óleo diesel, o valor da Petrobras foi de R$
1,203, enquanto em Nova Iorque foi de R$ 1,299.
Nesse momento, é fundamental que o Ministério Público,
o Poder Judiciário e outras instituições tenham percepção das consequências de
seus atos para que as decisões não sejam fatais para trabalhadores e empresas,
num momento difícil da economia brasileira. Punições são necessárias, assim
como alterações no modelo de contratação da Petrobras, mas os trabalhadores não
podem pagar a conta pelo que não fizeram e o Brasil precisa dos investimentos
no setor petrolífero e em outros.
O que você aconselharia aos brasileiros que se
importam com a Petrobras a fazer diante deste quadro?
Em primeiro lugar, que se conscientizem da diferença
que existe entre a empresa e alguns ex-funcionários investigados na Operação
Lava-Jato. Atualmente, há uma tendência de as pessoas não fazerem essa
distinção e a acreditarem que o mal é endêmico e que não há saída para a
Petrobras como empresa. Isso não é verdade, pois ela conta com extraordinários
ativos, tanto patrimoniais quanto humanos, e não pode ser "resumida” aos
acontecimentos extremamente negativos.
Assim, os brasileiros que se importam com a Petrobras
devem lutar para que a companhia torne-se ainda mais estatal, forte e sob
controle público. Se a Petrobras fosse uma empresa privada, ela não seria líder
mundial em águas profundas, nem teriam ocorrido as importantes descobertas na
província do Pré-Sal e os altíssimos investimentos nessa província e na área de
abastecimento.
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